CENPEC Educação analisa programa de alfabetização do MEC
CENPECexplica: Alfabetização em foco Lançado ontem (18/02), Tempo de Aprender é voltado a professores e gestores das redes públicas de educação. Confira a opinião de especialistas do CENPEC Educação
O Ministério da Educação (MEC) lançou na última terça-feira (18.2) seu novo programa de alfabetização, Tempo de Aprender. Esta é a segunda ação vinculada à Política Nacional de Alfabetização (PNA), que, em dezembro do ano passado, lançou o Conta pra Mim.
Enquanto o primeiro programa tem como objetivo incentivar a leitura na família, o segundo é voltado à escola. No evento de apresentação do programa, Carlos Nadalim, secretário de Alfabetização do MEC, afirmou que o Tempo para Aprender é estruturado em quatro eixos: 1. formação prática para alfabetizadores; 2. avaliação; 3. apoio pedagógico; e 4. valorização docente.
Para a presidente do Conselho de Administração do CENPEC, Anna Helena Altenfelder, os quatro eixos do programa são importantes e têm consonância com as produções teóricas e práticas de alfabetização.
No entanto, a educadora aponta a falta de menção à gestão, tanto no nível escolar como das secretarias de educação, para monitoramento e acompanhamento da aprendizagem.
Altenfelder também aponta a necessidade de definir com mais clareza as ações decorrentes desses quatro eixos. “Para começar, do que se trata a ‘formação prática de professores’? Essa é uma terminologia que não está presente no PNE, na BNCC, nem na versão recém-aprovada BNC da formação de professores (Base Nacional Comum de Formação de Professores da Educação Básica)”, questiona a educadora.
Para Maria Alice Junqueira, coordenadora do Letra Viva Alfabetiza (CENPEC Educação), “o fato de a PNA caminhar numa direção divergente à BNCC pode criar questões difíceis para as secretarias de educação. Estas, por sua vez, só terão aporte financeiro do governo federal caso façam adesão ao programa”.
Formação e valorização de professores
Segundo o secretário de Alfabetização do MEC, entre as principais causas do insucesso na alfabetização no Brasil está a formação pouco prática para professores e gestores educacionais.
A fim de responder a esse desafio, o programa elege como foco os professores do último ano do ensino infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental. Estes receberão “formação prática” por meio de um curso on-line. Detalhes como duração e como será articulada a teoria à prática não foram informados.
Entre as ações de formação, a PNA prevê um programa de intercâmbio de professores alfabetizadores. Segundo o secretário, será firmada uma parceria com duas instituições de ensino superior portugueses: a Universidade do Porto e o Instituto Politécnico do Porto. O valor anunciado para esse programa é de R$ 6 milhões e deverá contemplar apenas 50 professores.
O secretário anunciou também que professores e diretores de escolas que apresentarem bons resultados em avaliação de leitura serão recompensados em forma de bônus. “Não vai ser um ranking das escolas com melhor desempenho, mas vamos estimular um modelo colaborativo dentro das escola”, afirmou Nadalim.
Com o início previsto para ainda este ano, o bônus será aplicável de forma amostra apenas a algumas escolas participantes em 2020. O valor, a forma de cálculo e o número de escolas contempladas com o bônus não foram informados.
Maria Alice Junqueira questiona a afirmação de que falta articulação com a prática nas políticas e programas de alfabetização anteriores:
Nos últimos 30 anos, tivemos os seguintes programas de formação para professores alfabetizadores: PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais, 1997-1998); PCN em Ação (1999); Profa (Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, 2001-2002); Pró-Letramento (2005-2010) e Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, 2013-2018). Todos extremamente preocupados em relacionar os estudos produzidos na academia à prática.
Maria Alice Junqueira
Segundo a educadora, apesar do quadro grave que ainda enfrentamos na alfabetização, diversos estudos acadêmicos demonstram a contribuição dos referidos programas aos avanços obtidos nessas décadas. A experiência exitosa de Sobral (CE), com Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), que deu origem ao Pnaic, é tantas vezes citada como um exemplo a se seguir.
Avaliação e livros didáticos
Ao tratar de avaliação, o secretário de Alfabetização afirma que o programa prevê dois tipos: um teste para medir quantas palavras por minuto são lidas pelas crianças do 2ª ano do ensino fundamental e outro escrito. Com base no resultado das avaliações é que serão concedidos os bônus.
Nesse aspecto, Altenfelder vê um paradoxo: o Tempo de Aprender cita os resultados da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) para justificar a realização do programa. Em seguida, questiona esses instrumentos de avaliação e propõe modificações. “Se essas ferramentas são consideradas suficientemente boas ao se justificar o programa, elas deveriam ser igualmente adequadas para ser mantidos”, reflete.
