Quando a matéria é estudar – e descobrir – a própria identidade quilombola
Projeto de valorização da cultura quilombola em Barro Alto (GO) mostra como a educação antirracista pode ser mais efetiva quando trabalhada em consonância com a realidade local
Por Stephanie Kim Abe
Você já experimentou bolo de cartucho? Ele é feito de fubá de arroz socado no pilão, misturado com coalhada de leite, ovos, manteiga de porco, açúcar e queijo ralado. Para assar no forno de barro, ele é embalado na folha de bananeira, que serve como forma.
Se você é do município de Barro Alto ou arredores, na região da colonial e turística Pirenópolis, em Goiás, é bem provável que conheça essa receita. Afinal, ela é uma das mais tradicionais iguarias mantidas vivas pelas três comunidades quilombolas desse município de pouco mais de 10 mil habitantes.
Pode ser que, até meados de 2023, algumas crianças de Barro Alto não conhecessem essa receita – ou não soubessem que ela é herdada dos quilombos da região. Mas, como a valorização da cultura quilombola foi tema de trabalho de toda a rede municipal de educação ao longo deste segundo semestre, hoje as(os) 2,2 mil estudantes, além de professoras(es), diretoras(es), funcionárias(os), com certeza aprenderam essa e muitas outras informações sobre os quilombos – e sobre si mesmas(os).
🌱
Quilombola desde o princípio
Os quilombolas fazem parte da origem de Barro Alto, ocupando a região da fazenda Santo Antônio da Laguna e do Pombal antes da fundação da cidade, em 1949.
O quilombo do Pombal hoje está localizado oficialmente no território de Santa Rita do Novo Destino, mas fazia parte de Barro Alto até 1995, e por isso ainda é considerado como parte da cidade.
O que é um quilombo?
Quilombo foi o nome dado às comunidades formadas por pessoas escravizadas fugidas ou vítimas do sistema de escravização na época colonial.
De origem Bantu ( língua africana da região da atual Angola), a palavra quilombo tem, entre os seus significados, a denominação de um grupo de guerreiros ou de lugar de descanso/acampamento.
Um dos quilombos mais famosos foi o Quilombo dos Palmares, que ficava na Serra da Barriga, na antiga capitania de Pernambuco. Mas os quilombos se espalharam em diversas regiões, como Bahia, Maranhão, Pernambuco, Goiás, Paraíba, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio de Janeiro e a região amazônica.
📌
Atualmente, existem 1,3 milhões de quilombolas no Brasil (Censo 2022), sendo que 68,19% estão no Nordeste. Em Goiás, há 30.387 quilombolas. Ainda segundo o Censo, apenas 12,6% da população quilombola reside em territórios quilombolas oficialmente delimitados.
A nossa comunidade quilombola é urbana. Isso significa que não existe uma localização exata do nosso quilombo. Ou seja, vivemos dispersos pelos bairros, e por isso temos alunos quilombolas praticamente em todas as escolas municipais“, explica
Ozélia Teotônio Duarte
Ozélia faz parte do Grupo de Mobilização do PVE (Parceria pela Valorização da Educação), junto de outras lideranças quilombolas, técnicas(os) da secretaria municipal de educação, coordenadoras(es) pedagógicas(os) e gestoras(es) escolares.
Foi desse grupo a ideia de centralizar o plano de ação da Secretaria e das escolas na valorização da cultura quilombola, explica Nêuda Batista Mendes França, pedagoga, doutora em Educação e diretora da Escola Municipal Dona Quininha:
O tema surgiu em consonância com o mundo contemporâneo de combate ao racismo. Mesmo tendo muitos descendentes de quilombolas em nosso município, essa cultura e história nunca foi trabalhada nas escolas – ou seja, a cultura quilombola era invisibilizada”, diz.
