Ideb: Como ler os dados e utilizá-los para pensar intervenções nas escolas
Decompor o IDEB é entender em que pé está a aprendizagem dos(as) alunos(as) e pensar medidas que abrangem o conjunto docente e estão diretamente relacionadas ao projeto educacional da escola
Por Stephanie Kim Abe
A cada dois anos, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), divulga os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Um dos principais indicadores de qualidade da política educacional brasileira, ele avalia a aprendizagem de alunos do 5º e do 9º ano do Ensino Fundamental e do 3º do Ensino Médio. A última edição foi divulgada em 15 de setembro e traz dados de 2019.
“O Ideb tem relevância para o acompanhamento e o monitoramento dos níveis de proficiência dos alunos, a fim de verificar e enfrentar as formas que as desigualdades no interior de uma rede se apresentam e servir para promover a melhoria da qualidade e a equidade do ensino”, diz Solange Feitoza Reis, coordenadora do CENPEC Educação.
A importância da avaliação educacional
Ainda que tenha suas limitações (leia mais abaixo), o Ideb é um instrumento importante que é muitas vezes analisado de forma errônea ou mesmo desconsiderado.
“A avaliação é comumente adotada para fins de classificação e de seleção dos alunos, mas quando os seus resultados são utilizados com estes propósitos, compreendo que ela passa a ser um instrumento que aliena os alunos do direito à Educação”, defende Solange.
Para a especialista, um dos motivos para que isso aconteça está na defasagem da formação inicial de professores(as) e demais profissionais da educação com relação à avaliação educacional (Como avaliar? Para que serve? Quais as melhores formas de realizá-la?).
Acontece bastante de irmos às escolas ou secretarias de educação e testemunharmos um desconhecimento em relação a essas avaliações. Estamos muito aquém do que gostaríamos, em relação a se apropriar e considerar esses resultados. Precisamos compreender a avaliação como atividade inerente ao processo de ensino e de aprendizagem e como uma atividade de investigação do estágio de desenvolvimento dos alunos
Solange Feitoza Reis, coordenadora do CENPEC Educação
Dado esse cenário, o CENPEC Educação aprofunda a seguir alguns pontos importantes sobre o Ideb e maneiras de pensar intervenções nas escolas e redes de ensino a partir de seu resultado.
O que é o Ideb
O Ideb foi implementado pelo INEP em 2007, no âmbito da política educacional, com o objetivo de representar certo aspecto da qualidade da educação, com base em dois indicadores: aprendizagem e fluxo.
Ele é calculado a partir de dados de aprovação escolar oriundos do Censo Escolar e da média das notas obtidas pelos alunos no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que são testes padronizados em larga escala em Língua Portuguesa e Matemática. Vale ressaltar que o foco é em leitura e resolução de problemas, respectivamente.
“Isso é importante porque há um conjunto de aspectos de Língua Portuguesa e Matemática que não são dimensionados e medidos no Saeb”, explica Ocimar Alavarse, professor e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional (Gepave) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP) e consultor do CENPEC Educação.
O Ideb visa verificar, portanto, menor tempo de escolarização com melhor desempenho nessas provas externas.
“Esses dois elementos são fundamentais para caracterizar o sucesso de uma escola pública: é preciso ter progressão e ganho de proficiência. Tem tudo a ver com a função da escola pública que é garantir permanência com êxito escolar – ou seja, que o aluno aprenda a cada ano da sua trajetória escolar”, explica Solange.
Como é calculado
As notas das provas são padronizadas em uma escala de 0 a 10, e são multiplicadas pela taxa de aprovação, que vai de 0 a 100%.
“Supondo uma escola de taxa de aprovação de 80% – coeficiente 0,8 -, do ponto de vista do fluxo, isso significa 1,25. Ou seja, os alunos estão gastando um ano e um quarto para fazer cada série. Como cada etapa tem cinco anos, eles levam, em geral, seis anos para fazer as cinco séries”, explica Ocimar.
Se a média da nota das provas desta escola é 6, então o IDEB será 6 x 0.8 = 4.8.
Assim, se duas escolas têm o mesmo desempenho no Saeb (6, por exemplo) mas taxas de aprovação diferentes (por exemplo, 1, que seria nenhuma reprovação, e 0,8), o IDEB será diferente (6 e 4,8, respectivamente). “Temos, então, duas escolas com qualidades distintas, em que a primeira chegou a uma mesma proficiência gastando menos tempo”, diz.
Conhecer e se apropriar
Sabendo os dados que compõem o Ideb, os(as) profissionais de educação têm mais subsídios para ler e analisar a nota do Ideb de sua escola.
Ao divulgar as notas do Saeb, o INEP disponibiliza os dados desagregados por dependência administrativa e localização. Cada escola recebe um boletim de desempenho – que também pode ser acessado e baixado na página do Saeb no site do INEP.
Esses boletins trazem indicadores contextuais sobre as condições em que ocorre o trabalho da escola, como o Indicador de Nível Socioeconômico e o Indicador de Adequação da Formação Docente, e a distribuição percentual dos estudantes por escola por nível de proficiência. Na descrição de cada nível, estão elencadas as habilidades referentes a Língua Portuguesa (ênfase em leitura) e Matemática (ênfase em resolução de problemas) que os(as) alunos(as) já teriam aprendido nos anos finais de cada etapa escolar.
Apropriar-se desse documento não é uma questão de se preparar para a prova. No caso de Língua Portuguesa, o currículo da escola prepara a criança para interagir com textos que estão circulando socialmente. Então é preocupante se temos crianças do 5º ano que não são capazes de identificar que o ‘ele’ em uma tirinha se refere a um determinado personagem
Ocimar Alavarse, professor e coordenador do grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional (Gepave) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP)
Ainda que as provas do Saeb sejam de Língua Portuguesa e Matemática, as habilidades de práticas de leitura e de resolução de problemas atravessam todas as disciplinas – daí a importância de uma análise conjunta de todo o corpo docente desse documento.
