Naturalizar a paz: Semana da Infância e Cultura de Paz de 9 a 15/10

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Naturalizar a paz: Semana da Infância e Cultura de Paz de 9 a 15/10

Por Stephanie Kim Abe

Em meio a tanta violência contra crianças e adolescentes – como vimos recentemente nos episódios de ataques às escolas ou nos números de violência não-letal contra esse público trazidos pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública –, falar em cultura de paz pode até parecer utópico. 

Cristiano dos Santos

Cristiano dos Santos, educador com formação em Educação Física, mestrando em Educação e formador de professoras(es), lembra que o processo histórico de construção do Brasil contribuiu muito para esse cenário violento que temos hoje:

Nós somos uma sociedade construída sobre um regime de escravidão, que saiu dele para cair em uma ditadura e ainda hoje reverbera esses resquícios. No contexto educacional do Brasil, o que temos é uma educação muito violenta, que acaba passando esses princípios e valores violentos para um indivíduo que está ali enquanto aprendente. Sendo todos seres sociais, aprendemos nessas trocas sociais que acontecem diariamente – ou seja, aprendemos a se relacionar violentamente”. 

Enquanto pensamos em soluções rápidas e imediatas, como mais vigilância ou protocolos para prevenir episódios violentos nas escolas, ou punição dentro de casa para quem comete infrações, deixamos de lado o olhar para a cultura de paz como uma maneira de mudar mais profundamente e permanentemente as relações e interações que temos umas(uns) com as(os) outras(os). 

Daí a cultura de paz como uma maneira para começar a quebrar esses ciclos de violência estruturais que existem na sociedade brasileira, principalmente porque ela não pressupõe o fim dos conflitos (o que seria sim utópico), mas sim uma outra maneira de lidar com eles.

Conforme indica a Unesco, a cultura de paz é um conjunto de valores e atitudes, modos de comportamento e de vida que rejeita a violência e que aposta no diálogo e na negociação para prevenir e solucionar qualquer tipo de conflito. Então não é que existe uma ausência de conflito, mas sim entender como solucioná-lo através do diálogo para poder agir sobre essas causas.”

Cristiano dos Santos

Naturalizar a paz

Todo ano, a Aliança pela Infância promove essa perspectiva por meio da Semana da Infância e Cultura de Paz. Este ano, ela ocorre entre os dias 9 e 15 de outubro em todo o Brasil. 

O objetivo é chamar atenção desse tema, buscando incentivar que qualquer pessoa, escola, coletivo realize ações em diferentes espaços – todas gratuitas – que trabalhem essa temática. 

Clique aqui para inscrever sua atividade e saber mais

Como explica a organização:

É um princípio fundamental da cultura de paz poder estar no mundo de corpo e alma, atuando com presença plena e aprendendo por meio de relações afetuosas em todos os contextos, para que possam conviver harmoniosamente com a sua própria natureza de criança em seus quatro atos essenciais – Aprender, Brincar, Comer e Dormir (o ABCD Encantado da Infância). Neste contexto, o desenvolvimento infantil pleno e digno está diretamente relacionado a um contexto ambiental e social mais equilibrado no qual crianças e adultos podem atuar no mundo a partir de valores de tolerância, respeito, empatia, acolhimento e não violência.”

Aliança pela Infância

O tema deste ano é “naturalizar a paz”, para estimular a ligação entre as crianças e a natureza. Cristiano dos Santos, que é também membro e colaborador da rede Aliança pela Infância desde 2018, realça que, principalmente nas cidades, são cada vez menores as oportunidades e os espaços disponíveis para que as crianças tenham esse contato e aprendam a ter relações diferentes com o tempo e o entorno. Ele se lembra do filme O Começo da Vida 2, que explica a importância dessa relação.

