Compreensão

Ler é atribuir sentidos. A compreensão exige que o leitor estabeleça relações entre a informação visual, trazida pelo texto, e seus conhecimentos prévios. Se não houver nada para relacionar, não há compreensão.

Não basta saber decodificar nem ter uma leitura fluente se não houver um conjunto de conhecimentos prévios. Se não conhecer a lingua, o gênero, o suporte ou outros indícios que o ajudem a elaborar o sentido do texto, o leitor não será capaz de compreendê-lo minimamente.

Veja exemplos a seguir

Exemplo 1

Na noturna insone hora undevigésima

Numa saga de prosaico certame suburbano, a destra contrariedade de um ofendido logrou frustrar sanhuda venida de um adolescente. Foi na Vila Esperança, nesta urbe, na noturna hora undevigésima.

Sílvio Vieira da Costa, embunhando manchil, brotou minaz na moradia de Pedro Francisco Pereira e vituperou-lhe a consorte, dizendo mesmo que intentou vulnerá-la. Pedro Francisco, então, remanseava, mas, espertado pelo tumulto insólito, foi ao encontro de Sílvio que, enfrentando-o, acometeu o falciferante. Mas, Pedro defendeu-se com mossa e esmechou Sílvio na sinistra, suscitando-lhes fraturas digitais anunciadas no laudo.

Exemplo 2

Leia uma frase em alemão sem saber a língua: “Das ist ein Buch”.

Dicas: 1. Use seu conhecimento prévio. O alemão é uma língua germânica, assim como o inglês (isso significa que há palavras semelhantes nessas duas línguas). 2. Use seu conhecimento de inglês. 3. Leve em consideração que os substantivos em alemão são escritos com a inicial maiúscula. 4. Leia a frase em voz alta imaginando como as palavras devem ser pronunciadas.

LIEBER KOMMILITONE!
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Martim Sauer

Assim, a compreensão leitora depende:

  • Do conhecimento acumulado pelo leitor - conhecimento prévio sobre tema, gênero, suporte, contexto de produção, autor, associado ao conhecimento de mundo do leitor;
  • Dos objetivos/propósitos do leitor - orientam a interação entre o leitor e o texto, definindo o que ler e como ler. Por exemplo: ler para localizar um endereço em um site é diferente de ler para se preparar para uma avaliação. Todo leitor tem um objetivo/propósito de leitura;
  • Das estratégias do leitor - possibilitam o processamento do texto e mobilizam os conhecimentos necessários para sua compreensão. As estratégias são "conteúdos" a ser ensinados, não modos de ensinar (metodologia).

Elementos da compreensão

A construção de sentidos sobre um texto pelo leitor envolve pelo menos três tipos de saber (BATISTA, 2011):

  • Conhecimentos prévios - "fundamentais para o estabelecimento da interação, desde aqueles relativos ao modo como se estrutura e funciona o sistema de escrita, passando por aqueles advindos da participação em práticas de leitura e familiaridade com bens da cultura escrita, até conhecimentos sobre os gêneros textuais, temas e assuntos tratados que precisam ser ativados para se tirar proveito das leituras";
  • Fluência - necessária para "processar com rapidez e adequação aquilo que se coloca diante de seus olhos";
  • Estratégias e habilidades leitoras - procedimentos e processos utilizados para "alcançar os propósitos que guiam leitores no modo como abordam o texto e constroem sentidos" (BATISTA, 2011).

Desenvolvimento das estratégias de compreensão leitora

  • O desenvolvimento da compreensão leitora é um processo lento, que exige o ensino sistemático de diferentes estratégias.
  • É fundamental que o professor ensine estratégias e explicite o processo pelo qual um leitor proficiente constrói o sentido do texto. Sua leitura serve de modelo para os alunos.
  • O uso das estratégias deve ser flexível, de acordo com o texto, o perfil e os objetivos dos leitores, e focado na construção dos sentidos da leitura.
  • Cabe ao professor envolver os alunos iniciantes. Ao mesmo tempo, os alunos devem participar do processo, dispondo-se a exercitar tais estratégias. isso deve ocorrer em atividades de leitura individual e compartilhada.
  • Ao longo de sua formação, ao passar por diferentes experiências de leitura, o estudante adquire autonomia para selecionar as estatégias mais adequadas de acordo com os objetivos da leitura.
  • O conhecimento acumulado, os objetivos e as estratégias são elementos conectados na compreensão da leitura.
  • Isabel Solé (2008) identifica três grupos de estratégias que são empregados antes, durante e depois da leitura.