José Mário Divino Aragão Silva, auxiliar administrativo e técnico formador da Secretaria Municipal de Educação de Barro Alto, conta como a temática era trabalhada antes e como a não abertura ao tema acabava por impactar nas(os) estudantes:
A cultura quilombola em nosso município é muito rica, porém não falávamos sobre isso. O que acontecia era, na semana da Consciência Negra, algumas salas produzirem cartazes sobre o povo negro, mas nada específico ou relacionado a nossa cidade. Nós percebemos que temos vários alunos que são quilombolas, mas que não se aceitavam – às vezes porque tinham vergonha, sofriam preconceito ou racismo, ou não se reconheciam como tal“.
Descobrindo a descendência quilombola
Mas não foram só estudantes que passaram a se reconhecer como quilombolas.
Alessandra Batista Borges Vieira é coordenadora pedagógica da Creche Municipal de Educação Infantil (CMEI) Milena Rabelo de Deus. Apesar de ser descendente de quilombola, pouco sabia sobre a cultura de seus ancestrais e se sentia insegura de trabalhar o assunto em sala de aula.
A formação que tivemos foi importante para nos dar mais segurança para trabalhar esse tema. Eu tinha mais conhecimento da cultura escrava que da dos próprios quilombolas. Foi surreal estudar, digamos, a nós mesmos – porque, afinal, a maioria da cidade é descendente de quilombola ou conhece alguém que é. Era como se estivéssemos vivenciando nós mesmos, trabalhando para conhecer cada um a si próprio“, relata.
Alessandra Batista Borges Vieira
Além da formação docente, cada escola pode optar de que maneira trabalhar a valorização da cultura quilombola com as(os) suas(seus) estudantes.
A líder Ozélia conta que essa é, de fato, a primeira vez que há a aproximação da escola com as comunidades quilombolas. Ela é funcionária pública desde 2005, e trabalha como secretária da Escola Municipal Dona Maria Divina da Silva há 3 anos.
Ao longo do último semestre, Ozélia fez palestras em diferentes escolas e CMEIs, e recebeu diferentes turmas em sua comunidade para lhes mostrar mais sobre as comidas típicas, as danças, as vestimentas etc.
Fomos decidindo juntos como íamos tocar o projeto desde a primeira reunião. Quando dou palestras nas escolas, todo mundo participa: professores, alunos, gestão, funcionários. Eu vejo que os estudantes gostam de participar e fazem perguntas. Tem sido muito bacana, porque eles dizem que antes conheciam a história a nível de Brasil, e agora conhecem a história a nível do município. E os professores têm me procurado na secretaria para saber mais sobre a nossa cultura. Eu fiquei maravilhada com o projeto e feliz de fazer parte desse movimento”.
Ozélia Teotônio Duarte, líder comunitária do quilombo Antônio Borges
Para José Mário, um dos resultados mais importantes desse processo foi o impacto no trabalho das(os) docentes. No começo do ano, a desmotivação das(os) professoras(es) da rede foi um problema apontado por algumas gestoras escolares a ser enfrentado ao longo de 2023.
“Conforme começamos o projeto, a Secretaria foi organizando visitas aos quilombos, comprando os livros para o acervo das bibliotecas, e as escolas foram realizando suas ações, vimos que houve uma reanimada entre as professoras. Elas começaram a ficar mais participativas e trazer ideias. Temos uma lista de professoras que ainda não conseguiram ir, por exemplo, ao quilombo do Pombal, onde há uma fábrica de farinha, e que querem levar suas turmas“, explica.
No dia 24 de novembro, turmas de sete escolas e cinco CMEIs apresentaram diferentes aspectos da cultura quilombola trabalhados ao longo do projeto na Noite Cultural II. Cerca de 3 mil pessoas foram à praça da cidade prestigiar as(os) estudantes e conhecer mais das vestimentas quilombolas, da dança do tambor, da catira, da riqueza dos quitutes tradicionais etc.
O Grupo de Mobilização criou uma revista que apresenta todas essas descobertas sobre os quilombos de Barro Alto, e espera imprimir e distribuir os exemplares ainda este ano.
