Outras e novas formas de expressar-se e comunicar-se pela língua escrita. Nesta segunda matéria em celebração ao Dia internacional da juventude (12/08), o foco são as práticas letradas entre os jovens
O acesso à leitura e à escrita é um direito fundamental de todo cidadão, e cabe ao Estado, por meio da educação, garantir esta que é uma das principais formas de inclusão social, cultural e política e de construção da democracia.
No entanto, há muito trabalho a ser feito. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2012, 8,7% de jovens e adultos brasileiros são analfabetos no Brasil. Já o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) de 2018 aponta que 29% da população entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais, ou seja, não conseguem ou têm muita dificuldade em compreender e produzir textos escritos.
Em um cenário de intensas transformações, promovidas pela popularização das novas tecnologias de informação e comunicação, educadores, famílias, pesquisadores e gestores da área de educação e cultura têm se questionado: quais são as práticas sociais de leitura e escrita entre jovens? E que caminhos a educação deve tomar para promover a inserção ativa das novas gerações na cultura letrada?
Para o jornalista catarinense Rogério Pereira, que também é diretor da Biblioteca Pública do Paraná, é papel da escola preparar os jovens para que se formem leitores críticos no mundo digital.
As mídias sociais são muito importantes para a difusão da informação, da leitura, da literatura, para que as pessoas escrevam… Cabe à escola dar instrumentos para que elas utilizem melhor as mídias sociais. Para isso é necessário apostar na educação, na sala de aula, no livro. Assim elas vão para o mundo digital mais bem preparadas.”
Rogério Pereira
Sobre a questão “o que os jovens estão lendo”, Pereira reflete que, além das leituras obrigatórias na escola e das obras que têm valor social no grupo de que fazem parte, eles estão lendo a si mesmos, o que reforça a importância de os educadores, como mediadores, observarem as possibilidades de identificação entre o leitor em formação e os livros a serem apresentados.
Já escritor e produtor cultural carioca Júlio Ludemir, criador da Festa Literária das Periferias (Flupp), que acontece desde 2012, destaca a literatura periférica, os saraus e as festas literárias que eclodiram por todo o território nacional como a grande novidade em nossa cena cultural.
Esses eventos ao mesmo tempo aproximaram a população mais pobre da cultura letrada e enriqueceram a literatura com a vivacidade do repertório oral de que a periferia é mestra. Além de transformar o cenário literário, esse diálogo aproximou os jovens das classes menos favorecidas do texto escrito. “O novo leitor está na periferia”, afirma Ludemir.
O que está emergindo pouco a pouco é toda uma produção a partir da periferia, a qual não será apenas consumidora, um novo fato econômico ou político. Ela será também um novo fato cultural, artístico, intelectual, teórico. A grande novidade, a nova baleia que vai vir ‘dar à praia na qualidade rara de sereia’ com certeza será negra, jovem, falará de um novo ator social que representa a nova realidade brasileira.”
Os jovens vivem momento peculiar da vida, em que a busca de experimentação, autonomia e construção da identidade se mistura às preocupações com o ingresso no mundo do trabalho para o autossustento e com a integração na sociedade.
A possibilidade de construir projetos de vida está relacionado à capacidade de integrar vivências passadas a sonhos de futuro. Para isso, as condições pessoais e sociais podem favorecer ou dificultar a realização de suas perspectivas. O domínio das habilidades de se expressar, comunicar e buscar informações e conhecimentos por meio da leitura, escrita, oralidade e outras linguagens é uma condição central para isso.
Como refletem as professoras Claudia Vóvio e Maria José Nóbrega, especialistas em ensino-aprendizagem da língua:
Para jovens e adolescentes, as Artes, a Música e a Literatura, articuladas à oralidade, à leitura, à produção de textos e a múltiplas linguagens para além da modalidade oral e escrita, colaboram para identificar campos de possibilidades e associam-se à construção de projetos de vida, de um futuro desejado.”
Claudia Vóvio e Maria José Nóbrega
Nas palavras das pesquisadoras, as experiências pessoais e coletivas dos jovens com as múltiplas linguagens “estão integralmente conectadas às identidades e à consciência que se tem de si mesmo, porque implicam transformações nas formas de interação, em valores e gostos e de modelos de ação para agir no mundo”.
