Evento realizado com jornalistas no Todos da Educação abordou Fundeb e dados trazidos pelo Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019
Por João Marinho
Aconteceu ontem (2), na sede do movimento Todos pela Educação, em São Paulo, um encontro com cerca de 30 jornalistas para apresentar em profundidade o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019, lançado no último dia 25 de junho, e debater o financiamento educacional no Brasil e o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).
A abertura do evento coube a Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos pela Educação, e Luciano Monteiro, diretor de relações institucionais da Editora Moderna, que fizeram uma apresentação das duas instituições e do Anuário. A publicação trouxe como um dos principais dados as desigualdades de investimento nas redes públicas estaduais e municipais.
O investimento foi o principal fio condutor da palestra realizada, na sequência, por Olavo Nogueira Filho, diretor de políticas educacionais do Todos Pela Educação.
De início, o especialista abordou os desafios trazidos pelo gigantismo da educação básica no Brasil: 184,1 mil escolas, 78,3% delas públicas, que concentram 48,6 milhões de matrículas (40 milhões nas públicas) e onde trabalham 2,2 milhões de docentes (1,8 milhão na rede pública).
Nogueira Filho propôs o que chamou de “fotografia” e de “filme” para entender o status da educação básica nacional. A primeira traz o retrato atual de indicadores sobre aprendizagem, financiamento e formação docente – que apontam uma série de preocupações legítimas e necessidade urgente de melhorias.
Já o “filme” parte de uma visão histórica da evolução da educação básica no País, marcada por muitos avanços, sobretudo após a Constituição de 1988 e particularmente nas últimas décadas.
Nesse sentido, entre os destaques, está o fato de que o Brasil, apenas em 1980, alcançou a cobertura de matrículas entre crianças e adolescentes que o Chile já tinha em 1930 – mas que elas se tornaram similares já em 1998. Ressalta-se também o aumento no investimento em educação básica considerando o Produto Interno Bruto (PIB), que hoje alcança 6,2%.
Além disso, entre 2007 e 2017, a porcentagem de alunos com aprendizagem adequada em língua portuguesa e matemática mais que dobrou no 5º ano do Ensino Fundamental, de 27,9% para 60,7% e de 23,7% para 48,9%, respectivamente. “Esses últimos anos na educação brasileira não foram em vão (…). O Brasil avançou muito, sobretudo na última década”, comentou a presidente-executiva, Priscila Cruz, durante o evento.
Há, no entanto, as notícias negativas. Os dados também demonstram, por exemplo, que a aprendizagem adequada no 9º ano do Fundamental tem evoluído em ritmo bem mais lento. No Ensino Médio, segue estagnada e até mesmo caiu em matemática entre 2007 e 2017, de 9,8% para 9,1%.
Somando-se a isso o fato de que, mesmo com a evolução do 5º ano do Fundamental, ainda é insuficiente ter quase 40% de estudantes com aprendizagem inadequada em língua portuguesa e mais da metade em matemática, a “fotografia” requer que mais ações em prol da educação sejam tomadas, em especial o investimento.
Fundeb e a distribuição dos recursos
No Brasil, o
Fundeb, criado em 2007, é o principal instrumento para financiar a educação.
Por ele, passam 63% das receitas vinculadas à educação e 45% do
investimento total da educação básica.
O efeito distributivo é elogiável – mas, apesar de ter reduzido disparidades, o Fundeb não eliminou as desigualdades de investimento entre as diferentes redes públicas, que pode chegar a sete vezes entre um município e outro.
Por que o Fundeb não eliminou as desigualdades?
No Fundeb, a redistribuição dos recursos ocorre primariamente em nível estadual. Os recursos de cada estado e de seus municípios sobem para o Fundo e são depois redistribuídos conforme o número de matrículas em cada rede.
Nos estados mais pobres, com menor capacidade de investimento, ocorre a complementação da União, estado por estado: avalia-se qual o estado com a menor média de investimento, que recebe a complementação até chegar ao nível do segundo menor – e assim sucessivamente, até que nenhum estado tenha menos que o mínimo fixado por aluno.
Atualmente, esse dispositivo tem garantido que a complementação chegue a nove estados, o que reduz as desigualdades, mas não as elimina, já que municípios mais pobres localizados em estados que não recebem a complementação, por exemplo, acabam prejudicados.
De acordo com Olavo Nogueira Filho, redes que investem menos de R$ 4,3 mil por aluno ao ano tendem a ter piores resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Acima desse valor, as diferenças na performance não são tão significativas, motivo pela qual o Todos pela Educação defende o valor como mínimo a ser investido para garantir aprendizagem adequada.
Para combater as discrepâncias, a organização propõe, ainda, ajustes para o que denomina “Fundeb equidade”. A proposta é que, ao longo do tempo, mediante uma transição que pode chegar a oito anos, a União, além de contribuir mais com o Fundo, complemente as verbas de acordo com as características das redes nos entes federados e as vulnerabilidades dos estudantes.
Com isso, municípios que precisam de mais complementação da União, por exemplo, receberiam mais investimento, independentemente do estado onde se localizam, garantido uma redistribuição intraestadual mais efetiva.
Hoje, a União realiza a complementação, condizente com 10% do volume do Fundeb, de acordo com o nível de investimento de estado a estado. O modelo, porém, faz com que o valor investido pela União chegue a um número reduzido de estados (veja no box acima). Como os níveis de arrecadação entre municípios é diferente, municípios em estados mais ricos, que não recebem a complementação, acabam tendo menos do que poderiam para investir.
Segundo o Todos pela Educação, elementos de um novo modelo distributivo já se encontram presentes nas discussões em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 15/2015, em trâmite na Câmara dos Deputados. “Há uma PEC também em trâmite no Senado, mas existe uma convergência, uma expectativa de uma tramitação acertada entre as duas casas, para a discussão sobre o financiamento avance”, avalia Caio Callegari, coordenador de projetos do movimento.
Formação de professores e diretores
A formação docente e dos diretores de escola também foram discutidas no encontro com jornalistas no Todos pela Educação. Baseando-se em dados da pesquisa de Bernardete Gatti (foto), a conclusão trazida durante o evento é que o Brasil gasta menos tempo na formação inicial de professores abordando o que e como ensinar em comparação, por exemplo, com Singapura, líder no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes).
O caso dos diretores de escola, por sua vez, chamou a atenção devido às questões políticas envolvidas e pelo impacto que a atividade tem nos indicadores da educação. “Na educação, os recursos humanos contam – em particular, a qualidade, a formação, o apoio e as condições de trabalho desses recursos humanos (…), e o fato é que 74% dos municípios brasileiros alocam seus diretores apenas por indicação política”, diz Olavo Nogueira Filho.
“Não há aqui uma mensagem de que não pode haver nenhum critério político para isso, mas o que a literatura mostra é que países e escolas que têm bom diretores fazem o processo de alocação trazendo algum tipo de elemento técnico nessa escolha”, explica o diretor.
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