No mesmo sentido, Maria Alice Junqueira questiona a afirmação de que não havia uma cultura de avaliação externa no país, tendo em vista que o próprio MEC fundamentou-se na ANA para elaborar o seu diagnóstico.
A série histórica da ANA teve início em 2014 e foi realizada até 2016. Tivemos também as edições da Provinha Brasil de 2008 a 2016 aplicadas no 2º ano do ensino fundamental para o monitoramento da aprendizagem e redesenho das políticas públicas.”
Maria Alice Junqueira
Em relação ao diagnóstico de fluência, que verifica a rapidez na leitura, Anna Helena Altenfelder alerta que se trata de um instrumento usado internacionalmente como avaliação, porém pouco eficaz na aprendizagem.
A alfabetização é um processo constituído por várias dimensões. A fluência leitora é importante, mas é apenas um aspecto. Assim, se a avaliação focar apenas nessa questão, corre-se o risco de as práticas pedagógicas focarem apenas em atividades de treino de fluência e não promoverem a aprendizagem.”
Anna Helena Altenfelder
“A fluência é uma habilidade que precisa ser construída ao longo da alfabetização”, afirma Maria Alice Junqueira. “Ao possibilitar rapidez na decodificação, a leitura fluente facilita a identificação global das palavras, o que contribui para a compreensão. No entanto, não deve ser entendida como um treino de rapidez, mas sim como uma habilidade a serviço da compreensão”, explica.
Além disso, afirma a especialista, essa habilidade não garante que uma criança se tornará uma boa leitora e escritora. “É imprescindível que os alunos participem de práticas sociais de leitura e escrita desde a educação infantil. Elas precisam estar mergulhadas no letramento, como, inclusive, está posto na BNCC, que determina a ‘centralidade do texto como unidade de trabalho’.”
O que nos preocupa é que a prática de sala de aula acabe sendo determinada pelos conteúdos avaliados e que, por conta disso, ganhe força a ideia já ultrapassada, desde os PCN, de que primeiro se aprende a decodificar para depois se aprender a ler e escrever.
Isso traria de volta os treinos dos fonemas (as crianças repetindo: F-A D-A) , da fluência, da caligrafia etc. Todo o esforço dos estados para a construção de seus currículos em consonância com a BNCC, no que toca a alfabetização, seria em vão.
Maria Alice Junqueira
Sobre os materiais pedagógicos, Carlos Nadalin anunciou que haverá mudanças nas diretrizes e normas do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e PNLD Literário. O objetivo é adequar as obras adquiridas pelo governo para adoção nas escolas aos conceitos e às metodologias da PNA.
A reformulação do PNLD sem considerar a BNCC e todas as orientações ali contidas é um ponto de grande preocupação para Altenfender. “Desconsiderar uma política pública amplamente discutida, aprovada e que está sendo implementada pelos estados e municípios é bastante sério e preocupante”, pontua.
Falta de diálogo com estados, municípios e universidades
Para Anna Helena Altenfelder, causa estranheza a falta de interlocução com parceiros importantes, como o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). “Pensar numa política nacional feita sem a participação dos municípios e dos estados, que são os responsáveis pelas escolas de educação infantil e de ensino fundamental, é inconcebível. Se professores e gestores não são envolvidos na formulação das políticas educacionais, elas não serão efetivas e eficazes”, alerta.
Outro aspecto observado pela educadora é o que o programa denomina de “formação prática” de alfabetizadores.
Focar apenas na prática, em detrimento da teoria, é tão ineficiente quanto apenas valorizar esta em prejuízo daquela. É preciso superar essa dicotomia e promover a articulação entre essas duas dimensões, complementares e necessárias ao exercício docente. Isso nada mais é do que aquilo que Paulo Freire denomina como práxis.“
Anna Helena Altenfelder
Nesse sentido, a grande ausência nesse programa são as universidades. “Há uma grande produção teórica sobre alfabetização e letramento de centros de estudos e pesquisas importantes, como a UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais] e a UFPE [Universidade Federal de Pernambuco], que são absolutamente desconsideradas”, ressalta.
Maria Alice Junqueira também questiona a ausência de estudos brasileiros e pesquisas baseadas em outras referências além da neurociência:
Quanto às evidências científicas, a bibliografia nos documentos da PNA indica que o MEC tem se baseado principalmente em estudos experimentais estrangeiros ligados ao campo da neurociência, em detrimento de pesquisas de campo de outras perspectivas, das quais temos farta produção em mestrado e doutorado no Brasil.”
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