Antes da leitura

  • Objetivos da leitura: O que tenho de ler? Por que e para que vou ler isso? para obter uma informação precisa (procurar um nome na lista de aprovados no vestibular) ou geral (ler uma revista de variedades); seguir instruções (ler uma receita de bolo); aprender (ler um artigo científico), revisar um texto (próprio ou de outra pessoa), para uma apresentação oral, como entretenimento... Os objetivos são inúmeros e identificá-los previamente é importante para definir como se vai ler e que estratégias serão empregadas.

Antes da leitura

  • Ativação de conhecimento prévio: O que sei sobre o conteúdo do texto? E sobre o autor, a obra, o tipo do texto? Que outros conteúdos podem me ajudar a compreender esse texto? O professor pode ajudar na atualização desses conhecimentos prévios dando uma explicação geral sobre o tema; chamando a atenção para determinados aspectos (títulos, elementos gráficos que acompanham o texto, expressões, palavras-chave); incentivando os alunos a expor o que conhecem sobre o assunto.

Antes da leitura

  • Previsões e perguntas sobre o texto: Do que o texto poderá tratar (com base no título, nas imagens, no autor)? Qual poderá ser o posicionamento do autor sobre o tema? Em que época e lugar se passará a história? Quem podem ser os personagens? Ao propor questões a partir do título do texto, das ilustrações e de outros elementos, o professor estimula os alunos a criar expectativas sobre a leitura. Em textos expositivos, é interessante ensiná-los a localizar palavras-chave, para que se envolvam ativamente e construam seu sentido. As perguntas devem se relacionar ao objetivo da leitura: se o leitor busca uma informação geral, as perguntas não devem referir-se a detalhes, pelo menos não na primeira abordagem.

Durante a leitura

  • Previsões: Com que argumentos o autor defenderá sua posição? Como os personagens poderão agir/reagir diante do problema? Qual será o desfecho para o impasse?
  • Perguntas: Quais são as ideias e informações principais tendo em vista meu objetivo de leitura? Quais são as palavras-chave do texto? O que essa palavra/expressão pode significar nesse contexto? Como essa imagem (gráfico, tabela, ilustração...) pode me ajudar a compreender o texto? Que informações, elementos, gráficos e linguísticos (conectivos, elementos anafóricos etc.) podem me ajudar a perceber a estrutura, os sentidos do texto e os posicionamentos do autor?

Durante a leitura

  • Dúvidas: Quais são minhas principais dificuldades na compreensão de cada trecho? Elas me impedem de construir o sentido do texto? Essas dificuldades estão relacionadas a quê? Saiba mais no menu Vocabulário.
  • Automonitoramento da compreensão: Minhas hipóteses foram confirmadas ou não ao longo da leitura? Pude esclarecer minhas dúvidas? Tenho uma ideia clara sobre o texto como um todo?
Citação

Após a leitura

  • Dúvidas sobre o texto: Quais minhas principais dificuldades na compreensão do texto como um todo? Que informações podem me ajudar a ampliar seu entendimento com base no objetivo de leitura? Onde posso buscar essas informações?
  • Automonitoramento da compreensão e síntese das ideias: Consigo identificar e compreender as ideias principais do texto? Percebo como as informações, ideias e ações se articulam? Identifico como o autor estabelece as relações lógicas e temporais para construir o sentido do texto? Sou capaz de escrever com minhas palavras o que compreendi (reconto, paráfrase, paródia, síntese...)? É interessante trabalhar essas estratégias de redução das informações por meio do debate desde a Educação Infantil.
  • Avaliação crítica do texto: Gosto do texto? Concordo com suas ideias? Sua leitura é interessante para meus objetivos?
  • Bate-papo sobre o texto: O professor, como mediador e formador de leitores, deve abrir espaço para a interação entre os leitores antes, durante e pricipalmente após a leitura. O compartilhamento, a discussão e a negociação dos sentidos construídos e dos posicionamentos sobre a leitura são fundamentais para o avanço da compreensão leitora e a formação de uma postura crítica. É também um exercício democrático de ouvir, confrontar e rever posições e valores diante de determinados temas.

Vocabulário

O trabalho com vocabulário pode ter abordagens diferentes, de acordo com o objetivo da leitura:

  • apreender os significados do termo no contexto: identificação de palavras-chave; inferência lexical;
  • buscar o significado exato do termo: dicionário e glossário;
  • explorar de forma sistemática palavras novas, em especial de textos informativos (científicos, divulgação científica, jornalísticos).

