APC: novas estratégias para a aprendizagem em matemática
Formação e Laboratórios de Práticas propõem novas abordagens e metodologias para recomposição das aprendizagens nos municípios do Conisul Alagoas
Por Breno Procópio
Como as experiências pessoais podem contribuir para o aprendizado da matemática? Como superar as lacunas de aprendizagens idade-série sem comprometer o direito da criança a uma educação de qualidade e com equidade?
Quando o assunto é a matemática, perguntas não faltam. Numa lógica reversa ao estigma de que é impossível aprender essa disciplina, a tecnologia Apoio Pedagógico Complementar (APC) propõe metodologias que possibilitem às(aos) estudantes o fortalecimento da autoestima e a confiança necessária para acreditarem que nenhum problema é tão complexo que não possa ser resolvido.
Ao apostar na importância do clima emocional e da bagagem de conhecimentos práticos do dia a dia da criança, a metodologia APC vai construindo a muitas mãos um caminho de estratégias que favoreça a recomposição e garanta a aprendizagem continuada. Um extenso caminho que está sendo percorrido com as(os) profissionais da educação dos 17 municípios do Conisul Alagoas.
Estamos lá para dar as mãos, encontrar respostas juntos. Afinal de contas, a responsabilidade por uma aprendizagem de qualidade não é só do(a) professor(a) que está em sala de aula, não é da família, é de todos. Todas as esferas têm responsabilidades diferentes. As mudanças não serão imediatas, mas com persistência, com esse trabalho a longo prazo, elas vão acontecendo”.
– Aline Tiemi Yokoyama, técnica de projetos do Apoio Pedagógico Complementar
Metodologias pautadas na valorização dos saberes
Foram três dias de encontros presenciais – dois deles voltados para os Laboratórios de Práticas (22/08 e 24/08), nas cidades de Campo Alegre, São Sebastião e Penedo. Um outro dia inteiro foi dedicado à Formação (23/08 em Penedo). As atividades reuniram técnicas(os), gestoras(es) e formadoras(es) das redes municipais de educação do Conisul Alagoas.
A formação foi riquíssima, trouxe várias discussões e sugestões de como trabalhar matemática de forma interdisciplinar, atendendo às necessidades das(os) estudantes, mostrando que toda(os) podem aprender matemática de forma prazerosa.”
– Claudênia Ferreira dos Santos Nascimento, ponto focal do município de São Sebastião.
Um dos diálogos abertos durante a formação suscitou marcas positivas e também negativas sobre as experiências pessoais das(os) participantes em relação ao próprio aprendizado que tiveram da matemática. Entre os aspectos negativos, destacam-se as lembranças de momentos em que professoras(es) não aceitaram métodos diferentes dos tradicionalmente utilizados para a resolução de um problema.
Na contramão do discurso de que matemática é apenas técnica, o APC propõe uma metodologia que permita e incentive a(o) estudante a explorar diferentes possibilidades na resolução de problemas, aumentando assim o seu repertório e abrindo espaço para que a criança desenvolva as aprendizagens a partir de suas experiências e saberes pessoais.
A criança precisa identificar algo (no problema) que possa relacionar às coisas do seu dia a dia e que isso faça sentido pra ela. É preciso oferecer recursos para que a criança construa o conhecimento de maneira que possa resgatá-lo diante de cada situação apresentada.”
– Sandra Amorim, formadora de Matemática do Programa Apoio Pedagógico Complementar.
Ao permitir que a(o) aluna(o) faça uso de suas próprias estratégias, a(o) professora(or) não apenas valoriza os saberes da criança, mas também alimenta sua autoestima, facilitando sua integração e inclusão no contexto da turma, inclusive como agente produtora(or) de conhecimento. Ao partilhar a sua estratégia, a criança é estimulada a desenvolver a argumentação e a comunicar-se “matematicamente”, construindo novos valores e competências.
Enfoque na aceleração das aprendizagens: um olhar no presente voltado para o futuro
Para encarar de frente o desafio das lacunas após o retorno presencial, é necessário optar por um enfoque na aceleração das aprendizagens, rompendo com o olhar que foca naquilo que as crianças não conseguiram aprender para concentrar o olhar nas habilidades que ela precisa aprender no ano/série em que está matriculada. Desta forma, quebra-se o vício do tradicional modelo de recuperação ou remediação, que mantém o foco nas habilidades dos anos anteriores, impedindo o(a) estudante de avançar em novos conteúdos.
O trabalho focado na aceleração compreende e abraça não só as demandas de aprendizagens passadas, mas também as necessidades futuras. Ela pode ser entendida como excelente proposta, em detrimento à remediação, que compreende a(o) aluna(o) de forma limitada às faltas de aprendizagens passadas.”
