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Culturas ameríndias na escola
Como trabalhar as culturas dos povos originários nos espaços educativos? Material publicado originalmente na plataforma Educação&Participação
- Tamara Castro
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?
(Semente, canção de Siba, Bráulio
Tavares e Mestre Ambrósio)
As culturas dos primeiros povos que habitaram as terras brasileiras, suas narrativas, costumes, organização social, religiosidade, culinária, expressões artísticas, modos de ser, pensar e se relacionar com a natureza são uma das matrizes culturais do povo brasileiro. Respeitá-las e conhecê-las é fundamental para uma compreensão mais profunda de nossa identidade coletiva.
Com esse pressuposto, foi criada, em 10 de março 2008, a Lei n. 11.645, que determina:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos…”
Lei n. 11.645/2008
Mas quantos povos indígenas existem hoje no Brasil? Quais seus direitos? E, principalmente, como trabalhar esse tema nos espaços educativos? Para refletir sobre essas questões, reunimos informações, dados e sugestões de práticas educativas a serem desenvolvidas com crianças, adolescentes e jovens. Confira!
Em geral, as escolas tratam dos povos indígenas quando se aproxima o dia 19 de abril, quando se comemora o Dia do Índio. Mas qual é origem dessa data? Criada em 1943 por meio do Decreto-Lei n. 5.540, assinado pelo então presidente do Brasil Getúlio Vargas, a celebração tem sua origem no 1º Congresso Indigenista Interamericano, realizado no México três anos antes.
O encontro contou com a presença de autoridades governamentais da América, porém os diversos líderes indígenas que haviam sido convidados a participar não compareceram nos primeiros dias, já que há séculos suas populações eram perseguidas e dizimadas pelos “homens brancos”. Somente no dia 19 de abril de 1940, após reuniões e reflexões, os líderes foram ao congresso. O feito foi um marco histórico e ficou marcado, no continente americano, como o Dia do Índio.
A nossa luta é contínua na defesa dos povos da Amazônia. Acredito que essa data seja uma oportunidade de as escolas mostrarem a verdade: que fomos saqueados, roubados e que hoje vivemos na luta pelo nosso território. O Brasil precisa aprender a respeitar os povos indígenas.”
Karo Munduruku, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)
Ainda que muitos pensem que as palavras “índio” e “indígena” sejam sinônimos ou que a primeira é uma forma abreviada da segunda, suas origens e significados são distintos. Como descreve o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, em seu texto Povos indígenas. Os involuntários da Pátria, “Todos os índios no Brasil são indígenas, mas nem todos os indígenas que vivem no Brasil são índios”. Ele explica:
Índios são os membros de povos e comunidades que têm consciência — seja porque nunca a perderam, seja porque a recobraram — de sua relação histórica com os indígenas que viviam nesta terra antes da chegada dos europeus. Foram chamados de ‘índios’ por conta do famoso equívoco dos invasores que, ao aportarem na América, pensavam ter chegado na Índia. ‘Indígena’, por outro lado, é uma palavra muito antiga, sem nada de ‘indiana’ nela; significa ‘gerado dentro da terra que lhe é própria, originário da terra em que vive’. Há povos indígenas no Brasil, na África, na Ásia, na Oceania, e até mesmo na Europa.”
Eduardo Viveiros de Castro
E continua: “Os índios são os primeiros indígenas do Brasil. As terras que ocupam não são sua propriedade — não só porque os territórios indígenas são ‘terras da União’, mas porque são eles que pertencem à terra e não o contrário. Pertencer à terra, em lugar de ser proprietário dela, é o que define o indígena”.
“Uma de nossas conquistas mais recentes foi o reconhecimento do território indígena Sawre Muybu, que fica na região de Itaituba (PA), local onde o governo quer construir a usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. Ainda com essa vitória, temos diversos desafios e o maior deles é manter nosso rio [Tapajós] e floresta [amazônica] sem ser destruída. Vamos lutar unidos com os ribeirinhos, pescadores e apoiadores da causa indígena”, afirma Karo Munduruku.
Povo de tradição guerreira, os Munduruku dominavam culturalmente a região do vale do Tapajós, que nos primeiros tempos de contato e durante o século XIX era conhecida como Mundurukânia. Hoje, suas guerras contemporâneas estão voltadas para garantir a integridade de seu território, ameaçado pelas pressões das atividades ilegais dos garimpos de ouro, pelos projetos hidrelétricos e pela construção de uma grande hidrovia no Tapajós. Para saber mais sobre esse povo, acesse a página do Instituto Socioambiental.
Vale pontuar: a palavra ‘indígena’ vem do “lat.[im] indigĕna,ae ‘natural do lugar em que vive, gerado dentro da terra que lhe é própria’, derivação do latim indu arcaico (como endo) > latim clássico in- ‘movimento para dentro, de dentro’ + -gena derivação do rad[ical] do verbo latino gigno, is, genŭi, genĭtum, gignĕre ‘gerar’.
Significa ‘relativo a ou população autóctone de um país ou que neste se estabeleceu anteriormente a um processo colonizador’ […]; por extensão de sentido (uso informal), [significa] “que ou o que é originário do país, região ou localidade em que se encontra; nativo.”
Dicionário Houaiss Eletrônico
“Qual a construção imagética que se tem dos indígenas no Brasil, qual a representação construída nesses mais de 500 anos?”, questiona o professor de Letras da Universidade Federal de Roraima (UFRR) Devair Fiorotti. “Em geral, pessoas nuas e cheias de cocares. Isso quando não nos deparamos com perguntas como: ‘mas ainda existe índio de verdade no Brasil?’. Os indígenas brasileiros são muito mais do que isso e, principalmente, são nossos contemporâneos, muitos vivendo muito próximos a nós e nem por isso deixa(ra)m de ser indígenas”, reflete Fiorotti.
