Educação integral e currículo escolar: conceitos, experiências e desafios
Produzido pelo CENPEC Educação, livro Educação Integral e currículo escolar foi lançado com debate sobre políticas públicas. Baixe o PDF gratuitamente
Por João Marinho
Elaborado pelo Cenpec, o livro Educação integral e currículo escolar: análises e proposições baseadas no debate teórico e em experiências em redes públicas de ensino foi lançado nesta terça-feira (18), a partir das 14h, no auditório Paschoal Geraldo da Silveira Isoldi, da Biblioteca Municipal Alceu Amoroso Lima, zona oeste de São Paulo (SP).
Com o lançamento, ocorreu também o debate “Desafios atuais para implementação de políticas públicas de educação integral”, com as participações de: Maria Amábile Mansutti, diretora de tecnologias educacionais do CENPEC Educação; Alexandre Schneider, ex-secretário municipal de Educação de São Paulo; Cláudia Valentina Assumpção Galian e Ocimar Munhoz Alavarse, professores da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), responsáveis pela pesquisa e consultores da obra.
Currículo na educação integral: práticas e conceitos
Educação integral e currículo escolar foi elaborado no âmbito do Programa de Assessoria às Políticas de Educação Integral, uma parceria entre o CENPEC Educação e o Itaú Social que vigorou até 2017, e traz proposições para elaboração, implementação e acompanhamento de projetos desse tipo.
Além disso, traz levantamentos e análises da produção teórica sobre o tema no Brasil e no mundo e experiências concretas e recentes de escolas nacionais.
“Primeiramente, o livro parte da valorização da educação básica, da escola pública e, sobretudo, das experiências relatadas de duas redes que estão construindo suas ações – Vitória (ES) e Belo Horizonte (MG). Há também o aporte teórico sobre educação integral e currículo, que, esperamos, possa fundamentar e subsidiar novos debates”, declarou Ocimar Alavarse ao Portal CENPEC Educação durante o lançamento.
Nessa publicação, reafirmamos a educação como um direito e dever de cidadania – e, ao discutir políticas de educação integral e currículo, argumentamos a favor de algumas questões que nos são caras.”
Solange Feitoza, coordenadora de projetos do CENPEC Educação e organizadora da publicação
Na primeira parte, a publicação faz um levantamento da produção teórica que descreve experiências nacionais e internacionais relacionadas à educação integral, como os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), no Rio de Janeiro; e o Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro, em Salvador, além dos casos da Itália, França, Alemanha e países da América Latina, entre outros. Ao final, consta também a legislação que norteia propostas de educação integral e escola de tempo integral no Brasil.
Educação integral não é apenas uma modalidade educacional que oferece maior tempo de permanência na escola.
Mas sim:
• considera a multidimensionalidade dos sujeitos de forma integrada;
• reconhece que os conhecimentos desenvolvidos pela escola, embora constituam importante parte do patrimônio cultural, não esgotam o conjunto de saberes necessários para uma participação atuante na sociedade contemporânea;
• entende que a variedade de oportunidades de aprendizagem está na diversidade dos espaços e na ampliação de tempos, em articulação com o território, com organizações da sociedade civil, com a comunidade e a família.
A segunda parte explicita as atuais expressões da educação integral nas redes municipais, especialmente as de Vitória e Belo Horizonte, tomadas como estudos de caso em pesquisas realizadas em escolas de educação básica, documentos curriculares e entrevistas com educadores e alunos.
Finalmente, como uma contribuição para a pesquisa acadêmica, a terceira e última parte do livro traz proposições para um currículo coerente com a perspectiva da educação integral e relaciona concepções, potencialidades e limites.
Vale destacar, inclusive, que o texto parte de uma concepção de currículo enquanto processo, articulado nas diferentes dimensões trazidas pelo teórico José Gimeno Sacristán:
Currículo prescrito: documentos elaborados pelas esferas centrais para orientar o trabalho da escola;
Currículo planejado: materiais produzidos para uso por professores e alunos;
Currículo organizado: os arranjos de tempos, espaços, sujeitos e saberes dentro da escola;
Currículo em ação: as atividades desenvolvidas por professores e alunos durante as aulas;
Currículo avaliado: os processos que explicitam, dentro e fora da escola, o que é considerado legítimo em termos de aprendizagem
Raízes, asas e integralidade
Com um público presente de mais de 130 pessoas, o lançamento do livro e o debate desta terça-feira contaram com abertura da diretora-executiva do CENPEC Educação, Mônica Gardelli Franco; e da presidente do Conselho de Administração, Anna Helena Altenfelder.
Mônica Franco iniciou o evento relatando a importância da educação integral para o CENPEC Educação e traçando um histórico de ações da organização, especialmente a partir dos projetos Raízes e Asas e Prêmio Itaú-UNICEF.
Estamos em um momento político em que o que achávamos que era sólido está se derretendo no ar. Esse material, portanto, não apenas consolida a história de um trabalho (…), mas é praticamente um marco de resistência.”
Mônica Gardelli Franco
Já Anna Helena Altenfelder, após solicitar um minuto de silêncio em homenagem ao escritor e parceiro do CENPEC Educação, Jorge Miguel Marinho, apresentou a publicação e reforçou o conceito de educação integral como aquela que vê o sujeito em sua integralidade.
Para nós, é importante superarmos dicotomias (…) e entendermos que o sujeito em desenvolvimento é um sujeito cultural e social.”
Anna Helena Altenfelder
A presidente do Conselho de Administração também situou o livro Educação integral e currículo escolar numa perspectiva de luta para uma escola pública para todos.