A diretora Nêuda foi a responsável por realizar entrevistas com algumas das lideranças das três comunidades, fazendo questão de resgatar e registrar o modo de vida dessa populações tradicionais antigamente – da forma como as casas eram construídas à maneira como se locomoviam, passando pelas tradições religiosas, as danças e o artesanato, entre outros.
“Ainda há muito a ser feito, porque essa pesquisa que fiz foi muito rápida. Temos grandes problemas com a matrícula e os dados do município com relação à autodeclaração. Por causa da cultura da desvalorização que tínhamos, muitos estudantes não se assumem negros, quilombolas. A meu ver, devemos fazer um censo e, se tiver aumento de pessoas autodeclaradas negras, então poderemos dizer que o nosso projeto teve resultado”, diz Nêuda.
🌱
A importância da autodeclaração
A autodeclaração de raça/cor é importante porque traz dados concretos sobre a população, que são fundamentais para dar embasamento para e monitorar resultados de políticas públicas, como ações afirmativas.
Além disso, conhecer o perfil da comunidade escolar ajuda no processo de pertencimento e identidade, permite saber mais sobre a mesma e dá argumentos para a realização de ações e projetos de educação antirracista.
Há ainda materiais que fazem parte da campanha Declarar pra respeitar, colorir pra educar, criada pela Comunidade Cenpec para trabalhar a temática com a comunidade escolar. São ao todo três vídeos que abordam as diferentes dimensões da autodeclaração: identitária individual, pertencimento social e políticas públicas afirmativas.
A líder Ozélia acredita que a grande importância do processo é poder combater o racismo por meio da educação:
Não basta não ser racista, é preciso fazer algo para que isso não se propague, ou para que alguém não seja também racista. E eu vejo a escola fazendo esse movimento, tendo essa conscientização. Tanto os profissionais da educação como os estudantes podem levar essa mensagem para além da escola, porque nós carregamos os nossos aprendizados conosco. E se aprendemos que todos somos iguais, que a alma não tem cor, que sangramos todos vermelho, então poderemos acabar com o fruto da ignorância que é o racismo”, diz.
Ozélia Teotônio Duarte, líder comunitária do quilombo Antônio Borges
Para Rosani Aparecida dos Passos Bechelli, pedagoga, mestre em Psicologia da Educação e formadora do PVE, a forma como todo esse processo foi construído, em uma parceria entre a escola e a sociedade, é um verdadeiro exemplo de projeto de gestão democrática, no sentido de ser efetivamente participativo:
O projeto foi desenvolvido a partir de uma demanda, um desejo tanto da comunidade escolar como da sociedade local. Ou seja, foi desenvolvido para ter sentido para todas e todos. Não foi uma imposição de fora, um currículo externo que tinha que ser trabalhado. O que vimos foi a escola realmente considerar as pessoas e suas necessidades, estudando, valorizando e se aprofundando em tudo que formava essa história e identidade local. E por isso os professores, os diretores, os estudantes, os familiares ficaram animados e motivados a participar”.
O Saberes e Práticas do Cenpec usa cookies para salvar seu histórico de navegação. Ao continuar navegando em nosso ambiente, você aceita o armazenamento desses cookies em seu dispositivo. Os dados coletados nos ajudam a analisar o uso do ambiente, aprimorar sua navegação e aperfeiçoar nossos esforços de comunicação.
Quando visita um website, este pode armazenar ou recolher informações no seu navegador, principalmente na forma de cookies. Essas informações podem ser sobre você, suas preferências ou sobre seu dispositivo, e são utilizadas principalmente para o website funcionar conforme esperado.
A(O) usuária(o) também pode definir os cookies pelo navegador, veja passo a passo.
Cookies estritamente necessários para o bom funcionamento do ambiente, permitindo a navegação no site e a utilização de seus recursos.
Cookie
Duração
Descrição
_GRECAPTCHA
5 months 27 days
This cookie is set by the Google recaptcha service to identify bots to protect the website against malicious spam attacks.
ARRAffinity
session
ARRAffinity cookie is set by Azure app service, and allows the service to choose the right instance established by a user to deliver subsequent requests made by that user.
