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A hora e a vez da educação escolar indígena
Rosilene Tuxá, coordenadora de Educação Escolar Indígena do MEC, conta qual o panorama das escolas indígenas e quais as prioridades do governo para garantir o direito à educação dos povos originários
- Débora souza de britto
Por Stephanie Kim Abe
Para quem está na luta por direitos e igualdade, cada pequena conquista deve ser reconhecida e comemorada, pois é sempre fruto de muito suor e luta. No caso dos povos originários, ter a data 19 de abril reconhecida como Dia dos Povos Indígenas, e não mais como Dia do Índio, tal como fez o presidente Lula em seu tuíte hoje cedo, é uma dessas pequenas vitórias, que dizem muita coisa.
Quando o assunto é educação escolar dos povos indígenas, há muito ainda a ser feito. Quem reconhece e relata esses desafios é Rosilene Araujo Cataá Tuxá, coordenadora-geral de Educação Escolar Indígena na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) do Ministério da Educação (MEC).
A educação escolar indígena entrou em um processo de invisibilidade e falta de atendimento muito grande nos últimos anos. Houve ausência de política e de acesso aos programas nacionais de educação escolar. Nesse período, os povos indígenas montaram seu guarda-chuva – vamos assim dizer – para esperar essa tempestade passar, uma vez que não existia diálogo algum de inserção de qualquer política voltada para nós no antigo governo. Agora que a tempestade passou, vivemos um momento muito favorável para que haja uma abertura ao diálogo.”
Rosilene Araujo Cataá Tuxá
Aluna da primeira Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat), Rosilene foi coordenadora geral de políticas de educação escolar indígena no estado da Bahia por quase uma década, até 2016, e estava como coordenadora do curso de Licenciatura Intercultural Indígena (CLII) na Universidade Federal do Amapá (Unifap) até ser convidada para assumir o cargo no MEC.
Em entrevista para o Portal Cenpec, ela traça o panorama da situação da educação escolar indígena no Brasil, explica quais as prioridades deste governo e como e onde pretendem investir para garantir que o direito à educação de todas as crianças e adolescentes indígenas.
Confira abaixo!
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Portal Cenpec: Que análise a senhora faz das políticas voltadas para a educação escolar indígena nos últimos anos?
Rosilene Araujo Cataá Tuxá: Nós tivemos um retrocesso muito grande na última gestão do governo brasileiro em relação às pautas da educação escolar indígena. Primeiro, esse espaço da Secadi no MEC foi extinto. Então os povos indígenas, as diferentes modalidades, as diversidades foram excluídas do processo.
A educação escolar indígena entrou em um processo de invisibilidade e falta de atendimento muito grande. Houve ausência de política e de acesso aos programas nacionais de educação escolar.
Nesse período, os povos indígenas montaram seu guarda-chuva – vamos assim dizer – para esperar essa tempestade passar, uma vez que não existia diálogo algum de inserção de qualquer política voltada para nós no antigo governo.
Agora que a tempestade passou, vivemos um momento muito favorável para que haja uma abertura ao diálogo – tanto que os diagnósticos têm chegado muito rapidamente pra gente. Veja, por exemplo, a situação dos Yanomami. Todas as escolas indígenas do território estavam fechadas. Já temos uma boa parte delas reabertas.
O estado do Pará, por exemplo, não tem sequer ensino médio nas escolas indígenas, mesmo com a sua população indígena tão imensa. No Mato Grosso – estado que já foi referência em educação escolar indígena, com um excelente trabalho feito na universidade –, há um retrocesso muito grande, inclusive com ameaça de perder a cadeira indígena no Conselho Estadual de Educação.
Ainda estamos fazendo esse mapeamento inicial, mas já temos um trabalho que eu considero muito bom para darmos maior visibilidade, entender como está o cenário e, a partir daí, pensar as políticas com mais celeridade focal, pensando nas necessidades mais prioritárias.
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Portal Cenpec: Quais devem ser as prioridades do governo com relação à educação escolar dos povos indígenas?
Rosilene: Estamos investindo em formação inicial e continuada dos professores, porque entendemos que para dar continuidade à educação básica nas escolas indígenas é preciso ter professor qualificado, principalmente para expandir o ensino fundamental nos finais e o ensino médio.
Temos estados que estão avançados nesta oferta, claro, mas há outros que precisam de investimento para garantir essa oferta – e sabemos que essa política requer investimento grande.
Também estamos focando na necessidade de melhorar a merenda escolar, a infraestrutura e na produção de material didático.
O grande gargalo na questão do melhoramento da rede física, a meu ver, é a execução, nem tanto o financiamento. Vemos que existe o recurso, mas a obra acaba não acontecendo no território, seja por causa da burocracia, seja pelo difícil acesso. Estamos conversando com o FNDE para flexibilizar esse sistema de execução.
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Portal Cenpec: Há planos para ações ou programas conjuntos com outras áreas, instituições ou Ministérios, como o Ministério dos Povos Indígenas (MPI)?
