Inclusão, equidade e desigualdades no ensino fundamental
Estudo da Unesco realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais reforça a importância de políticas focalizadas para garantir o acesso, a permanência e a trajetória escolar de sucesso de estudantes
Por Stephanie Kim Abe
Uma das grandes conquistas da educação brasileira nos últimos anos foi a universalização do acesso à educação no ensino fundamental. De acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, realizada pelo IBGE, em 2019, 99,7% da população de 6 a 14 anos estava matriculada na escola. Na educação infantil, esse índice atinge 92,9% para as crianças de 4 e 5 anos, e 89,2% na faixa etária entre 15 e 17 anos (ensino médio).
“(…) não basta a inclusão pelo acesso à escola. Uma educação inclusiva e equitativa deve promover oportunidades de aprendizado, com qualidade, para todos os grupos sociais que compartilham características em comum (nível socioeconômico, cor/raça, gênero etc.)” (p. 20)
O estudo, realizado pelo Núcleo de Pesquisas em Desigualdades Escolares (NUPEDE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob coordenação das professoras Maria Tereza Gonzaga Alves e Valéria Cristina de Oliveira, busca monitorar o cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4 no país.
O ODS 4 estabelece a garantia do acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa e a promoção de oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos e todas.
Ela faz parte da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). O Brasil, como signatário desse documento, deve trabalhar para atingir as suas 17 metas (ODS).
Enquanto o senso comum costuma associar o termo “educação inclusiva” apenas relacionado às(aos) estudantes com deficiência, essa definição é vista de forma mais ampla pela UNESCO — e está envolvida intrinsecamente com a questão da equidade.
Como explica a profa. doutora Flavia Xavier, coautora do estudo e uma das lideranças do NUPEDE:
A inclusão não se refere somente à entrada de todos os estudantes na escola (indígenas, estudantes com deficiência, negros, pardos etc), mas também à garantia de que eles tenham tratamentos e resultados equiparativos. Nesse sentido, a equidade trata de processos que permitem que as diferenças entre grupos sociais sejam tratadas de maneira semelhante, de forma que não se tornem uma desigualdade”.
Assim, as pesquisadoras se basearam nos dados do Censo Escolar e do Saeb — realizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) — para analisar e entender a distribuição das matrículas no ensino fundamental de escolas públicas brasileiras, à luz de diferentes marcadores sociais e econômicos (gênero, raça/cor, condição de deficiência, território), e explorar as diferentes relações entre a composição social das escolas com as condições de oferta e o rendimento escolar.
A professora Valéria de Oliveira comenta que:
Trabalhamos com essa noção ampliada de inclusão porque entendemos que a escola é esse ambiente que tem que garantir, de fato, igualdade de oportunidades para todos aqueles que compõem esse espaço, e os desafios para garantir igualdade de oportunidades são diferentes em função do contexto em que você observa. Observar esses marcadores sociais e econômicos como fonte de desigualdades educacionais é muito importante porque as desigualdades sociais e econômicas estão no DNA do Brasil”.
As pesquisadoras comemoram o fato de que as matrículas de estudantes com deficiência têm aumentado nos últimos anos, passando de 1,9% em 2013 para 2,9% em 2017 — resultado de políticas voltadas para uma educação inclusiva. A porcentagem é consistente com a população de crianças com deficiência do Censo demográfico de 2010 (em torno de 2%).
Porém, elas alertam para o fato de que essa taxa cai nos anos finais do ensino fundamental.
“Isso significa que muitos desses alunos vão ficando para trás, de uma maneira mais intensa do que acontece com os estudantes sem deficiência. Outras pesquisas também demonstram essa trajetória irregular dos estudantes com deficiência, seja pela reprovação ou pelo abandono escolar”, diz Flávia.
Outro aspecto que chama a atenção das autoras em relação aos dados de estudantes com deficiência é o que relaciona esse marcador social com a expectativa da(o) docente — indicador construído pelo NUPEDE. Ele se refere às inferências feitas pelas(os) professoras(es) sobre as possibilidades de sucesso escolar das(os) suas(seus) estudantes.
No estudo, foram feitas correlações entre as variações de composição social e características da escola (como infraestrutura geral, acessibilidade, ambiente para educação especializada (AEE), liderança administrativa, liderança pedagógica e currículo na escola).
A tabela abaixo mostra esses coeficientes de correlação:
“O fato de a expectativa do professor ter uma correlação negativa nas escolas onde há mais alunos com deficiência é preocupante e mostra justamente como a inclusão precisa ser mais ampla do que apenas garantir o acesso desses estudantes, e como é necessário um trabalho com os educadores nesse sentido, pois isso afeta o aprendizado”, diz.