– Agda Isabele Gonsalves Honorato, técnica formadora da Secretaria Municipal de Educação de Campo Alegre
A recomposição não deve repetir o modo convencional da recuperação paralela, em que era mais frequente concentrar-se nas lacunas de aprendizagens sem uma relação ativa com aquilo que a(o) estudante deveria estar aprendendo, o aprendizado atual, vinculado ao ano em que está matriculado(a).
Ao contrário, devemos proporcionar o benefício de uma abordagem de aceleração em que as dificuldades identificadas a partir das avaliações diagnósticas, e após uma priorização curricular, são trabalhadas por meio de uma situação problema, que exige que a(o) aluna(o) recorra a uma habilidade anterior para resolvê-la.
“O APC ajuda ampliar o que as(os) professoras(es) já sabem, a se abrirem para novos caminhos e perspectivas. Quem tem que detectar onde está a dificuldade da(o) aluna(o) é a(o) professora(or), e ela(e) deve centrar esforços neste conteúdo com dinâmicas diferentes, mas não centrar no conteúdo anterior, mas estimular a recomposição com novas estratégias, como o uso de jogos, brincadeiras, aulas práticas, vídeos etc“, explica Sandra Amorim.
Segundo Érica Catalani, coordenadora de projetos do Cenpec, na abordagem de aceleração, mesmo que seja preciso retomar um conteúdo, esta retomada sempre ocorre de forma conectada ao que está sendo estudado no momento.
É um olhar diferente, uma lógica diferente. Eu só vou olhar para a lacuna de aprendizado quando ela tem toda uma ligação com o conteúdo que está à frente. Não desvinculamos ou distanciamos a(o) estudante daquilo que ela(e) tem que aprender aqui e agora.”
– Érica Catalani
No Laboratório de Práticas, os participantes tiveram a oportunidade de trocar experiências, ouvir relatos e desafios enfrentados por outros municípios. No encontro, foram abordadas as questões que envolvem a priorização curricular e as práticas em sala de aula que podem contribuir para a recomposição e aceleração das aprendizagens.
O Laboratório de Práticas foi um momento rico, uma experiência maravilhosa, de muito aprendizado. O mesmo trouxe sugestões de como trabalhar matemática de forma lúdica, interdisciplinar, levando em consideração o conhecimento prévio das(os) estudantes.”
– Alíson Wagner dos Santos, técnico da Secretaria Municipal de Educação de São Sebastião.
Uma das grandes preocupações do APC é garantir o direito de todo(a) estudante a um aprendizado de qualidade. Ao contrário do que se possa imaginar, a priorização curricular não negligencia esse direito. Mesmo com a priorização, as outras habilidades são trabalhadas como complementares durante as atividades do ano e à medida em que despontam como necessidades para o progresso do(a) aluno(a).
“Quando levantamos a discussão da priorização, a gente nunca deixa de lado a questão da equidade. A gente não cerceia nenhum direito de aprendizagem. Ao discutirmos as metodologias, o que queremos é que os grupos com maiores dificuldades sejam atendidos e tenham seus direitos garantidos com qualidade e equidade“, completa Érica Catalani.
🧮 As múltiplas vivências e saberes como ferramentas para a aprendizagem da matemática
“Meu primeiro professor de matemática foi meu pai. Ele era comerciante e analfabeto. Eu era quem fazia as contas, a escriba. Meu pai foi meu maior incentivador para gostar de matemática. Coisas que você aprende na escola, com o conhecimento teórico, eu conseguia ver na prática do trabalho diário com meu pai.”
O relato foi de Laudeci Melo Santos Caetano. Com uma experiência tão particular de aprendizado, a coordenadora pedagógica no município de Penedo compreende bem a importância de se abrir para um novo olhar, uma nova abordagem em relação ao ensino da matemática.
“Nós temos vários meninas(os) cujos pais vivem de comércio; que às vezes pegam até carreto e ajudam os pais no dia a dia. Como eu, elsa(es) também podem transformar esse conhecimento, como um aliado no aprendizado da matemática formal“, compartilha Laudeci.
Laudeci destaca a resistência de alguns profissionais em trabalhar sob essa nova perspectiva, sendo a(o) professora(or) uma(um) “mediadora(or)” entre o conhecimento teórico e as vivências/saberes do(a) aluno(a).
“Eu espero que a gente não repita os mesmos erros de tantos professores anteriores. De como pessoas foram bloqueadas a aprender matemática pela forma de ensinar. Espero que a gente dê vida à matemática que chega aos nossos alunos, para que não vejam a matemática como um ‘bicho-papão’, uma coisa seca, mas como algo que está no nosso dia a dia“, afirma.
A cada encontro proporcionado pela parceria do Conisul e do Itaú Social no Programa Melhoria da Educação, que começou em 2021 e vai até 2024, o Cenpec, parceiro técnico na implementação da tecnologia de Apoio Pedagógico Complementar (APC), estimula ações de fortalecimento das equipes técnicas dos municípios na importante tarefa de recompor as aprendizagens em Língua Portuguesa e Matemática nos anos iniciais do ensino fundamental.
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