Um olhar histórico para a inclusão e a diversidade na educação

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Um olhar histórico para a inclusão e a diversidade na educação

Conheça algumas políticas públicas, marcos legais e concepções que garantem as demandas de diferentes segmentos da sociedade na educação. #SemanaDaEducacao2021

Por Stephanie Kim Abe

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – Lei 9.394/1996), considerada a mais importante política pública regulatória brasileira, reafirma muitos dos princípios que já estão na Constituição brasileira. Entre eles, o respeito à liberdade e à tolerância, a valorização da experiência para além da escola e a consideração com a diversidade étnico-racial.

Desde então, diferentes leis, diretrizes e políticas públicas vêm sendo instituídas com o intuito de garantir que o ensino brasileiro desenvolva seus(suas) educandos(as) de forma integral, para o exercício da cidadania plena e para o ingresso no mundo do trabalho. Algumas delas são fruto das e contemplam as demandas de segmentos da sociedade para a garantia de seu direito de acesso e permanência na escola, e de aprendizagem. Muitas foram conquistas das lutas de movimentos sociais e da sociedade civil.

É o caso do Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece 20 metas para a Educação brasileira, a serem atingidas até 2024. Entre suas diretrizes, estão:

  • a “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”;
  • e a “promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental”.

No caso dos(as) alunos(as) do campo, por exemplo, há peculiaridades da vida rural e de cada região que precisam ser levadas em conta na organização da escola no seu currículo. A LDB trata dessa modalidade de ensino em seu art. 28, instituindo que os sistemas de ensino promovam as adaptações necessárias, como adequar o calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas. Outras modalidades são a educação especial, a educação de jovens e adultos (EJA), a educação escolar indígena e a educação quilombola.

Givânia Maria da Silva, co-fundadora e membro do coletivo de Educação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), faz uma ressalva:

É importante dizer que esses avanços normativos não são acompanhados simultaneamente das práticas nas escolas públicas. Então ainda que tenhamos uma norma, precisamos continuar lutando pra que ela se efetive de fato.”

Givânia Maria da Silva

O Portal Cenpec conversou com especialistas para trazer alguns dos principais marcos legais e políticas públicas que visam garantir esse olhar para a diversidade na educação. Confira!


 

Educação do campo

As Diretrizes Pedagógicas para a Educação Básica do Campo (Resolução CNE/CEB nº 1/2002), e as diretrizes complementares (Parecer CNE/CEB nº 3/2008 e Resolução CNE/CEB nº 2/2008) e o Decreto 7.352/2010, que institui a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) são alguns dos marcos legais que a professora Raimunda Alves, coordenadora do curso de Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal do Piauí (UFPI), destaca.

Ela conta que a proposta de educação no campo é muito recente, e que os principais avanços dos últimos anos não envolvem só o âmbito das leis:

A primeira Conferência Nacional de Educação no Campo aconteceu em 1998. Nesse percurso de 20 anos, houve avanços principalmente na construção teórico metodológica da educação no campo, que ainda está em construção, a partir do envolvimento e da participação de diferentes membros da comunidade escolas e das populações camponesas.”

Raimunda Alves

Entre as políticas públicas, ela cita o programa de formação continuada para professores de escolas multisseriadas Escola da Terra, o programa Caminho da Escola, do FNDE, o programa Projovem Campo – Saberes da Terra e o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (Procampo) – que apoiou a implementação de cursos regulares de licenciatura em educação do campo em instituições superiores de ensino. Ainda que não exista mais, os cursos estão presentes em mais de 40 universidades públicas do país.


Educação indígena

Para Weibe Tapeba, assessor jurídico da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince), a atribuição aos estados da responsabilidade legal pela oferta da educação escolar indígena, pelas Diretrizes nacionais para o funcionamento das escolas indígenas (1999), foi um avanço muito importante para a garantia desse direito:

A nossa avaliação é que a dinâmica municipal muitas vezes prejudica a prática da educação, porque geralmente gestores políticos municipais têm problemas com os territórios indígenas e são contrários à demarcação, querem que os territórios sejam livres para o agronegócio ou outros empreendimentos. Claro que, por sermos um país continental, em lugares como o Amazonas, a maioria das escolas são municipais, porque há mais facilidade na relação dos povos com esses gestores. Mas acreditamos que o ideal é o Estado assumir essa responsabilidade.”

Weibe Tapeba

Ele também aponta a importância das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena (2012) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores Indígenas (2014).

A formação de professores foi muito importante. Agora, temos professores indígenas que estão exercendo o papel de professores e gestores, o que tem gerado mais autonomia e protagonismo dos povos indígenas nas escolas.”

Weibe Tapeba

Confira toda a legislação vinculada à Educação Indígena aqui


Educação quilombola

Em 20 de novembro de 1995, em comemoração aos 300 anos do assassinato de Zumbi dos Palmares, cerca de 30 mil pessoas participaram da Marcha Zumbi, marcando a primeira reunião dos quilombos a nível nacional. Na ocasião, foi elaborado um documento, entregue ao Congresso Nacional e ao Presidente da República, sobre a necessidade de políticas especiais para a população negra e quilombola. Essas reivindicações não foram contempladas na LDB, aprovada quase um ano depois.

