Busca ativa escolar: um esforço que vale o investimento
Em meio à pandemia, conheça experiências de diferentes municípios brasileiros para garantir a permanência dos(as) estudantes na escola
Por Stephanie Kim Abe
“Um trabalho de formiguinha”. É assim que Carla da Silveira Ribeiro define o que a equipe do Busca Ativa Escolar faz em Teresópolis (RJ). E faz todo sentido.
Primeiro, porque é um trabalho realizado por um grupo de pessoas de diferentes áreas, que se articulam para encontrar e monitorar crianças e adolescentes que estejam em risco de evasão ou fora da escola. Segundo, porque requer persistência e paciência, já que é necessário muito esforço trazê-los(as) de volta pra escola. Por fim, é um trabalho que pode parecer pequeno e passar batido por aqueles que só olham os números: de uma rede municipal que tem 21 mil alunos(as) matriculados(as) em 95 escolas, o Busca Ativa de Teresópolis atendeu 103 estudantes em 2020.
Mas olhar para esses meninos e meninas e conhecer quem são é fundamental para entender o que motiva e dá sentido nessa busca ativa, e perceber os resultados futuros. A educadora explica:
A importância desse trabalho é dar uma condição melhor de vida para essas crianças. O estudo é tão importante, faz tanta falta – principalmente para quem está em situação de vulnerabilidade social muito grande. Podemos pensar que agora não estamos fazendo muita coisa, quando acompanhamos a vida escolar do aluno, batemos um papo com o responsável, o conscientizamos que é importante manter a criança na escola. Mas, na verdade, estamos investindo num futuro melhor pra ela.”
Carla da Silveira Ribeiro
Crianças de fora e fora da escola
Coordenadora operacional da equipe no município, Carla conta que, dos 103 estudantes atendidos ano passado, 75% vieram de outras cidades (principalmente da Região dos Lagos, Baixada Fluminense e capital). Eram famílias que haviam se mudado ou voltado para a cidade, e que não procuraram a escola para matricular os(as) filhos(as).
Para encontrá-las, a parceria com a Secretaria de Saúde foi mais estratégica do que o normal – já que o comitê gestor da Busca Ativa Escolar tem parceria com diversas secretarias municipais (Educação, Assistência Social, Saúde, Segurança e Esporte, Cultura e Lazer). Participam também o Conselho Tutelar, a Vara da Infância, e o Conselho Municipal de Educação.
Como ano passado a busca pela Secretaria da Saúde foi muito maior, eles acabaram nos trazendo muita gente, inclusive meninas gestantes que tinham parado de estudar. As pessoas chegavam lá para o atendimento e batendo um papo descobriam que a criança estava fora da escola, e a encaminhavam pra nós. Foi uma parceria muito maravilhosa.”
Carla da Silveira Ribeiro
Uma vez avisada, a secretaria municipal de educação fazia o atendimento via WhatsApp, reunia toda a documentação, enviava à escola e o(a) diretor(a) ficava encarregado(a) de contatar a família e trazer a criança à instituição escolar.
Diferentes situações que levam à evasão
Quando a família do(a) estudante não efetua a sua matrícula no ano letivo seguinte para dar continuidade aos estudos, ele(a) está em situação de evasão. Quando ele(a) para de frequentar as aulas, ocorre o abandono escolar.
De acordo com uma pesquisa do Instituto Datafolha, realizada entre novembro e dezembro do ano passado, cerca de 2 milhões de estudantes da educação básica abandonaram a escola em 2020. A taxa de abandono foi de 4,6% no ensino fundamental e 10,8% no ensino médio. Em 2019, o índice foi de 1,2% e 4,8%, respectivamente, de acordo com dados oficiais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Ainda de acordo com a pesquisa, 11,4% dos(as) estudantes do ensino fundamental que abandonaram a escola ano passado não pretendem voltar em 2021. Entre aqueles(as) do ensino médio, a taxa dobra (25,8%). Problemas financeiros, dificuldades com o ensino remoto ou mesmo falta de aulas são alguns dos motivos alegados pelos(as) entrevistados(as) para o abandono escolar.
No caso de Teresópolis, a mudança de residência foi o principal motivo de evasão em 2020. Mas ao longo de três anos e meio de Busca Ativa no município, Carla Ribeiro foi percebendo outros motivos que contribuem para isso.
Vemos falta de vontade dos adolescentes de estar na escola, há um desinteresse muito grande. Tem aqueles que já pensam que não precisam mais estudar. Acontece que o mundo, para o aluno de 14, 15 anos, oferece muita coisa. E às vezes ele acha que a escola não está oferecendo aquilo tudo que o mundo oferece no momento. É uma situação que precisa ser invertida.”
