Desafios para a volta segura às aulas

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Desafios para a volta segura às aulas

Como acolher os(as) estudantes? Quais os protocolos sanitários necessários? Como realizar a avaliação diagnóstica? Veja essas e outras questões levantadas na reabertura das escolas a seguir

Por Stephanie Kim Abe

Agosto é período de volta às aulas. Este ano, desde que a pandemia chegou ao Brasil, em março de 2020, temos a maioria das redes estaduais reabrindo suas escolas. De acordo com levantamento realizado pelo jornal Folha de São Paulo, apenas Acre, Paraíba e Roraima não terão aulas presenciais já neste mês.

Algumas das redes, tanto estaduais quanto municipais, tinham reaberto as escolas no começo de 2021. Outras, já no segundo semestre de 2020. Atento às demandas da comunidade escolar, o Portal Cenpec publicou no final do ano passado uma matéria que discutia como as redes podem justamente se planejar para esse momento.

Assim, a retomada presencial tem sido irregular e incerta, já que depende tanto da situação local da pandemia quanto da pressão política e pública pela reabertura das escola. Esse cenário levou a um abre e fecha das unidades de ensino que impacta o planejamento de educadores(as) e gestores(as) e as expectativas de estudantes e familiares.

Com o controle da pandemia na maioria dos estados devido ao avanço da vacinação contra a Covid-19 em todo o país, o cenário agora parece mais favorável à reabertura das escolas. Ainda assim, a pandemia ainda não acabou. Por isso, é preciso garantir que a retomada das aulas presenciais aconteça de forma segura e gradual.

A seguir, listamos alguns dos principais desafios que as redes de ensino e a comunidade escolar devem enfrentar na reabertura das escolas.


Garantir condições estruturais e protocolos sanitários de segurança

A pandemia ainda não acabou, portanto é preciso cumprir os protocolos sanitários, como:

  • distanciamento físico de 1,5 metros;
  • uso e troca periódica de máscaras;
  • ventilação e número limitado de pessoas nos espaços;
  • uso de álcool e higiene regular das mãos.

A retomada das aulas presenciais requer adaptações nos espaços escolares, compra de equipamentos e repasse de recursos financeiros que viabilizem essas mudanças, entre outras medidas.

Esse processo, que já é complexo por si só, se torna mais difícil se pensarmos na diversidade das redes de ensino e nas desigualdades sociais do país. Por isso, ainda que órgãos ou entidades disponibilizem documentos e notas de orientação sobre a criação de protocolos para a retomada das aulas, cabe aos municípios, de acordo com as suas realidades, construir e colocar em prática essas medidas.

Apesar de ser um dos primeiros pontos debatidos e pensados pelo menos desde julho de 2020, a última Pesquisa Undime educação na pandemia, realizada com 3,355 municípios (60% das cidades brasileiras) e divulgada em julho deste ano, traz um dado alarmante:

em 40,4% das redes municipais, os protocolos de segurança sanitária ainda estão em construção. A vacinação dos(as) profissionais de educação de todas as idades, porém, já foi iniciada em 95,1% das redes entrevistadas.

No e-book gratuito A escola de um novo tempo: o retorno seguro, elaborado pelo Cenpec e publicado pela Editora Moderna, há informações confiáveis e instrumentos práticos para apoiar os(as) gestores(as) na elaboração de um plano de ação para a volta às aulas presenciais que considere as adaptações necessárias para o retorno seguro e como comunica-los.

 e-book A escola de um novo tempo: o retorno seguro,
Capa: reprodução

Juliana Gonçalves, técnica do Cenpec responsável pela produção da cartilha, explica:

Um desses instrumentais é uma planta arquitetônica fictícia de uma escola. A ideia seria o gestor se basear na própria planta da sua escola para pensar a utilização desses espaços e no tipo de adaptação que ele precisa fazer, tanto em termos estruturais quanto de oferta de equipamentos de proteção individuais (EPIs).”

