Diagnóstico inicial
Em uma proposta de ensino que busca promover aprendizagem significativa, a avaliação inicial tem papel fundamental no planejamento, já que a identificação dos saberes dos alunos pautará a seleção das expectativas de aprendizagem, bem como a elaboração das atividades em sala de aula. Essa conduta não é diferente em relação ao ensino reflexivo de ortografia, orientado pelo planejamento de situações didáticas que permitam a descoberta das regularidades ortográficas, a assimilação dessas regras, bem como seu uso em atividades de produção textual adequadas à proposta de letramento.
Alfabetização e letramento são, pois, processos distintos, de natureza essencialmente diferente; entretanto, são interdependentes e mesmo indissociáveis. A alfabetização - a aquisição da tecnologia da escrita – não precede nem é pré-requisito para o letramento, isto é, para a participação em práticas sociais de escrita, tanto assim que analfabetos podem ter um certo nível de letramento: não tendo adquirido a tecnologia da escrita, além disso, na concepção psicogenética de alfabetização que vigora atualmente, a tecnologia da escrita é aprendida não, como em concepções anteriores, com textos artificialmente para a aquisição das “técnicas” de leitura e de escrita, mas através de atividades de letramento, isto é, de leitura e produção de textos reais, de práticas sociais de leitura e de escrita.” (SOARES, [s.d].)
Para o diagnóstico, sugerimos que os alunos transcrevam textos que saibam de cor (como uma parlenda, um poema, a letra de uma canção) ou recontem, com suas palavras, um texto conhecido (uma fábula, um conto, uma lenda) sem que tenham tido acesso à versão escrita do texto-fonte para evitar dúvidas em relação ao registro: o que foi escrito corresponde efetivamente aos saberes do aluno.
Para um diagnóstico eficaz, recomendamos os seguintes cuidados:
Como interpretar e avaliar os desvios ortográficos cometidos pelos alunos?
Em um primeiro momento, é importante assinalar, no próprio texto do aluno, as palavras em que houver erros. Esse procedimento facilitará a análise e posterior tabulação. Para reconhecer o tipo de erro, é interessante identificar a operação realizada pelo aluno: houve omissão, acréscimo, substituição ou inversão de algum grafema? O erro envolve segmentação? Essa informação será o ponto de partida para buscar interpretar os desvios ortográficos verificados.
A fim de informar o que sabem e o que precisam aprender sobre ortografia, os indicadores de avaliação não podem apenas permitir a identificação da categoria geral que expressa a natureza do erro (interferência da fala, regularidades contextuais, oposição surda / sonora, representação de sílabas não canônicas, irregularidades, segmentação). Sem um detalhamento dos possíveis desvios que se enquadram em cada uma dessas categorias, não há como o professor descrever com objetividade o que cada um de seus alunos sabe, a fim de intervir de modo eficiente.
Sugerimos uma tipologia de erros com indicadores precisos organizados em uma planilha de Excel que permite identificar, nas colunas, o que cada estudante precisa aprender; e, nas linhas, mapear a situação da classe em relação a um tópico específico. Para isso, deve-se marcar com o número 1 a ocorrência de determinado erro verificada nos textos individuais. Por exemplo: ao verificar, no texto de André, a troca de E por I (ele escreveu “denti”e “classi”), o professor deve marcar a ocorrência com 1 na coluna referente a esse tipo e erro e na linha correspondente ao aluno. Já no texto de Guilherme não verificou esse tipo de erro, por isso essa coluna na linha do aluno deve ficar em branco.
A notação nessa planilha permite ainda a produção de um gráfico do desempenho da turma em relação a cada indicador. Essa organização simplifica a realização do diagnóstico e o planejamento do trabalho. Clique aqui para baixar um modelo com exemplos de gráficos.
Proposta curricular: progressão dos conteúdos de ortografia ao longo dos anos iniciais do Ensino Fundamental
A elaboração de uma proposta curricular, ainda que se refira apenas ao ensino de um tópico do eixo de Análise Linguística — que juntamente com Oralidade, Leitura e Produção de Texto compõem a área da Língua Portuguesa —, requer a mobilização da equipe escolar, já que as decisões afetarão a todos. Vejamos alguns princípios orientadores de uma proposta curricular para o ensino da ortografia ao longo dos três primeiros anos do Ensino Fundamental.
Proposta de progressão dos conteúdos ortográficos
A proposta que se apresenta a título de começo de conversa parte do princípio de que as crianças tenham se alfabetizado no 1º ano, estando aptas a refletir a respeito das convenções ortográficas já a partir do 2º ano.
Em linhas gerais, o 2º e o 3º anos enfatizariam os aspectos regulares do sistema ortográfico, desenvolvendo um trabalho intenso com as regularidades contextuais; a redução dos erros por interferência da fala na escrita, sempre que houver regularidades morfológicas (principalmente com os morfemas flexionais); e a segmentação das palavras funcionais.
Os dois últimos anos do Ensino Fundamental I seriam dedicados à memorização de palavras de alta frequência, associando a esse estudo as regularidades morfológicas referentes à uniformização ortográfica das palavras cognatas, dos prefixos e sufixos, principalmente os que envolverem contextos arbitrários. Cabe também a esses últimos anos tratar da acentuação gráfica.
Reitera-se que a indicação dos conteúdos a seguir deve ser compreendida apenas como uma provocação para aquecer o debate da equipe escolar que produzirá a sua versão.
Proposta de progressão dos conteúdos de ortografia
Ortografia e avaliação
A análise das produções infantis sugere que os erros cometidos pelas crianças não são aleatórios nem resultam de atitudes de descaso ou desatenção, mas expressam suas hipóteses em relação à ortografia. O ensino reflexivo da ortografia reserva ao aluno um papel ativo na aprendizagem, o que exige dele maior autonomia. Isso porque as atividades que promovem a descoberta e a assimilação das regularidades ortográficas buscam fazer a criança confrontar as estratégias empregadas para grafar as palavras com os dados que se contrapõem às suas hipóteses. Essa dinâmica implica desenvolver as capacidades autoavaliativas necessárias não só para aprender as regularidades ortográficas, mas também para aplicá-las em situações mais complexas.
Algumas perguntas sobre avaliação em Ortografia:
Procedimentos didáticos para
estimular a reflexão metacognitiva
Palavras finais
Para finalizar, algumas observações. A proposta que apresentamos para o ensino reflexivo de ortografia efetua um movimento de deslocamento e de aproximação das práticas de linguagem escrita mais complexas que distinguem a leitura e a produção de textos. Os deslocamentos permitem a descoberta e a sistematização das regularidades ortográficas; as aproximações asseguram a aplicação dessas regularidades em operações de produção de textos.
Em função de seus objetivos, o professor pode planejar o tempo didático reservado à focalização dos conteúdos ortográficos operando com durações que podem ser regulares ou não. Desenvolvendo-os como atividades permanentes, reservará em sua agenda um momento específico em sua rotina semanal para esse propósito. Se optar por desenvolvê-los como situação independente de sistematização, destinará algumas aulas contínuas para realizar o ciclo de atividades, para que possa fazer o estudo com certa regularidade.
Em ambos os casos, será necessário, em algum momento, articular os conteúdos de ortografia aos das outras práticas de linguagem escrita – a leitura e produção de textos –, criando as condições para que os alunos se apropriem progressivamente do que aprenderam em situações de maior complexidade. Esse cuidado evita a fragmentação dos conteúdos porque articula ortografia ao trabalho didático com a linguagem escrita.