Carla da Silveira Ribeiro
Em Vigia (PA), município a cerca de 100 km de Belém, a Secretaria Municipal de Educação certificou-se de realizar atividades escolares impressas para aqueles(as) estudantes que não tinham acesso à internet. Os materiais eram entregues na casa dos(as) alunos(as) para garantir o recebimento e também para o monitoramento da sua frequência escolar.
Marcia Roseth, coordenadora operacional do Busca Ativa Escolar em Vigia durante 2020, relata:
Ano passado, um evento que me marcou muito foi o caso de quatro crianças da mesma escola que não tinham se matriculado. Fui atrás para saber o porquê e descobri que a mãe tinha morrido em janeiro, e o pai era pescador e não tinha ninguém mais que fosse à escola fazer a matrícula. Eles achavam que, devido à pandemia, não havia aulas, as escolas estavam fechadas, tudo parado. Mas, enquanto município, nós não paramos. Fomos atrás de algumas crianças, para conhecer um pouco a realidade delas, onde e com quem moravam, e por que não estavam matriculadas. Nós então as matriculávamos em casa, facilitando o trabalho e garantindo o seu direito à Educação.”
Marcia Roseth
Ano passado, o município, que tem 6,8 mil estudantes matriculados, resgatou 235 crianças e adolescentes que haviam evadido da escola.
Rotina de trabalho adaptada pra pandemia
Com o cenário da pandemia e das escolas fechadas, uma das principais adaptações que a equipe de Marcia teve que fazer foi ampliar o olhar para a população vulnerável de Vigia. A coordenadora, que hoje está à frente da equipe na cidade vizinha de São Caetano de Odivelas (PA), revela:
Fazia quatro anos que eu trabalhava com a estratégia em Vigia e nós sempre estivemos preocupados em cuidar daqueles alunos que estavam fora da escola. Com a pandemia, nós passamos a cuidar também daquelas crianças que não estavam participando das aulas remotas, porque elas também estavam evadidas por não acompanharem as atividades.”
Marcia Roseth
Foram capacitados(as) diretores(as) e professores(as) que pudessem sair de suas casas e realizar esse trabalho. Com o apoio da equipe intersetorial do Busca Ativa, esse grupo fez a relação de alunos(as) que não tinham confirmado matrícula para então sair a campo.
Em Teresópolis, as escolas também passaram a realizar atividades on-line e impressas, entregues nas casas dos(as) estudantes. A equipe de Carla precisou adaptar todo o atendimento para ser realizado via internet.
A maior dificuldade foi não estarmos presencialmente, mas conseguimos superar isso, cumprir o nosso calendário e colocar as crianças na escola. De certa forma, também conseguimos usar a tecnologia a nosso favor, porque o fato de termos o WhatsApp do responsável facilitou o nosso trabalho, pois entrávamos em contato direto para conversar com ele quando necessário. Então ficou no meio a meio.”
Carla da Silveira Ribeiro
O que é o Busca Ativa Escolar?
Trata-se de uma estratégia do UNICEF inspirada em boas experiências de alguns municípios e a intersetorialidade como fator fundamental no combate à exclusão escolar. O Busca Ativa Escolar pressupõe a participação conjunta de representantes da área de educação, da saúde, da assistência social e de planejamento do município que adere à metodologia.
Cada um tem o seu papel no processo de identificação, controle e acompanhamento de crianças e adolescentes que estão fora da escola ou em risco de evasão. Esses dados e registros são agregados em uma única plataforma gratuita, que apoia e facilita o trabalho da gestão, garantindo não só a matrícula da criança mas também a sua permanência.
“Como pedagoga, fiquei apaixonada pelo trabalho do Busca Ativa Escolar. Primeiro, ele nos capacitou, e depois tivemos uma experiência maior com a plataforma, quando começamos a entender que, por meio dela, poderíamos acompanhar aquelas crianças que estavam fora da escola. Tínhamos acesso a uma planilha do Censo Escolar, que mostrava as crianças que estavam sem vínculo. A partir daí, nós fizemos o trabalho de mostrar à equipe de diretores(as) a importância de combater a evasão e ir atrás dessas crianças. A cada uma que encontrávamos era um alívio”, conta Marcia Roseth, coordenadora operacional do Busca Ativa Escolar em São Caetano de Odivelas (PA).
Cerca de 3,1 mil municípios já aderiram ao Busca Ativa Escolar, que foi desenvolvido em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).
