Artigo de Richard Romancini publicado originalmente em 2014 na Plataforma do Letramento
por Richard Romancini
Em “Os letramentos digitais e a educação: primeiros passos“, iniciei a discussão sobre a conveniência de integrar o letramento digital a contextos formais de educação. Antes de aprofundar esse debate, vale aprofundar as compreensões de letramento com base na teoria sociocultural da aprendizagem.
Conforme Lankshear e Knobel (2011), algumas das principais contribuições feitas a essa teoria (e suas conexões com o ambiente sociotécnico) devem-se ao linguista norte-americano James Paul Gee, que faz uma distinção entre a “aprendizagem profunda” e a aprendizagem de um conteúdo disciplinar descontextualizado. O “aprendizado profundo” é aquele capaz de gerar “real compreensão, a capacidade de aplicar o conhecimento da pessoa e até mesmo transformar esse conhecimento numa inovação” (GEE, 2007, p. 172, citado por LANKSHEAR e KNOBEL, 2011, p. 335).
Nessa perspectiva, Gee defende que, mais do que se preocupar em “aprender sobre”, devemos pensar em desenvolver entre e com os alunos a capacidade de “aprender a ser”: entre inúmeras possibilidades, um escritor de fanfiction, um ativista comunitário, um DJ ou criador de vídeos musicais. Cada uma dessas atividades apresenta valores e normas que informam o que é uma prática de boa ou má qualidade.
Esse modo de aprender é, por excelência, a forma como muitos jovens adquirem, fora da escola, uma série de competências ligadas aos letramentos digitais, como editar uma foto para colocar num perfil de rede social ou criar um meme, fazer um vídeo e enviá-lo para a internet, remixar uma música ou criar um podcast.
Para tanto, os jovens se envolvem, muitas vezes, em intercâmbios virtuais ou presenciais, no que Gee chama de “espaços de afinidade”. Nesses espaços, trocam informações com outros interessados e analisam os processos de feitura e os próprios artefatos culturais aos quais se voltam (aspecto que a internet facilita). Essa avaliação aprimora a compreensão sobre o que é algo “benfeito” e, nas situações desse tipo, a demanda pelo conhecimento ocorre em paralelo à sua aplicação.
Existem evidências sobre a possibilidade transferir esses aprendizados a aspectos do letramento escolar. Essa seria uma contribuição importante às tarefas da escola quanto à aquisição das habilidades de leitura e escrita. Para dar um exemplo, é possível ver um breve vídeo-documentário (abaixo) no qual estudantes que participaram de um projeto de fanzine (com o uso de computadores) falam sobre a “surpresa” de terem melhorado suas notas em língua portuguesa. Eles buscaram “aprender a ser” jovens jornalistas, mas para isso tiveram que desenvolver competências relacionadas ao mundo da escrita, utilizando um meio de expressão “autêntico”, isto é, escreveram para os leitores do fanzine e não só para os seus professores.
Desse ponto de vista, é questionável a eficácia de integrar práticas que envolvam o letramento digital na educação em prol de fins educativos tradicionais – embora sem uma lógica ancorada, de maneira tão direta ou evidente, em conteúdos. Essa é uma dificuldade e um desafio para as(os) educadoras(es). Ainda que estejam convencidos de que o letramento digital converge com suas diferentes expressões e metas educativas, a questão do “como fazer” não é simples. Não é apenas pela introdução de mais uma disciplina no currículo que essa articulação necessariamente ocorrerá.
Ao mesmo tempo, essa articulação tem um potencial desestabilizador das lógicas tradicionais do ensino, impondo uma reflexão sobre a mudança nas concepções e nos resultados esperados da ação escolar. Jenkins (2010, 2012) dá um exemplo interessante, ao descrever o desenvolvimento de um projeto que tem dimensões relacionadas com o letramento digital e com o letramento analógico em escolas nos Estados Unidos.
No caso, as(os) professoras(es) foram instigadas(os) a engajar os alunos não apenas na leitura crítica de textos literários (a obra Moby Dick) − maneira usual com que a escola procura trabalhar esse tipo de texto −, mas também criativamente. Os estudantes realizaram, entre outras atividades:
interpretações e reapropriações do romance por meio de vídeos musicais ou de histórias em quadrinhos e fanfictions;
ampliações de páginas do livro produzindo sua marginália;
composição de um mural com diferentes rotas de leitura etc.
Como notou uma das colaboradoras do projeto, reforçando a conexão entre letramento digital e analógico, “ler com um mouse na mão” favoreceu a transição de uma leitura como consumo para uma leitura como prática criativa, envolvendo outras formas culturais. O que parece existir de mais relevante nessa experiência é a ideia de que os alunos assumem maior controle sobre a própria aprendizagem e notam as ressonâncias que a leitura pode ter em sua vida. Uma estudante disse pensar que:
O que aprendi [durante o projeto] é que, de fato, devo ler os clássicos, porque há alguma coisa neles que eu não compreendo [e que é importante].”
Citado por JENKINS, 2010, p. 248.
Nesse caso, diferentemente do ensino e aprendizagem tradicional, os estudantes podem não aprender as mesmas coisas de maneira igual – no estudo da literatura, por exemplo, é comum esperar-se que todos conheçam o enredo do livro. Essa situação pode gerar insegurança nos alunos que ainda não conseguiram atingir essa competência, mas construíram outros sentidos e relações sobre o texto. Por isso, a reflexão sobre os ganhos maiores ou menores desse tipo de perspectiva exige professores e professoras capazes de pensar em suas práticas, nas de seus alunos e em seus objetivos educacionais.
______. “Afterword: Communities of Readers, Clusters of Practices”. In: LANKSHEAR, Colin; KNOBEL, Michele (Ed.). DIY Media: Creating, Sharing and Learning with New Technologies. New York: Peter Lang Publishing, 2010. p. 231-253.
LANKSHEAR, Colin; KNOBEL, Michele. “Becoming Research Literate Via DIY Media Production”. In: ______. Literacies: Social, Cultural and Historical Perspectives. New York: Peter Lang Publishing, 2011. p. 333-358.
*Jornalista, professor universitário e doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). É pesquisador do Núcleo de Pesquisa do Mercado de Trabalho em Comunicações e Artes (Nupem-ECA/USP) e atua na área de Comunicação e Educação, no Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo (NCE/USP). É autor do curso Comunicação Digital para Educadores e colaborador em Educação e Participação em Rede, ambos parceria entre o CENPEC Educação e a Fundação Itaú Social.
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