Assim, as autoras destacam a importância de ambientes que propiciem a colaboração, o compartilhamento na produção de conhecimentos entre os jovens para a ampliação de seu letramento e de sua formação cidadã.
As redes sociais têm sido cenário para que muitos jovens se mostrem protagonistas no meio digital, utilizando as novas ferramentas comunicativas para não apenas se apropriar da cultura letrada, mas também para criar e divulgar suas produções – poemas, contos, canções, ilustrações, vídeos… Assim, buscam expressar e compartilhar informações, sentimentos, dúvidas e opiniões.
Na reportagem a seguir, focamos duas iniciativas de jovens que exploram a leitura e a escrita em rede: o blog Cronicanto e a revista Capitolina. Um dos aspectos ressaltados por participantes de ambos os grupos é a possibilidade de criarem de forma autônoma e ao mesmo tempo colaborativa.
Vemos o mundo com outros olhos, aceitamos as opiniões dos outros cronistas, o que ajuda a formar nossa identidade com mais maturidade, já que sabemos aceitar vários pontos de vista. Sem contar que o blog nos mantém unidos. Formamos um grande grupo de amigos reunidos em torno de um gosto comum, escrever.”
Isabela Cogo, jovem escritora do Cronicanto
Já revista on-line Capitolina destaca como valores a diversidade e a representatividade. Entre seus objetivos está trazer as diversas vozes e imagens das mulheres jovens, focando a importância de ir além dos padrões hegemônicos na grande mídia e na sociedade.
Nossa intenção é representar todas as jovens, especialmente as que se sentem excluídas pelos moldes tradicionais da adolescência, mostrando que elas têm espaço para crescer como são.”
Em artigo publicado em 2014, Alexandre Barbosa Pereira, professor de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), discute relação entre escola, juventudes e tecnologias digitais. O pesquisador defende que a tecnologia adentra nas escolas incorporada aos modos de os jovens verem e experimentarem o mundo. Segundo ele, “os itens tecnológicos tornam-se porção fundamental das técnicas corporais juvenis, das formas de disporem seus corpos e sentidos”.
As novas tecnologias da comunicação e da informação não apenas produzem novas formas de conhecimento, como também proporcionam novas formas de pensar e com as quais organizar o pensamento. Trata-se de novas formas de letramento.”
Alexandre Barbosa Pereira
Daí a importância de os educadores e gestores refletirem sobre como aliar as novas tecnologias aos currículos e às metodologias, no cotidiano escolar.
Trata-se de pensar as diferentes formas de letramento que os jovens elaboram com a escola, sem a escola e para muito além da escola. Letramento aqui entendido muito mais como prática social e leitura do mundo, do que apenas como alfabetização.”
Alexandre Barbosa Pereira
O autor destaca também a importância de a escola desenvolver um “olhar antropológico para os modos de vida dos jovens contemporâneos”, a fim de compreender as diversas formas de os jovens serem e se expressarem, colaborando para uma educação inclusiva e plural, que contribua efetivamente para a construção de uma sociedade democrática.
A voz dos jovens mineiros na escrita de seu território
As tragédias de 2015 e 2019 nas cidades mineiras de Mariana e Brumadinho, causadas pelo rompimento das barragens da empresa Vale, causou centenas de mortos, desabrigados, além de danos considerados irreversíveis ao meio ambiente local. Anos antes desses eventos terríveis, jovens moradores de Brumadinho e Mariana, participantes das edições de 2012 a 2016 da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, já alertavam, em artigos de opinião escritos para o concurso, sobre esse risco iminente.
Essa constatação, feita pela pesquisadora Raquel Coelho, que está analisando artigos de opinião participantes da premiação, desperta a atenção dos educadores para a importância de ouvir profundamente o que dizem os jovens, em suas falas, escritas e mesmo nas ações e nos silêncios significativos. Como reflete a coordenadora da Olimpíada de Língua Portuguesa:
Essas tragédias humanas e ambientais nos fazem refletir sobre a urgência de publicarmos a escrita desses jovens em diferentes mídias, ampliar o espaço de participação social da juventude para que suas vozes ecoem nas escolas, pelos municípios, estados e nas mais distantes regiões do país.”
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