ARRAffinitySameSite
session
This cookie is set by Windows Azure cloud, and is used for load balancing to make sure the visitor page requests are routed to the same server in any browsing session.
cookielawinfo-checkbox-advertisement
1 year
Set by the GDPR Cookie Consent plugin, this cookie is used to record the user consent for the cookies in the "Advertisement" category .
cookielawinfo-checkbox-analytics
1 year
Set by the GDPR Cookie Consent plugin, this cookie is used to record the user consent for the cookies in the "Analytics" category .
cookielawinfo-checkbox-functional
1 year
The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin to record the user consent for the cookies in the category "Functional".
cookielawinfo-checkbox-necessary
1 year
Set by the GDPR Cookie Consent plugin, this cookie is used to record the user consent for the cookies in the "Necessary" category .
cookielawinfo-checkbox-others
1 year
Set by the GDPR Cookie Consent plugin, this cookie is used to store the user consent for cookies in the category "Others".
cookielawinfo-checkbox-performance
1 year
Set by the GDPR Cookie Consent plugin, this cookie is used to store the user consent for cookies in the category "Performance".
CookieLawInfoConsent
1 year
Records the default button state of the corresponding category & the status of CCPA. It works only in coordination with the primary cookie.
PHPSESSID
session
This cookie is native to PHP applications. The cookie is used to store and identify a users' unique session ID for the purpose of managing user session on the website. The cookie is a session cookies and is deleted when all the browser windows are closed.
Cookies analíticos são usados para entender como os visitantes interagem com o site. Esses cookies ajudam a fornecer informações sobre métricas como número de visitantes, taxa de rejeição, fonte de tráfego etc.
Cookie
Duração
Descrição
_ga
1 year 1 month 4 days
The _ga cookie, installed by Google Analytics, calculates visitor, session and campaign data and also keeps track of site usage for the site's analytics report. The cookie stores information anonymously and assigns a randomly generated number to recognize unique visitors.
_ga_*
1 year 1 month 4 days
Google Analytics sets this cookie to store and count page views.
_gat_gtag_UA_*
1 minute
Google Analytics sets this cookie to store a unique user ID.
_gid
1 day
Installed by Google Analytics, _gid cookie stores information on how visitors use a website, while also creating an analytics report of the website's performance. Some of the data that are collected include the number of visitors, their source, and the pages they visit anonymously.
ai_session
30 minutes
This is a unique anonymous session identifier cookie set by Microsoft Application Insights software to gather statistical usage and telemetry data for apps built on the Azure cloud platform.
ai_user
1 year
A unique user identifier cookie, set by Microsoft Application Insights software, that enables counting of the number of users accessing the application over time.
CONSENT
2 years
YouTube sets this cookie via embedded youtube-videos and registers anonymous statistical data.
Os cookies de publicidade são usados para fornecer aos visitantes anúncios relevantes e campanhas de marketing. Esses cookies rastreiam visitantes em sites e coletam informações para fornecer anúncios personalizados.
Cookie
Duração
Descrição
_fbp
3 months
This cookie is set by Facebook to display advertisements when either on Facebook or on a digital platform powered by Facebook advertising, after visiting the website.
test_cookie
15 minutes
The test_cookie is set by doubleclick.net and is used to determine if the user's browser supports cookies.
VISITOR_INFO1_LIVE
5 months 27 days
A cookie set by YouTube to measure bandwidth that determines whether the user gets the new or old player interface.
YSC
session
YSC cookie is set by Youtube and is used to track the views of embedded videos on Youtube pages.
yt-remote-connected-devices
never
YouTube sets this cookie to store the video preferences of the user using embedded YouTube video.
yt-remote-device-id
never
YouTube sets this cookie to store the video preferences of the user using embedded YouTube video.
yt.innertube::nextId
never
This cookie, set by YouTube, registers a unique ID to store data on what videos from YouTube the user has seen.
yt.innertube::requests
never
This cookie, set by YouTube, registers a unique ID to store data on what videos from YouTube the user has seen.