Palavra-chave

  • Palavra-chave: a repetição de uma palavra, bem como de seus derivados ou sinônimos várias vezes (hiperlexicalização), indica sua importância no texto.
  • Sua identificação possibilita construir uma rede conceitual em torno dessa palavra e o sentido do texto como um todo.
  • A identificação de termos que pertencem ao mesmo campo temático também dá pistas do assunto sobre o que o texto versa e ajuda o leitor a compreendê-lo.
  • Exemplo: palavras-chave no primeiro parágrafo do artigo “Letramentos e culturas juvenis: tecnologias, experiências sociais contemporâneas e as diferentes leituras do mundo" (PEREIRA, 2014).

"A cena é cada vez mais comum nas mais diferentes modalidades e instituições de ensino: o professor escreve na lousa a lição que deveria ser copiada por seus estudantes, que, em vez disso, preferem fotografar a lousa. Aplicam, assim, as inovações tecnológicas a seu favor para tentar minimizar o monótono esforço de copiar a lição e, desse modo, ganhar mais tempo livre para poder conversar, paquerar, zoar ou mesmo explorar algumas das múltiplas funções de seus smartphones. Cenas como essas revelam uma série de transformações que afetam direta ou indiretamente o cotidiano escolar e as suas práticas de letramento" (PEREIRA, 2014).

Inferência lexical

  • Definição gradual de significados nos diferentes contextos. Por exemplo: manga (da camisa, a fruta); banco (do jardim, instituição financeira) etc.
  • Capacidade a ser desenvolvida desde os primeiros anos escolares, por meio de textos curtos, próximos da oralidade (provérbios, expressões populares, adivinhas, piadas, propagandas, associados a imagens, para trabalhar os vários sentidos que uma palavra pode ter.
  • Cabe ao professor ensinar o leitor iniciante a construir o sentido do texto focando a relação entre as ideias, não entre palavras isoladas. Ainda, pode ajudar o aluno a estabelecer o maior número de relações possível entre o que sabe e as informações apresentadas no texto.
  • Ao inferir os significados das palavras, o aluno aprende a analisar o contexto em que o termo é usado, em busca de pistas para compor gradualmente os diferentes sentidos da palavra. Assim, amplia seu vocabulário e sua capacidade de compreensão e de escrita textual.

Princípios a serem observados no ensino da compreensão leitora

  • Leitura como atividade comunicativa: é durante a interação com um leitor experiente que um leitor em formação compreende o texto.
  • Leitura como interlocução: entre autor e leitor, entre mediador e leitor e entre leitores; não há apenas uma maneira de abordar o texto nem uma só forma de interpretação.
  • Duas modalidades de texto e de leitura: texto literário - múltiplos sentidos, leitura mais aberta, função estética; texto informativo - atribuição de sentidos controlados, foco em dados, conceitos.
  • Escolha de temas: é importante abordar temas que estejam ao alcance do público e que sejam relevantes e interessantes para o seu universo.
  • Compromisso dos educadores: os professores de todas as disciplinas devem engajar-se no objetivo de formar leitores.
  • Definição de objetivo: ao planejar uma atividade de leitura, é necessário deixar claro com que objetivo os alunos vão lê-lo. As estratégias de leitura são definidas por esses propósitos: para fruí-lo, estudar, extrair um dado ou informação, apreender o pensamento de um autor, etc.
  • Experiência do leitor: é indispensável na prática de leitura e determinante na construção do sentido do texto.
  • Diversidade: é necessário trabalhar com gêneros e suportes variados, linguagens, objetivos e com a expectativa do leitor em relação aos diferentes textos.
  • Estudantes e professores devem estar motivados para aprender e ensinar a ler.
  • Formar leitores proficientes: aqueles que têm um objetivo claro na leitura; compreendem o que leem; escolhem de forma autônoma diferentes estratégias para leitura e compreensão do texto; aprendem por meio da leitura; posicionam-se de forma crítica diante do texto e são capazes de estabelecer relações com outros textos e contextos.
  • Como mediador entre o autor e o leitor, o professor deve oferecer modelos para a leitura como uma atividade global e explicitar o uso de estratégias específicas em cada texto. A definição das estratégias depende dos textos e dos propósitos da leitura.
  • Para leituras mais autônomas, os conhecimentos prévios dos alunos devem ser próximos dos textos. Para leituras menos autônomas, ocorre o contrário. É importante trabalhar com textos mais difíceis e leituras menos autônomas para os alunos avançarem.
  • Criar diferentes situações de leitura em sala de aula: individual e silenciosa, oral e compartilhada.
  • Propor práticas coletivas envolvendo a leitura: os alunos podem ler um texto e elaborar perguntas para os colegas; redigir resumos em grupo; ler e resolver dúvidas juntos; ler o texto dos colegas, revisar e reescrevê-lo juntos.
Trocando em miudos
  • No início da formação, a leitura é lenta, pouco fluente e muito próxima da decodificação, o que afeta a compreensão. Para o leitor iniciante avançar, o professor deve tornar a atividade comunicativa, com comentários e perguntas que o ajudem a construir o sentido do texto.
  • Oferecer acesso a diferentes contextos que perpassam a leitura (conhecimento do autor, época, tema, tipo de texto, veículo, suporte) para a compreensão do texto em diferentes níveis, de forma interativa (KLEIMAN, 2000): do conhecimento do mundo para a decodificação da palavra na construção do sentido global do texto,
    e vice-versa.