Givânia Maria da Silva, co-fundadora e membro do coletivo de Educação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), lamenta:

Ter ignorado a reivindicação do povo negro, aprovando uma LDB que não menciona as políticas públicas para os povos quilombolas, atrasou significatimente as nossas conquistas.”

Givânia Maria da Silva

Daí a importância das leis 10.639/2003, que alterou a LDB para incluir no currículo a obrigatoriedade da história e cultura afro-brasileira, e posteriormente a Lei 11.645/2008, que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino sobre a história e culturas afro-brasileiras e indígenas na educação básica nas escolas públicas e privadas no Brasil. Com elas, abriu-se caminho para a criação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, em 2012.

Givânia também cita a Lei de Cotas (Lei 12.711/2012) como um importante marco, apesar de muitos quilombolas ainda não conseguirem acessá-las:

Muitos dos nossos quilombolas ainda estão tentando finalizar o ensino médio, que é o nosso gargalo. Estamos tentando garantir que eles concluam o ensino fundamental e o médio, para então sonhar com a universidade.”

Givânia Maria da Silva

Educação de Jovens e Adultos

Para Analise da Silva, coordenadora da linha de pesquisa em Educação de Jovens e Adultos no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) no Ministério da Educação (MEC), em 2004, marcou a construção das políticas públicas de EJA no país. Ela foi criada por demanda dos movimentos sociais, assim como a Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA), que assessorava o MEC quando o assunto era essa modalidade de ensino. 

O Programa Nacional do Livro Didático para Educação de Jovens e adultos (PNLD EJA), criado em 2009, também é citado pela especialista como uma importante política, que indicava alguns avanços na garantia dos direitos dos alunos de EJA, mas que hoje estão cada vez mais prejudicados:

Com essas políticas, estávamos tirando a EJA do patamar de programa e projeto, para que se instituísse na prática, como política pública. Pensávamos formação inicial de professores, práticas para garantir a educação de jovens, adultos e idosos. Se antes pleiteávamos aprofundar e aprimorar essas ações, hoje nós estamos tentando garantir o que foi construído. Não é que mudaram a Secadi e a substituíram; simplesmente a extinguiram e hoje não tem nada no seu lugar.” 

Analise da Silva

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Educação especial

Como o próprio nome já diz, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva foi determinante para garantir um olhar voltado à inclusão educacional nas políticas públicas para pessoas com deficiência. Ela foi muito influenciada pela Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência da ONU, de 2006, ratificada pelo Brasil em 2008.

Entre as diretrizes estabelecidas, estão o estabelecimento do atendimento educacional especializado (AEE), que apoia a eliminação das barreiras qà plena participação dos estudantes com deficiência, transtornos do espectro autista e altas habilidades ou superdotação na escola. A educação especial passa a ser complementar e transversal ao ensino comum, integrada ao projeto pedagógico da escola. 

Outras leis importantes para a educação especial é o PNE (2014), que, em sua meta 4, estabelece a universalização do acesso à educação básica e ao AEE para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos do espectro autista e altas habilidades ou superdotação até 2024, e a Lei Brasileira de inclusão (LDI), em 2015.

Em 2002, a Libras foi instituída, por meio da Lei n. 10.436, como a língua materna da comunidade surda no Brasil, e em 2005, com o decreto 5.626, ela foi incluída como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores(as) em nível médio e superior.  

Veja as diretrizes e programas sobre educação especial no Brasil no site Diversa


Educação integral e inclusiva

Ainda que tenham demandas e necessidades diferentes, esses grupos defendem um certo projeto de sociedade e buscam valorizar a sua identidade e os seus conhecimentos. Como explica Raimunda Alves:

Nossos saberes devem ser considerados pontos de partida para o desenvolvimento das experiências educativas, ou seja, para ampliar, refutar ou confirmar aquilo que o estudante já sabe. Defendemos a socialização das vivências, das experiências sociais e principalmente que haja uma nova construção de visão de mundo, para ajudar a criar ideais e transformar a sociedade. Para cumprir efetivamente o seu papel. a escola tem que garantir um processo de humanização, de apropriação da cultura, de integração de todos e todas na sociedade.”   

Raimunda Alves

Essa visão do desenvolvimento pleno do sujeito, em todas as suas dimensões, é contemplada na educação integral, que ao longo da história também passou por muitas transformações – tanto em termos da sua concepção como do currículo colocado em prática. Veja abaixo um pouco dessa história em nosso vídeo:

Na perspectiva da educação integral e inclusiva, a escuta e o diálogo com os territórios, valorizando as pessoas e culturas locais, é um caminho formativo e transformador. Como observa o filósofo Jailson Moreira, mediador no Programa Itaú Social UNICEF citando a obra O mestre ignorante , de Jacques Rancière:

Jailson Moreira

“Algo que não devemos deixar de pensar e considerar é que sempre devemos educar ‘para transformar o que sabemos, não para transmitir o já sabido’. E de que ‘se alguma coisa nos anima a educar é a possibilidade de que esse ato de educação, essa experiência em gestos, nos permita liberar-nos de certas verdades, de modo a deixarmos de ser o que somos, para ser outra coisa além do que vimos sendo’.”


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