Juliana Gonçalves

Saiba tudo sobre o e-book

Escola Parque Dourado. Projeto: Apiacás Arquitetos. Foto: Carlos Kipnis/reprodução

Já no Manual Técnico para Escolas Saudáveis, que tem como foco as escolas estaduais de ensino fundamental e médio do estado de São Paulo, as dicas incluem tanto protocolos sanitários como a importância da ventilação natural nas salas de aula, o estabelecimento de turnos para o uso da copa e da sala dos(as) professores(as) e a readequação das turmas, mas também uma discussão maior sobre o que seria uma escola saudável.

Elaborado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil de São Paulo (IAB-SP) em parceria com o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o Manual também explica a importância de se garantir a participação social no diagnóstico e na elaboração desses protocolos e planos de ação de curto, médio e longo prazo.

Saiba mais sobre o Manual Técnico para Escolas Saudáveis

A gestão democrática e a criação de comissões intersetoriais que auxiliem as secretarias de educação nesse processo são alguns dos pontos tratados nesta matéria sobre a importância do planejamento e da participação na retomada das aulas presenciais. 


Acolher e apoiar emocionalmente estudantes e docentes

A pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus, realizada com mais de 68 mil jovens em todos os estados brasileiros, constatou que a saúde mental dessa faixa etária se agravou neste período. Entre os achados, 6 a cada 10 jovens relataram ansiedade e uso exagerado de redes sociais; 5 a cada 10 sentiram exaustão ou cansaço constante; e 4 a cada 10 tiveram insônia ou distúrbios de peso.

Outro dado preocupante foi que 1 a cada 10 jovens admite que um dos impactos da pandemia em sua vida são pensamentos suicidas ou de automutilação, sendo esse número ainda maior na faixa de 15 a 17 anos.

É importantíssimo que a escola olhe para as questões emocionais e mentais que atingem os(as) estudantes e os(as) profissionais de educação. A pesquisa realizada pela Undime com 3.672 municípios no começo de 2021 constatou que o acolhimento e as competências socioemocionais são uma das prioridades das redes municipais nas formações de professores(as) e gestores(as), atrás apenas de protocolos de segurança sanitária e tecnologias para ensino remoto.

Veja como a pandemia tem agravado a saúde emocional de educadores(as)

Nesse sentido, iniciativas como o projeto Apoio Emocional, que oferece atendimento psicológico gratuito para educadores(as) da rede pública, com profissionais de saúde mental voluntários(as), podem ser um bom apoio às redes e à comunidade escolar.

Leia mais sobre o projeto Apoio Emocional

No âmbito do projeto Letra Viva Alfabetiza, parceria entre o Cenpec e cinco secretarias municipais de educação localizadas no Vale do Ribeira, esse ponto tem sido contemplado pela adoção do que a equipe chama de “acolhimento em cascata”.

Maria Alice Junqueira, especialista em alfabetização e letramento e coordenadora do projeto, explica:

A Secretaria de Educação precisa acolher gestores(as) escolares (diretores(as) e coordenadores(as) pedagógicos(as)), para ajudá-los a acolher as suas equipes escolares – no caso, professores(as) e demais funcionários(as) da escola. Então temos a escola, claro, acolhendo estudantes e famílias.”

Maria Alice Junqueira

Acolher, aqui, significa abrir espaço para expor ideias e sentimentos, manter brincadeiras, interações e ludicidade, apoiar uns(umas) aos(às) outros(as) e adaptar-se a novos formatos e espaços.

Entenda melhor como funciona o acolhimento em cascata


Pensar a flexibilização curricular e a avaliação diagnóstica inicial

Ainda é difícil mensurar as perdas de aprendizagem que os(as) estudantes brasileiros(as) tiveram e estão tendo com o ensino remoto. Algumas pesquisas, porém, já tratam disso – como a realizada pelo Instituto Unibanco e pelo Insper, que indica que os(as) alunos(as) do Ensino Médio tiveram perda de proficiência em Matemática de 10 pontos na escala Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e 9 pontos em Língua Portuguesa, em comparação ao que aprenderiam em um contexto de ensino presencial.