Para aprofundar

Leia mais sobre o assunto no artigo
“O tempo da leitura e a organização das sequências didáticas”
(NÓBREGA, 2006).

CITAÇÃO

“Quando uma frase, palavra ou trecho não parece essencial para a compreensão do texto, a ação mais inteligente que nós, os leitores, realizamos, é a de ignorá-la e continuar lendo. Isto às vezes dá resultado e de fato é uma estratégia que os leitores experientes utilizam com grande frequência; por isso, entre outras razões, sua leitura é rápida e eficaz. Mas outras vezes não funciona: se a palavra aparece repetidamente, ou se ao saltear o parágrafo problemático percebemos que nossa interpretação do texto se ressente, não podemos continuar ignorando e precisamos fazer algo mais [tentar inferir pelo contexto ou buscar o significado exato no dicionário]. Antes de nos ocuparmos do ‘algo mais’, gostaria de salientar que é muito difícil aprender a estratégia de ‘ignorar e continuar lendo’ em situações de leitura em que o erro ou a lacuna é sistematicamente corrigido, seja qual for seu valor para a compreensão geral do texto.” (SOLÉ, 2008)

CITAÇÃO

“Quando uma frase, palavra ou trecho não parece essencial para a compreensão do texto, a ação mais inteligente que nós, os leitores, realizamos, é a de ignorá-la e continuar lendo. Isto às vezes dá resultado e de fato é uma estratégia que os leitores experientes utilizam com grande frequência; por isso, entre outras razões, sua leitura é rápida e eficaz. Mas outras vezes não funciona: se a palavra aparece repetidamente, ou se ao saltear o parágrafo problemático percebemos que nossa interpretação do texto se ressente, não podemos continuar ignorando e precisamos fazer algo mais [tentar inferir pelo contexto ou buscar o significado exato no dicionário]. Antes de nos ocuparmos do ‘algo mais’, gostaria de salientar que é muito difícil aprender a estratégia de ‘ignorar e continuar lendo’ em situações de leitura em que o erro ou a lacuna é sistematicamente corrigido, seja qual for seu valor para a compreensão geral do texto.”
(SOLÉ, 2008).

Para aprofundar

Leia mais sobre o assunto no artigo
“Compreensão textual como trabalho criativo”
(MARCUSCHI,2011).

Conheça também o material “O ensino da
compreensão leitora: da teoria à prática
pedagógica ”
(PLANO NACIONAL DE LEITURA DE
PORTUGAL, 2010).

Para aprofundar

“Tendo definido as estratégias a serem exploradas, é necessário determinar os procedimentos didáticos mais interessantes para seu desenvolvimento em sala de aula. Tampouco nesse aspecto há um consenso entre os pesquisadores. Para uns, é preciso ensinar explícita e sistematicamente as estratégias de leitura, especialmente por meio da leitura compartilhada (SOLÉ, 1998), em que o professor, ao ler, busca mostrar como lê, que estratégias emprega, que conhecimentos prévios utiliza, de modo a modelar o comportamento leitor do aluno e a lhe fornecer um suporte ou andaime para desenvolvimento das estratégias (LAPP e FISHER, 2009b).
Para outros, o foco não deve recair sobre as estratégias, mas sobre o conteúdo do texto, cuja discussão, pelos alunos e professor, conduziria paulatinamente ao domínio da habilidade de compreender (McKEOWN, BECK e BLAKE, 2009), entendida como a progressiva integração, durante a leitura, das partes do texto, de modo a formar uma representação mental global e coerente do texto."
(BATISTA, 2011).