Rosilene: Sim, estamos planejando ações em rede com o Ministério dos Povos Indígenas, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e as universidades, principalmente na questão das línguas indígenas.
O MPI criou uma Diretoria de Política Linguística e poderemos fazer um trabalho conjunto de produção de material didático, de formação, de montagem de um acervo a partir de um mapeamento de materiais importantes que foram confeccionados e que precisam ser republicados e distribuídos nas escolas.
Essa investida na questão da língua, com a produção de material de livros didáticos e paradidáticos, deve contar com a participação dos povos indígenas.
Uma ação do MEC, realizada em parceria com as universidades e que eu particularmente acho muito importante – inclusive participei como coordenadora adjunta em 2014 e depois como formadora – é a Ação Saberes Indígenas na Escola. Neste projeto, trabalhamos letramento e numeramento com professores das séries iniciais do ensino fundamental, investindo em sua formação continuada. Ao mesmo tempo que eles recebem a formação, eles também produzem materiais. O fato de os professores indígenas serem os sujeitos principais desta ação é o que eu acho mais importante nela.
Esse programa nasceu em 2014 e foi quase extinto no governo passado, com uma diminuição significativa de professores atendidos e de universidades parceiras. Sabemos que essa ação requer um aporte financeiro maior para dar maior vazão nas comunidades indígenas, além de maior visibilidade e autonomia. Estamos abrindo novas turmas e inserindo novas universidades nesse processo, com a ideia de fazer crescer essa rede.
Também queremos investir mais na política dos territórios etnoeducacionais, onde a educação se organiza por uma delimitação cultural. Nesses casos, o território tem vários desenhos: pode abranger um único estado ou pode abranger dois ou três estados, assim como um estado pode ser dividido em dois ou três territórios. Nesse território etnoeducacional, é construído um plano de ação de políticas, que são implementadas em rede com parceiros, como o MEC, as secretarias estaduais e municipais de educação, as universidades, a FUNAI e até mesmo organizações não governamentais e os povos indígenas.
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Portal Cenpec: De que outras maneiras vocês pretendem investir na formação de professoras e professores indígenas?
Rosilene: Estamos investindo também no Programa de Apoio à Formação Superior e às Licenciaturas Interculturais (Prolind), que dá apoio financeiro para as universidades investirem nos cursos de licenciaturas interculturais, ou seja, em cursos de formação inicial para professores indígenas.
Hoje temos 23 dessas licenciaturas. A nossa proposta é que as universidades institucionalizem esses cursos. Quando elas o fazem, elas passam a ter um colegiado autônomo, com professores concursados para licenciatura, e um ingresso por vestibulares e seleções que ocorre anualmente. Assim, conseguiremos ter um número maior de professores indígenas formados em licenciatura nas diversas áreas do conhecimento. Estamos fazendo essa investida para conscientizar as universidades a assumirem essa responsabilidade.
Sabemos que é preciso investir na formação inicial pra gente garantir a oferta de educação básica, principalmente nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Se não, não conseguimos avançar porque os professores não estão aptos a atuar nessas diversas áreas do conhecimento.
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Portal Cenpec: Por que o desafio é maior para a formação de docentes de anos finais do ensino fundamental e do ensino médio?
Rosilene: Eu considero a tarefa das professoras(es) indígenas um desafio imenso. Elas(es) são educadoras(es), pais, lideranças na escola com as(os) estudantes. Têm um conhecimento cultural de base daquela realidade local, de seu povo, cada um com o seu modo próprio de ser, de pensar. Com base nisso, precisam definir um calendário, um currículo específico para escola.
Quando se trata dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio, é preciso articular tudo isso com os conhecimentos básicos nas áreas do conhecimento: Ciências Sociais, Ciências da Natureza, Matemática e Linguagem. Essas(es) educadoras(es) precisam ter conhecimentos inerentes a cada área, como a etnomatemática.
As comunidades indígenas estão inseridas também na sociedade e, querendo ou não, estão o tempo todo concorrendo com ela – como no Enem ou ao prestar vestibular para ingressar em uma universidade. Assim, os estudantes indígenas precisam ter os conhecimentos básicos para também concorrer nesse sistema que muitas vezes exclui os povos indígenas porque eles estão em outro contexto de vivência e de relações com o território.
As licenciaturas mencionadas anteriormente têm um formato bem específico, organizado por área do conhecimento e pensado para o perfil da interculturalidade, intraculturalidade e da valorização identitária. Além disso, investem na produção de material didático e paradidático. Por isso são importantes e devem ser perenes e mais ofertadas.
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Portal Cenpec: Além da necessidade de formação docente, quais outros desafios para garantir a educação escolar das crianças e adolescentes indígenas e trazer para a escola aquelas(es) que estão fora dela?
Rosilene: Nós já conseguimos mapear duas questões emergenciais com relação a isso.
A primeira é que, muitas vezes, a escola sede ou escola-mãe, como chamamos, não atende a dinâmica territorial dos povos indígenas. Então as comunidades abrem escolas ou salas anexas, que atendem as crianças e adolescentes que não migram para outros territórios para estudar. Ainda não sabemos o número exato desses espaços, pois não temos o diagnóstico final.