“Quando perguntamos para as crianças ou para adultos ‘o que é natureza?’, muitas começam a elencar elementos que estão fora dela. Ou seja, elas não se percebiam como alguém que faz parte da natureza. As crianças Yanomamis, ao contrário, desenhavam partes do seu próprio corpo quando confrontadas com a mesma pergunta. Elas se sentem parte da natureza. Naturalizar a paz é mostrar que somos parte natural desse todo. Nós somos fruto da terra, e portanto pertencentes a ela“, explica Cristiano. 

Ele ainda comenta que:

As crianças estão perdendo a oportunidade de viver a natureza e a se perceber como parte dela. Isso faz com que elas tenham uma relação muito fictícia, quase como ir ao zoológico para ver animais – esquecendo que todos os dias você pode perceber um animal ou um elemento da natureza, que ele está sempre no seu dia a dia.”

Cristiano dos Santos

Por isso, é importantíssimo pensar ações e atividades que promovam essa relação, esse olhar cuidadoso, essa troca. Por exemplo, olhar para o território e descobrir as praças e parques que existem no bairro, visitando-os e sentindo-se parte desses ambientes. 

“Quando for fazer uma brincadeira, tentar tirar os sapatos, colocar os pés no chão, na grama. E mudar a nossa percepção de tempo. Em São Paulo, por exemplo, estamos sempre na correria e muitas vezes não percebemos que estamos correndo para fazer nada. Não pensar tanto no tempo do relógio, mas no tempo da experiência. Não importa quanto tempo você vai olhar para o céu e contemplar as estrelas, mas sim entender que há momentos em que se pode fazer isso e aproveitá-los”, indica Cristiano. 

O site da Aliança pela Infância apresenta e explica essas e outras atividades, de forma a inspirar educadoras(es), familiares e demais pessoas interessadas a pensarem diferentes ações e brincadeiras para estreitar essa relação de naturalizar a paz.

Precisamos mudar a filosofia do que é brincar. O brincar é aquilo que te leva a ter um prazer na situação em que está e no que faz.

Cristiano dos Santos
Vídeo Caramba, carambola: o Brincar tá na escola (Cenpec/FVW)

No ambiente escolar, o educador chama atenção para a necessidade de mudar as relações que se estabelecem na escola e a forma como ela lida com o conflito:

“Desde a Educação Infantil, o que vemos são educadores que buscam a ausência do conflito. Se há uma briga por um brinquedo, geralmente a professora arranca ou troca o brinquedo. Não se busca soluções de diálogo, pacíficas. Se olharmos para as relações entre gestão educacional, gestão escolar e corpo docente, também vemos que elas partem de um princípio violento, em que um fala e o outro faz. Não é um ambiente democrático, de escuta. Uma solução, por exemplo, seriam os fóruns educativos, para conversar sobre as situações abertamente entre todas e todos”.

🕊️Entenda por que a melhor arma da escola contra a violência é a cultura de paz

Para saber mais: Podcast sobre infância e cultura de paz

Em colaboração com o Brasil de Fato, a Aliança pela Infância produziu dois episódios de podcast que versam sobre a infância e a promoção da cultura de paz. 

No episódio Cultura de Paz e Crianças em Contexto de Vulnerabilidade, Reinaldo Nascimento, especialista em Pedagogia da Emergência, e Luiz Kohara, representante do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, falam sobre suas experiências para promover a cultura de paz com crianças vulneráveis ou em contextos de violência, tanto no Brasil quanto em outros lugares do mundo. 

No episódio O brincar que promove paz, Tais Frois, pedagoga e fundadora do projeto Oca Infância, e Alexandra Contocani, arte-educadora e fundadora do coletivo Oquecabeaqui?, compartilham suas visões e reflexões sobre a potência do brincar para ensinar empatia e resolução de conflitos.

https://open.spotify.com/episode/1sFuqzO35ke2WbQcNFtk2x 

Os dois episódios foram lançados no âmbito da Semana da Infância e Cultura de Paz de 2022.

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