Valéria de Oliveira, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Ao mesmo tempo, os dados mostram que a maior presença de alunas(os) com deficiência na escola não está associada a índices mais baixos de rendimento escolar (outro indicador também analisado no estudo). Outro dado que também chamou atenção foi o fato de que estudantes com deficiência estão matriculados em escolas com mais infraestrutura e recursos.
“Por um lado, isso indica que os estudantes com deficiência estão mais integrados em escolas com oferta pelo menos minimamente adequada. Mas, por outro lado, pode também sinalizar que, nos locais onde a infraestrutura é menos completa, esses estudantes enfrentam mais barreiras para a sua inclusão e/ou continuidade nos estudos” (p. 67)
Para Flávia, isso favorece ainda mais medidas no sentido da inclusão:
Parece que tem um direcionamento desses estudantes para algumas escolas que apresentam maior infraestrutura. Nelas, as expectativas docentes são mais baixas, mas, ao mesmo tempo, isso não se associa com o rendimento escolar. Logo, nos parece que a inclusão, apesar de todo esse cenário, significa sim ganhos para todo mundo”.
Relações entre os marcadores sociais, as escolas e o território
Enquanto as(os) alunas(os) com deficiência apresentam mais matrículas nas regiões de maior nível socioeconômico, as(os) estudantes pretas(os), pardas(os) e de baixo nível socioeconômico estão mais matriculados nas escolas de mais baixo nível socioeconômico.
Os mapas abaixo mostram essa relação, indicando tanto a distribuição das(os) estudantes por raça/cor quanto demonstrando que as escolas com maior nível socioeconômico estão no Sul e no Sudeste, conforme o já conhecido padrão de desenvolvimento econômico brasileiro.
“Os grupos mais excluídos, que são geralmente as crianças de famílias mais pobres, que vivem no campo, pretos, indígenas e quilombolas vivenciam as situações mais precárias de escolarização. Sendo assim, acabam enfrentando todas as formas de exclusão e marginalização, bem como desigualdades no acesso, na participação e nos resultados de aprendizagem”, afirma o documento. (p. 7)
Importância do acesso aos dados e políticas focalizadas
Mais do que trazer essas análises e essas relações entre diferentes fatores que ajudam a identificar ou reforçar problemas relacionados à desigualdade na educação brasileira, o estudo dá recomendações para políticas públicas e tomadoras(es) de decisão para dirimi-las.
As pesquisadoras destacam, por exemplo, a importância da coleta e da disponibilização dos dados do Censo Escolar para que sejam realizadas pesquisas nesse sentido. No que tange a questão da raça/cor, elas recomendam que seja realizado um trabalho com as secretarias de educação e as equipes administrativas das escolas para que a autodeclaração seja cada vez mais estimulada.
“Esse trabalho só foi possível porque trabalhamos com os dados públicos do Censo Escolar, com a possibilidade de chegar até o nível do estudante. É algo muito rico, que está sendo ameaçado pelo momento que estamos passando com a retirada dos microdados da educação do portal do INEP por uma interpretação, a nosso ver, errada da Lei Geral de Proteção de Dados. Além disso, é preciso avançar mais nessa coleta de informações, sensibilizando as secretarias na hora da matrícula para a autodeclaração”, diz Valéria.
A interpretação dos dados também deve ser pensada de forma que não gere a culpabilização de alguns atores da educação, como as(os) professoras(es), mas sim medidas a nível municipal, estadual e federal de intervenção e de políticas públicas que apoiem essas(es) profissionais no seu dia-a-dia:
“Se o docente não tiver por parte da rede ou do sistema orientações e procedimentos claros ou suporte para que ele tome as decisões e tenha a quem recorrer — tanto em termos de formação quanto em termos de intervenção direta na sala de aula —, ele vai continuar reproduzindo essas desigualdades no seu fazer pedagógico. Não adianta fazer um planejamento muito bonito se ele não chega à sala de aula. Não adianta fazer um uma política que só prevê a inclusão se o cotidiano não é afetado. Esse é o nosso desafio”, acrescenta.
Flávia acredita que as políticas precisam olhar para esses recortes, caso contrário não veremos mudanças:
Os problemas das desigualdades educacionais precisam ser enfrentados com políticas focalizadas. Do contrário, nós não conseguiremos de fato promover uma verdadeira inclusão. Nós colocamos sim essas crianças na escola, mas temos uma exclusão intraescolar que precisa ser solucionada”.
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