Essas escolas/salas anexas acabam tendo um mínimo de estrutura para oferecer educação, mas não o suficiente para que as políticas cheguem nelas de fato – tanto é que não estão nem registradas no Inep, porque não existe um código para elas. Ou seja, para o Inep, essas escolas anexas não existem, sendo que são elas as que conseguem chegar de fato para as populações mais remotas e que mais precisam.
Então estamos fazendo um mapeamento desses espaços, para, com base nele, pensar um atendimento específico para esse público. Estamos em diálogo com o Inep também para achar um caminho que possibilite a elas terem um código independente, para terem visibilidade e sabermos quais as suas necessidades.
A outra questão relaciona-se com a crescente demanda de indígenas imigrantes, que tem aumentado muito em diversos estados do Brasil. Roraima acaba sendo a porta de entrada, pois eles vêm da Venezuela principalmente, mas vão se espalhando por diversos estados. O que acontece é que, até as crianças e adolescentes serem inseridos em uma escola perto de sua moradia, ao longo dessa jornada, já se passou muito tempo.
Por isso, estamos pensando em uma política que estamos chamando de “Escola de Transição”, onde vamos receber esses indígenas, dar esse atendimento inicial, e depois direcioná-los para alguma escola próxima de onde eles estejam se instalando.
A grande preocupação aqui é justamente com o contexto linguístico e cultural destes povos. Estamos desenhando essa política em parceria com o Unicef e esperamos que dê certo.
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Portal Cenpec: Qual a leitura que o governo faz da implementação da Lei 11.645/08? Há perspectiva de conversa ou articulação com outras áreas do MEC para garantir a inclusão da cultura e da história dos povos originários no currículo da educação básica?
Rosilene: Quando a Lei 11.645/2008 foi sancionada os povos indígenas estavam mais preocupados – e ainda continuam – com a chegada da educação escolar de qualidade nas escolas de seus territórios. Então é natural a sua dedicação maior para pensar a educação escolar indígena.
Assim, a Lei 11.645 foi instituída sem uma orientação, uma diretriz, ou sem que ela fosse tomada como uma política prioritária. Os estados, os municípios, as universidades, as escolas foram fazendo o que podiam, conforme o que entenderam da Lei, e ficou evidente que muitas das formas escolhidas para colocá-la em prática foram bem errôneas.
Os estados e os municípios não implementam muitas vezes essa política não porque não querem, mas porque há um desconhecimento muito grande. A sociedade brasileira desconhece quem são os povos indígenas na contemporaneidade. E, para não cometer equívocos, como sempre fizeram, preferem não lidar com essa Lei.
É preciso que o MEC invista em formação para que realmente a política de implementação dessa lei seja de fato uma política séria. Aqui na coordenação de Educação Escolar Indígena ainda não sentamos para pensar nessa implementação. Mas acredito que, dentro da Secadi, vamos dialogar com a Diretoria de Políticas de Educação Étnico-racial Educação Escolar Quilombola para pensar essa efetivação alinhada à temática negra, assim como, no MPI, vamos dialogar com a Diretoria de Políticas Linguísticas para esse mesmo fim.
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Portal Cenpec: Como você pretende ouvir e conversar com as comunidades indígenas para atender às suas demandas?
Rosilene: A retomada do diálogo com os povos indígenas é considerada fundamental pra gente. Devemos fazer todo o nosso planejamento em diálogo com a comissão do Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI), e o Fórum está sempre dialogando com as comunidades em seus diferentes grupos. Também vamos republicar a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI).
Queremos ter esse diálogo com os estados, para que implementem de fato as diretrizes da educação escolar indígena, fortalecendo as cadeiras dos indígenas nos conselhos estaduais e na abertura de conselhos específicos, ou diretorias nas Seducs.
Além disso, os povos indígenas estão pleiteando para o presidente Lula e o ministro da educação Camilo Santana a criação da Secretaria Especial de Educação Escolar Indígena, porque entendem que a educação escolar indígena precisa de mais autonomia para pensar políticas, orçamento e execução lá na ponta. Uma secretaria especial tem um organograma, uma estrutura de diretores e coordenadores que acreditamos poder dar mais celeridade para a captação de recursos específicos e a construção de políticas específicas, contribuindo para uma educação escolar indígena de maior qualidade.
O Ministro já se colocou bem favorável à criação da secretaria. Estamos esperançosos que agora no Acampamento Terra Livre tenhamos uma resposta positiva.
O nosso grande desafio é fazer com que a educação aconteça na ponta. As políticas precisam chegar de fato ao chão da escola indígena.
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📍A Universidade do Estado da Bahia (UNEB) abre inscrições para o curso on-line de extensão sobre a participação indígena na Independência do Brasil na Bahia. As aulas acontecerão aos sábados à tarde via Google Meet. O curso terá um total de 60 horas, A inscrição é gratuita e pode ser realizada até o dia 24/4. Inscreva-se. Maiores informações: indigenasnaindependencia@gmail.com
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