Conheça estratégias para mitigar as perdas de aprendizagem no Ensino Médio

Assim, a retomada das aulas presenciais precisa vir acompanhada de estratégias pedagógicas para mitigar essas perdas e garantir que todos(as) estudantes possam aprender aquilo que está previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e nos currículos escolares. Já no ensino remoto, a flexibilização curricular e a priorização de algumas habilidades têm sido estratégias adotadas pelas redes de ensino.

Nessa seleção, é primordial que as redes de ensino promovam a escuta e a participação de professores(as) e estudantes, para construir um currículo que faça sentido ao cenário, às adversidades e às condições da comunidade escolar.

Saiba mais sobre os cuidados na flexibilização curricular

Apoio Pedagógico Complementar

Uma vez determinadas essas habilidades primordiais, é preciso realizar uma avaliação diagnóstica inicial que possa dar conta de identificar o que os(as) estudantes aprenderam durante esse período de ensino remoto.

Sobre esse diagnóstico, Érica Catalani, coordenadora do programa Apoio Pedagógico Complementar pelo Cenpec, chama atenção para se pensar com cuidado a seleção de perguntas:

Esse instrumento diagnóstico precisa dar conta de identificar os diferentes níveis de conhecimento e de lacuna sobre uma mesma habilidade. Ou seja, precisa ter questões mais fáceis, outras mais difíceis, que permita ver a complexidade do conhecimento que essa criança já construiu ou ainda precisa construir.”

Érica Catalani

Com base nesses resultados, a gestão e os(as) educadores(as) podem pensar intervenções e diferentes encaminhamentos. No Programa Apoio Pedagógico Complementar, essa avaliação está diretamente ligada ao levantamento de outros dados que podem dar mais pistas sobre as reais fraquezas e forças da rede e de seus(suas) estudantes como um todo.

Saiba mais sobre como realizar esse diagnóstico

Há também quem defenda a importância de uma autoavaliação ou avaliação participativa, que dê conta de olhar para outras habilidades e competências que os(as) estudantes possam ter aprendido durante o ensino remoto – como as chamadas socioemocionais.

Tereza Perez, diretora-presidente da Comunidade Educativa Cedac, reflete:

Os saberes e as aprendizagens foram tão variadas! Desde o ponto de vista do que foi trabalhado efetivamente até em termos de relacionamento e desenvolvimento. As crianças e os(as) jovens passaram pelas situações mais diversas, então é difícil pensar em uma avaliação padrão. A melhor avaliação seria a que pudéssemos olhar para cada um.”

Tereza Perez

Veja outras formas de pensar a avaliação diagnóstica

Compreender o ensino híbrido e o potencial das metodologias ativas

Maria Alice Junqueira chama atenção para outra questão: o ensino híbrido e como ele tem sido visto e trabalhado nas diversas redes de ensino.

O ensino híbrido é uma prática pedagógica que integra o presencial ao on-line e que considera as possibilidades de utilizar diferentes linguagens (o audiovisual, a cultura digital, o impresso ou o áudio) e metodologias, seja na sala de aula, no laboratório, em casa ou outros espaços, no momento de ensinar.

Entenda o que é e como funciona o ensino híbrido

Ou seja, não se trata de simplesmente transmitir a aula que está acontecendo presencialmente para os(as) estudantes que ficaram em casa via internet. A modalidade híbrida implica, principalmente, colocar os(as) educandos(as) no centro do processo, reconhecendo os diferentes tempos e estilos de aprendizagem de cada pessoa. Daí o uso das chamadas metodologias ativas, como a sala de aula invertida, a rotação por estações ou o trabalho por projetos.

Ao planejar a aula dessa forma, o(a) docente deve ter em mente que as atividades realizadas fazem parte do mesmo roteiro e precisam estar articuladas entre si. Elas permitem que o conteúdo seja expandido, mas também que competências gerais e outras habilidades sejam desenvolvidas – como o pensamento crítico, a autonomia e a criatividade dos alunos.