O Cenpec é responsável pela produção de materiais formativos para os itinerários de cada participante, além de organizar conteúdos entregues por outros produtores.
Em Manaus (AM), o combate à evasão escolar acontece desde 2010 por meio dos Centros Municipais Sociopsicopedagógicos (Cemasp).Eles também contam com a intersetorialidade: profissionais das áreas de educação, pedagogia, psicopedagogia, serviço social, psicologia e fonoaudiologia trabalham juntos em ações multidisciplinares com o intuito de promover a permanência das crianças na escola, reduzindo os índices de abandono.
Em 2020, o trabalho precisou ser adaptado para funcionar durante a pandemia. Hulda Soares, coordenadora geral dos Cemasp na Secretaria Municipal de Educação de Manaus, explica:
Antes, a nossa busca ativa acontecia através da Ficha de Comunicação do Aluno Infrequente (Ficai). Era realizada visita domiciliar e orientação aos familiares do aluno. Durante a pandemia, utilizamos o telerresgate, ou seja, a busca ativa ocorre através de ligações, SMS, mensagem de WhatsApp, e-mail e vídeochamadas. Nesses contatos, buscamos sensibilizar a família da importância de engajar o aluno em casa, através da participação assistindo às aulas remotas, bem como fazendo as atividades propostas.”
Hulda Soares
Assim, foram realizadas ações de acolhimento, orientação e apoio na entrega do caderno de apoio pedagógico nas áreas rurais e de difícil acesso.
Hulda conta que as principais dificuldades encontradas pela equipe para a frequência dos(as) alunos(as) nas aulas remotas foram a falta de internet ou equipamento eletrônico (televisão, celular), desemprego, saúde, mudança de endereço e até mesmo pais que trabalhavam o dia todo e não tinham como acompanhar os filhos nas atividades escolares.
Com os esforços da equipe, a Secretaria conseguiu telerresgatar e monitorar cerca de 28 mil alunos ano passado, de uma rede de 240 mil matrículas.
Perspectivas e aprendizados
Em Vigia, os resultados do esforço da equipe de busca ativa é visível pra qualquer um que passa na frente da secretaria municipal de educação. Os girassóis que adornam o prédio foram plantados em homenagem às crianças resgatadas.
“No começo da pandemia, não havia nada na frente da Secretaria. O secretário de educação Ruivaldo Siqueira então disse: ‘vou plantar sementes de girassol’. E eu falei pra ele: ‘cada girassol que nascer nós vamos batizar com uma criança que foi rematriculada’. E ele comprou a ideia. A partir daquele momento, conseguimos ir atrás das crianças, e toda vez que um girassol nascia era uma felicidade enorme”, relata Marcia.
Veja abaixo mais detalhes do trabalho de busca ativa em Vigia:
Marcia acredita ainda na importância de inovar – algo que foi demandado de praticamente todos(as) os(as) professores(as) durante a pandemia.
A maior dificuldade enquanto educador era justamente chegar a essa criança, chegar à realidade dela, de que maneira poderíamos estar ajudando. Nós não imaginávamos este ano tão diferente, mas ele aconteceu e nós tivemos que nos reinventar, sair daquela zona de conforto, e, tomando todos os cuidados, fazer parcerias para alcançar a criança e garantir o seu direito.”
Marcia Roseth
A coordenadora de Teresópolis Carla Ribeiro também é otimista e dá continuidade ao trabalho que tem sido feito, mesmo frente às incertezas dada a pandemia que ainda segue no país. Ela espera continuar identificando as crianças que estão em risco de evasão ou fora da escola, e correndo atrás para trazê-las de volta e monitorá-las.
Para ela, o mais relevante de todo esse processo é ter entendido a necessidade do olhar intersetorial para promover ações articuladas sobre questões que envolvem não só o aluno e a escola, mas a família e os problemas sociais (desemprego, falta de moradia e alimentação etc.), que influenciam diretamente na vida escolar da criança.
“Sempre trabalhei com EJA, e achava que eram apenas os jovens ou adultos que estavam fora da escola. Eu não tinha ideia de como temos crianças pequenas fora da escola, por questões de vulnerabilidade social. Afinal, é uma cadeia, uma coisa interfere na outra. Se o pai não tem emprego, ele vai mudar pra outra cidade, e não quer saber se o filho está estudando ou não, porque o arroz e feijão que ele precisa colocar na mesa é muito mais importante naquele momento. A sociedade precisa criar consciência de que a escola é importante, e também olhar pra essas questões. Porque se a família está funcionando bem, com certeza a escola também vai bem.”
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