Conheça o Currículo de Referência em Tecnologia e Computação, produzido pelo Cieb, e entenda a importância de desenvolver as competências digitais em docentes e estudantes
Por Stephanie Kim Abe
Conforme vamos nos distanciando cada vez mais do ensino remoto emergencial que foi adotado nos últimos dois anos por causa da pandemia, podemos enxergar melhor os impactos que essa experiência teve sobre a comunidade escolar no geral, em especial as(os) estudantes, e as escolas como um todo.
Estudos atestam a defasagem de aprendizagem de crianças e adolescentes, gestoras(es) e professoras(es) se debruçam sobre maneiras de recompor essa aprendizagem, estudantes demonstram dificuldades de socialização, crises de ansiedade ou mesmo violência no retorno às escolas.
Os diferentes usos das tecnologias digitais em sala de aula e a desigualdade de acesso à conectividade da população brasileira também impulsionaram um debate que há muito tempo se coloca na educação sobre essa temática.
Se, por um lado, existiram de fato experiências exitosas em que a tecnologia foi utilizada para garantir a aprendizagem em contexto remoto – tal qual o projeto Letra Móvel, da Comunidade Cenpec -, é preciso reconhecer que elas foram pontuais e que não atingiram a grande maioria das(os) estudantes, nem trouxeram aprofundamento na discussão sobre como potencializar as práticas pedagógicas com as tecnologias digitais.
Como reflete Adriana Silvia Vieira, coordenadora de tecnologias digitais do Cenpec:
Muitas(os) professoras(es) e redes conseguiram pensar no coletivo e inovar, tendo um uso pedagógico e criativo das tecnologias. Mas, de forma geral, não houve essa mudança de olhar de fato. Não tivemos uma política forte do governo federal que estimulasse a integração das tecnologias e olhasse para todas as dimensões que a educação conectada envolve: infraestrutura e acesso, formação docente, produção de material e mudança de visão. Tivemos iniciativas fragmentadas.”
Larissa Santa Rosa, responsável pelos produtos relacionados a currículo e competências do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb), também acredita que o desenvolvimento desse debate durante a pandemia não recaiu sobre os pontos ideais:
Durante a pandemia, as escolas buscaram mais o uso da tecnologia para poder garantir o acesso à educação dos estudantes. Mas o que nós, do Cieb, defendemos há muito tempo é o olhar para a tecnologia como potencializadora dos processos de ensino e aprendizagem. Ou seja, de práticas pedagógicas mediadas pela tecnologia e dela como objeto de conhecimento em si, como está colocado na Base Nacional Comum Curricular”.
Larissa Santa Rosa
Desenvolver nas(os) estudantes habilidades relacionadas à cultura digital é uma das competências gerais descritas na BNCC:
“Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.” (BNCC, 2018)
Para apoiar as redes de ensino e as escolas a incluírem em suas propostas curriculares a questão da tecnologia e computação, o Cieb desenvolveu o Currículo de Referência em Tecnologia e Computação para a educação básica. O conteúdo está disponível em uma plataforma on-line, em que é possível conhecer os objetivos e a estrutura dessa proposta curricular, que tem três eixos-base: cultura digital, pensamento computacional e tecnologia digital.
Há propostas para a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, além de referenciais curriculares para a educação profissional técnica. Elas foram desenvolvidas entre 2018 e o final de 2021.
“Nosso objetivo foi apoiar as redes a entenderem quais competências específicas ou transversais podem ser desenvolvidas por meio da tecnologia. Tentamos usar uma linguagem clara e objetiva, garantindo uma leitura dinâmica”, explica Larissa.
A inclusão dessa temática no currículo escolar passa, inevitavelmente, pela formação docente, no sentido de desenvolver nelas(es) as competências digitais necessárias para que possam trabalhá-las com as(os) estudantes.
“É preciso uma mudança na percepção dos professores quanto ao uso da tecnologia, tanto no sentido de entenderem que ela não é ameaçadora, que ela vem para apoiá-los, como no sentido de se entender enquanto cidadãos digitais. Temos esse desafio tanto na formação inicial quanto na formação continuada”, diz Larissa.
Para Adriana Vieira, as competências digitais vão muito além de ter um domínio sobre uma técnica ou um instrumento, como baixar um aplicativo ou acessar as páginas da internet:
Elas envolvem uma nova linguagem, que têm características diferentes, multimodais. Há muitas práticas colaborativas de compartilhamento, por exemplo. Como é você comentar um texto de outra pessoa? Que ética está por trás desse ato? O que temos que trabalhar nesses ambientes? Por isso, as(os) professoras(es) – e também as(os) estudantes – precisa produzir um sentido, uma leitura dessa nova linguagem que são os meios digitais.”
Adriana Silvia Vieira
O Cieb construiu uma matriz de competências digitais de professoras(es), que inclui 12 competências: prática pedagógica, avaliação, personalização, curadoria e criação, uso responsável, uso seguro, uso crítico, inclusão, autodesenvolvimento, autoavaliação, compartilhamento e comunicação.
Foco na formação docente
O primeiro passo para pensar formações voltadas para a cultura digital é ter um retrato da situação das(os) educadoras(es) da rede, como lembra Larissa:
Muitas vezes, as(os) professoras(es) não sabem que aquilo que já fazem é uma competência e como podem evoluir naquela competência digital. Então, com base nesse diagnóstico que identificam o nível do desenvolvimento dessas competências entre as(os) profissionais da rede, é possível fomentar o compartilhamento de boas práticas e formações de experimentação de novas tecnologias ou de metodologias ativas com o uso de tecnologia. É quando a gente desenvolve essas competências que a gente acredita no uso eficaz da tecnologia nos processos de ensino e aprendizagem.”
Larissa Santa Rosa
Ela também acredita que é preciso que as formações sejam contínuas e que estejam conectadas com o dia a dia da(o) docente. “As competências digitais precisam ser desenvolvidas dentro do contexto profissional de cada um. Eu preciso ter competências digitais desenvolvidas enquanto professor de biologia, de matemática, de português. Não podem ser isoladas”, reforça.
Adriana também concorda e chama atenção para a necessidade da formação sistêmica, como ela costuma ser trabalhada pelo Cenpec em seus projetos:
Para nós, as tecnologias precisam estar integradas ao planejamento pedagógico e serem transformadoras das práticas, sempre visando a aprendizagem. Não adianta incluir a tecnologia para continuar fazendo a mesma coisa. Neste momento em que temos como prioridade a recomposição de aprendizagens ou o ensino híbrido, por exemplo, o letramento digital e a cultura digital poderiam também ser trabalhados de forma integrada. Por exemplo, em um programa articulado a metodologias ativas. Essa formação sistêmica é importante, porque são muitas as prioridades e todas precisam estar conectadas.”
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