Conheça tudo sobre as metodologias ativas

Para Maria Alice Junqueira:

O ensino híbrido tem sido muito mal entendido. Ele não é só o que acontece a distância e no presencial. Ele envolve metodologias ativas de ensino. Como muito provavelmente vamos continuar trabalhando nesse sistema, é importante que a formação de professores tenha clareza sobre o que ele é e as possibilidades de trabalho que traz.”

Para Maria Alice Junqueira:

Quem ainda tem dúvidas sobre as diferenças entre ensino híbrido, ensino a distância (EaD) e ensino remoto pode conferir o webinar de abril promovido pelo Prêmio Respostas para o Amanhã – iniciativa brasileira do Solve For Tomorrow, programa global da Samsung. Nele, o professor Leandro Holanda, especialista em tecnologias educacionais, professor universitário e cofundador da Tríade Educacional, explica esses conceitos e compartilha dicas práticas e ferramentas para inovar em sala de aula.

Confira recursos digitais gratuitos para práticas engajadoras


Combater o abandono escolar e buscar aqueles(as) fora da escola

O estudo Cenário da Exclusão Escolar no Brasil, lançado pelo UNICEF em parceria com o Cenpec, revelou que, com as escolas fechadas em razão da pandemia, em novembro de 2020, quase 1,5 milhão de crianças e adolescentes em idade escolar não tiveram acesso a aulas (remotas ou presenciais). A eles(as) se somam outros(as) 3,7 milhões que estavam matriculados, mas não tiveram acesso a atividades escolares e não conseguiram se manter aprendendo em casa.

No total, 5,1 milhões tiveram seu direito à educação negado – um retrocesso ao número que o país tinha no início dos anos 2000.

Não à toa, a busca ativa escolar tem sido uma das prioridades de 60% das redes municipais de ensino, como revela a última Pesquisa Undime educação na pandemia.

Como não poderia deixar de ser em um país com tanta diversidade regional, as estratégias para ir atrás desses(as) estudantes que abandonaram a escola são variadas: visitas domiciliares, adoção de instrumentos de acompanhamento e monitoramento de devolutivas, trabalho intersetorial e em grupo, sorteios para trazer matrículas, parcerias entre municípios etc.

Conheça experiências de busca ativa em alguns municípios

Além de trazer os(as) estudantes de volta, as redes de ensino devem agir sobre os motivos que levam à evasão e ao abandono escolar e também pensar estratégias para mantê-los(as) na escola.

Entenda como a Busca Ativa Escolar pode ajudar nessa empreitada


Repensar uma nova escola

Para Maria Alice Junqueira, o momento de reabertura das escolas é também uma excelente oportunidade para pensar além dos desafios críticos e pontuais que a pandemia nos coloca:

O debate de que a escola precisa mudar ocorre já há muito tempo. Poderíamos aproveitar toda essa discussão que estamos fazendo – de flexibilizar o currículo, pensar em diferentes enturmações, usar os espaços externos das escolas – para realizar uma modificação profunda. Poderíamos realmente transformar a escola naquilo que sempre sonhamos.”

Maria Alice Junqueira

A provocação que ela coloca também tem sido levantada por outras instituições e organizações que trabalham com Educação.

A campanha #ReviravoltadaEscola, realizada pelo Centro de Referências em Educação Integral em parceria com diversas instituições – entre elas o Cenpec -, articula ações que buscam discutir as aprendizagens vividas em 2020, assim como os caminhos possíveis para se recriar a escola necessária para o mundo pós-pandemia.

Saiba mais sobre a campanha #ReviravoltadaEscola



#EducaçãonaPandemia

Além das matérias citadas durante a reportagem, o Portal Cenpec tem inúmeras outras que tratam de diversas questões relacionadas à pandemia e o seu impacto na Educação, publicadas desde o começo do ano passado.

O intuito, com essa cobertura, é divulgar materiais formativos e informativos que colaborem para a garantia do direito à educação de todos(as) os(as) estudantes e para a redução das desigualdades educacionais em nosso país.

Confira todos os conteúdos em #EducacaoNaPandemia


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