Estima-se que existam hoje no mundo pelo menos 5 mil povos indígenas, somando mais de 370 milhões de pessoas (Grupo Internacional de Trabalho sobre Assuntos Indígenas – IWGIA, 2015). No Brasil, até meados dos anos 1970, acreditava-se que o desaparecimento dos povos indígenas era inevitável, pois seriam desaculturados e assimilados à civilização predominante. No entanto, a partir da década de 1980, verificou-se uma tendência de reversão da curva demográfica e, desde então, a população indígena no país tem crescido de forma constante, indicando uma retomada demográfica por parte da maioria desses povos.
De acordo com o Censo Demográfico 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há no Brasil 896.917 índios de 240 povos indígenas. Destes, 324.834 vivem em cidades e 572.083 em áreas rurais, o que corresponde, aproximadamente, a 0,47% da população total do país.
A maioria das comunidades indígenas do Brasil vive em terras coletivas, definidas pelo Governo Federal como de seu usufruto exclusivo. As chamadas Terras Indígenas (TIs) somam, hoje, 705.
Conheça o quadro geral dos povos indígenas, organizado pelo ISA.
A Constituição de 1988 pode ser considerada uma conquista para a garantia de direitos dos indígenas no Brasil, pois modificou um paradigma e estabeleceu novos marcos para as relações entre o Estado, a sociedade brasileira e os povos indígenas.
Enquanto o Estatuto do Índio (Lei n. 6.001), promulgado em 1973, previa prioritariamente que as populações deveriam ser “integradas” ao restante da sociedade, a Constituição passou a garantir o respeito e a proteção à cultura das populações originárias. “O constituinte de 1988 entende que a população indígena deve ser protegida e ter reconhecidos sua cultura, seu modo de vida, de produção, de reprodução da vida social e sua maneira de ver o mundo”, destaca o professor de direito Gustavo Proença.
Conheça alguns dos direitos dos povos indígenas divididos por áreas
Educação: Os povos indígenas têm direito a uma educação escolar diferenciada e intercultural (Decreto n. 6.861/2009), bem como multilíngue e comunitária. Seguindo o que diz a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a coordenação nacional das políticas de Educação Escolar Indígena é de competência do Ministério da Educação (MEC) (Decreto n. 26/1991), cabendo aos estados e municípios as ações para a garantia desse direito dos povos indígenas.
Terra: A Constituição de 1988 estabeleceu que os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam são de natureza originária. Os índios têm a posse das terras, que são bens da União. Nas Disposições Constitucionais Transitórias, fixou-se em cinco anos o prazo para que todas as terras indígenas no Brasil fossem demarcadas. Porém, o prazo não se cumpriu.
Saúde: O Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, criado em 1999 (Lei n. 9.836/1999, conhecida como Lei Arouca), é formado pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIS), que se configuram em uma rede de serviços implantada nas terras indígenas para atender essa população, de acordo com critérios geográficos, demográficos e culturais.
Direitos sociais: Os indígenas são cidadãos plenos e têm direito aos benefícios sociais e previdenciários do Estado brasileiro. Como resultado da Constituição de 1988, e do reconhecimento dos novos direitos indígenas, houve um avanço no reconhecimento dos direitos previdenciários.
Você sabia que no Brasil há mais de 200 idiomas em uso?
Atualmente, 274 línguas indígenas são faladas no país, de acordo com o Censo Demográfico 2010, realizado pelo IBGE. No entanto, os povos indígenas apenas conquistaram seus direitos linguísticos com a Constituição Federal de 1988. O artigo 210 prevê o uso dos idiomas maternos, juntamente com a língua portuguesa, na aprendizagem escolar.
A partir de então, a educação escolar indígena passou a ser competência do (MEC), que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica, com o objetivo de normatizar os direitos educacionais dos povos indígenas e orientar as secretarias municipais e estaduais de Educação para a elaboração de projetos nas escolas.
“Hoje temos escolas nas aldeias, é ensinada a língua portuguesa, assim como a escrita munduruku. Nossas crianças e jovens aprendem a história do povo munduruku”, explica Karo Munduruku.
Saiba mais sobre as línguas indígenas na reportagem especial
Alfabetização e letramento indígena.
Para ampliar a reflexão sobre temas ligados às questões indígenas no Brasil, indicamos algumas oficinas que trabalham desde questões como a voz do povo indígena – e seu entendimento da história –, até a vivência de brincadeiras e musicalidades.
Brincadeiras Indígenas do Xingu
Com duração de aproximadamente 90 minutos, a oficina é uma experimentação das brincadeiras de crianças kalapalo, que vivem no sul do Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso.
Fala, índio!
Voltada a adolescentes e jovens, a atividade busca refletir sobre as diversas versões da história, que variam de acordo com seu interlocutor, por meio da escuta de diferentes líderes de povos indígenas do Brasil de hoje, sobre o que pensam de sua condição na sociedade.
A cultura indígena dançada e cantada
A atividade é uma aproximação do universo cultural indígena pela dança e pela música, buscando contextualizar as manifestações artísticas como produções culturais de um povo e de uma época.
Leia também:
Panton pia’: histórias ameríndias ao lado da história brasileira. Leia a entrevista com o professor Devair Fiorotti (UFRR) sobre projeto que envolve as artes verbais dos povos originários de Roraima
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