“Hoje, temos quase 50 milhões de crianças, adolescentes e jovens matriculados na educação básica no País, mas não podemos nos esquecer dos quase 2 milhões de quatro a 17 anos de idade que estão fora da escola, dos 32 milhões de brasileiros de até 17 anos que vivem em situação de pobreza e dos três a cada 10 brasileiros de 15 a 64 anos que são considerados analfabetos funcionais”, disse Altenfelder.
A abertura contou, ainda, com a participação de Juliana Yade, especialista em educação do Itaú Social. “A educação escolar e integral se faz em parceria e em conexão com o território e com as comunidades que o compõem”, disse Yade.
Desafios para as políticas públicas
Com Maria Amábile Mansutti, Alexandre Schneider, Cláudia Valentina Assumpção Galian e Ocimar Munhoz Alavarse e mediação de Mariana Cetra, do Prêmio Itaú-UNICEF, o debate “Desafios atuais para implementação de políticas públicas de educação integral” começou na sequência e estendeu-se até às 17h30.
A primeira parte, mais direcionada a Cláudia Galian e Ocimar Alavarse, foi constituída por perguntas formuladas pela mediadora, Mariana Cetra, a fim de esclarecer pontos importantes do livro.
“Precisamos compreender que educação integral e educação em tempo integral não são sinônimos”
CENPEC Educação: Para quem olha de fora, a percepção é que o debate sobre a educação integral perdeu força nos últimos anos. Por que isso teria acontecido e qual a importância de trazer novamente a educação integral para a discussão pública?
Alexandre Schneider: Acredito que há dois vetores que ajudaram a refluir essa questão da educação integral. Por um lado, que existe um entendimento de que a educação integral é ampliar o tempo da criança na escola, o que exige novos espaços, professores, uma nova organização escolar etc., que têm custos.
Por outro lado, a crise econômica pela qual o Estado brasileiro está passando acaba por fazer com que os recursos tenham sido reduzidos em nível federal e nos estados e municípios.
Para sairmos dessa armadilha, primeiro, precisamos compreender que educação integral e educação em tempo integral não são sinônimos: é possível haver educação integral em cinco horas… e pode não haver educação integral em sete horas, porque isso depende da articulação do projeto político-pedagógico.
Depois, na
discussão sobre o Fundeb, deixar uma ponte para que a educação integral tenha
proeminência, e aí garantir recursos de forma permanente para essas
iniciativas.
Os consultores traçaram um rápido histórico da educação integral no País, desde as primeiras formulações advindas do movimento dos Pioneiros da Educação Nova, na década de 1930, até as políticas que passaram a privilegiar setores mais vulneráveis da população, sobretudo a partir do final da década de 1980.
Na sequência, Galian e Alavarse, assim como Maria Amábile e Alexandre Schneider, destacaram as cisões que têm caracterizado o debate sobre educação integral no Brasil, especialmente no que tange à oferta, à articulação entre os saberes das disciplinas e os trazidos pelos territórios, à intersetorialidade e à oposição entre turno e contraturno.
A segunda parte constituiu-se de perguntas enviadas pela plateia, por escrito e por meio de relatos ao vivo, no microfone. Além de tratarem de experiências concretas, como a do projeto Matéria Rima, em Diadema (SP) – uma parceria entre o Instituto Cultural e Educacional Matéria Rima e a Escola Deputado Freitas Nobre –, as questões tangenciaram aspectos e desafios importantes para a educação integral nos dias de hoje.
Em particular, os debatedores destacaram a necessidade de investir em formação de professores e gestores e manter a preponderância da escola nas propostas de educação integral, mas especialmente discutir o que a sociedade efetivamente quer da escola, de maneira a definir suas especificidades e não cair na “armadilha” de acreditar que a escola dará conta de tudo e/ou que poderá assumir mais e mais demandas sem a devida contrapartida (como, por exemplo, a destinação de recursos).
“É preciso recuperar a proeminência da escola: a proposta de educação integral não pode ser distante do projeto político-pedagógico, mas também não confundir articulação com a escola com ampliar demandas sem contrapartida”, declarou Ocimar Alavarse.
Precisamos discutir o que queremos com a escola (…), até para definir o que cabe a ela e recusar demandas.”
Cláudia Valentina Assumpção Galian
Questões específicas sobre o currículo também foram discutidas, notadamente pelo fato de a educação integral ser mencionada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ainda que de forma superficial, segundo avaliou Cláudia Galian.
A conclusão é que a discussão sobre um currículo articulado entre os saberes das “disciplinas clássicas” (língua portuguesa, matemática, geografia, história etc.) e os saberes trazidos pelos territórios é ainda incipiente e deve ser continuamente fortalecida, para o que o livro e as experiências concretas de Vitória e Belo Horizonte nele relatadas podem contribuir.
Há algumas experiências inspiradoras, como a de Belo Horizonte, que, inclusive, serviu como modelo para uma política de educação básica integrada e integradora do estado de Minas Gerais, mas, via de regra, não há uma discussão sobre o currículo na perspectiva da educação integral – e trazer essa discussão é fundamental.”
Maria Amábile Mansutti
Educação integral e currículo escolar contou com leitura crítica de gestores e professores da rede de ensino municipal paulistana e das pesquisadoras da PUC-SP e UERJ, Maria das Mercês Ferreira Sampaio e Lúcia Velloso Maurício.
Saiba mais sobre currículo e educação integral
• Confira a entrevista realizada com a Prof.ª Cláudia Galian para a plataforma Educação&Participação, do CENPEC Educação, sobre currículo e educação integral:
• Confira o especial “Currículo e educação integral”, também publicado no nosso acervo:
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