Os resultados da avaliação devem servir para orientação da aprendizagem, levando-se em conta as características de cada aluno e sua interação com o trabalho escolar.
“Esse boletim tem uma riqueza de dados que dá elementos para o professor atuar em sala de aula, mas que a escola não sabe lidar e muitas vezes até desconhece. Primeiro é importante que o professor reflita e tenha clareza sobre os objetivos que espera alcançar para poder eleger os critérios que irão balizar a análise sobre os resultados de desempenho dos alunos, para tomar decisões a partir daí. No âmbito da escola, a ideia vai na mesma direção, os resultados e o alcance das metas devem ser vistos comparados com o projeto educativo escolar”, diz a coordenadora do CENPEC Solange Feitoza.
Intervenções possíveis
Se uma escola não alcançou a sua meta, o que a gestão escolar ou a Secretaria de Educação podem fazer? Que aportes eu posso dar, para que a escola modifique o seu resultado?
Para Solange Feitoza, uma das principais formas de apoio da Secretaria às escolas é pensar a alocação de recursos financeiros e a distribuição dos(as) educadores(as) observando as diferenças e necessidades de cada escola, para contemplar escolas em regiões de maior vulnerabilidade social ou em maiores condições de precariedade. “São escolas que poderiam ganhar muito com a qualidade de trabalho de um professor já mais experiente”, diz.
Atentar para as taxas de rendimento e de distorção idade-série e melhorar as práticas de monitoramento também são outros pontos levantados pela especialista. Ela acredita que é preciso que a equipe pedagógica da Secretaria esteja pronta para visitar a escola não no sentido de vigiar ou supervisionar, mas de apoiar pedagogicamente e de trazer outras experiências.
“O professor aplica uma prova, na turma, e tem os resultados. Quem é que dialoga com o professor com relação a esses resultados? Como que a Secretaria de Educação acompanha essas métricas, e o faz a tempo de fazer algum tipo de intervenção? Então é preciso articular o trabalho da gestão da sala de aula com a gestão escolar e com a gestão do sistema de ensino”, defende.
Comparar quem e para que
Um dos erros mais comuns ao se ler o Ideb é simplesmente comparar o índice de duas escolas, sem levar em consideração suas diferenças.
Mais do que comparar instituições ou redes diferentes, o ideal é cada escola e rede olhar para o seu próprio Ideb e sua evolução ao longo de sua perspectiva histórica.
“Cada escola e rede de ensino tem uma meta a ser atingida a cada edição, de 2007 a 2021. As metas foram traçadas a partir de um modelo matemático, em 2007, que supunha que, com a adoção de diversas medidas e investimentos, em 2100, todas as escolas brasileiras teriam o mesmo resultado – tanto as escolas públicas do Nordeste quanto as privadas do Sudeste. A diferença entre elas é muito grande, e esses pontos de partida diferentes estão, de certa forma, refletidos nas metas traçadas para cada instituição”, conta o professor Ocimar Alavarse.
Assim, vale mais a pena uma escola que tinha meta 4,5, cujo Ideb 2019 foi 5, entender os seus avanços e como ultrapassou a sua meta, do que olhar para uma outra instituição que tem 6 – cuja meta, por exemplo, podia ser 6,5, o que mostra que apesar de ter um número mais alto, ela não avançou tanto quanto esperado.
A meta do Brasil, de acordo com o que foi estabelecido pelo Ministério da Educação (MEC), é atingir 6 na escala do Ideb em 2021. Como é uma média nacional, a ideia é que nesse período haja estados, municípios e escolas com resultados acima e abaixo de 6.
Limitações do IDEB: o que ele não mostra
O Ideb não traz o resultado por alunos e só é divulgado no ano seguinte à aplicação da prova. Isso impede que haja uma intervenção sobre aquela turma ou realidade sobre a qual foram coletadas as informações.
Além disso, é preciso olhar para as taxas de reprovação, de distorção idade-série, de evasão e abandono, que também podem ajudar a explicar os dados do Ideb.
A revisão das metas do Ideb é um dos pontos discutidos entre especialistas, e levantado por ambos os entrevistados. Eles também apontam que vários estudos trazem questionamentos sobre o uso do Ideb para práticas educacionais que redundam em estreitamento curricular, preparação dos alunos para a realização dos testes, seleção de alunos pelas escolas em função de seu desempenho ou mesmo associação de bonificações mediante os resultados de avaliações.
“O Ideb tem sim limitações, e essa ideia de que as avaliações externas não têm nada a ver com a escola é um obstáculo para não se olhar para esses dados. Elas não devem ser desculpa para não se fazer a análise de seus resultados, porque as causas provavelmente ainda persistem na escola. Temos esses dados e precisamos explicá-los”, defende Ocimar.
Solange Feitoza alerta para a importância de não cobrar do Ideb o que ele não é capaz de oferecer. Se um só indicador não dá conta de traduzir a realidade da escola brasileira, é preciso considerar também outras formas de avaliação – como a institucional, que foca no projeto da escola, e ainda é pouco explorada no Brasil.
“Quando falamos em avaliação educacional, eu entendo que seja a articulação desses três níveis de avaliação: avaliação da aprendizagem realizada pelo professor, o resultado das avaliações externas e a avaliação institucional, centrada nas ações descritas no projeto político-pedagógico (PPP) da escola. Está mais do que na hora de investirmos nesta última”, diz Solange.
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