Qualquer pessoa pode participar do evento, que acontece de 22 a 30 de maio e tem como tema “casinhas de infância”
Por Stephanie Kim Abe
O faz de conta de casinha é uma das brincadeiras mais naturais que fazemos quando crianças. Mais do que imaginar novos mundos e assumir representações que vemos no nosso dia a dia familiar, o brincar de casinha é também uma atividade lúdica que expressa a necessidade de proteção e acolhimento que costumamos encontrar no ambiente domiciliar.
É por isso que a Semana Mundial do Brincar traz esse tema para a sua 12ª edição, que acontece entre os dias 22 e 30 de maio de 2021 por todo o Brasil. O evento, promovido pela Aliança pela Infância, acontece anualmente na semana em que se comemora o Dia Mundial do Brincar (28 de maio).
Qualquer pessoa, organização, coletivo, escola pode participar e realizar qualquer atividade que valorize o brincar de casinha, a casa e as tradições de brincadeiras, já que a programação é construída coletivamente.
Ainda que não seja obrigatório o cadastro, há a possibilidade de inscrever a sua atividade no evento, para que ela seja incluída na programação oficial e trazer mais mobilização em torno do direito de brincar. O(a) participante também pode registrar a atividade e marcar a Aliança pela Infância nas redes sociais, com as hashtags #smb2021 e #semanamundialdobrincar.
Como explica Letícia Zero, coordenadora da secretaria executiva da Aliança pela Infância:
Costumamos dizer que brincamos uma semana para brincar durante o ano todo. A intenção da Semana Mundial do Brincar é sensibilizar a sociedade para a importância do brincar livre. Por isso não há necessidade de validação por parte da organização. Mas quando a pessoa se inscreve, conseguimos ter uma dimensão das propostas realizadas e do tamanho da mobilização, e o proponente tem a possibilidade de dar mais visibilidade à sua atividade, já que ela entra na nossa programação oficial.”
A seguir, Letícia Zero fala mais sobre a importância do evento e os desafios que do brincar em tempos de pandemia. Confira a entrevista abaixo:
Portal Cenpec Educação: Por que a escolha do tema “casinhas das infâncias”?
Letícia Zero: A escolha do tema da Semana Mundial do Brincar sempre leva em conta alguns aspectos que envolvem a nossa rede e o evento. Primeiro, fazemos a escuta atenta do Conselho Deliberativo e do movimento da Aliança pela Infância, que é composto por 28 núcleos espalhados pelo Brasil inteiro e que estão atuando diretamente com crianças a partir da nossa carta de princípios. A ideia é entender que temas estão pulsando em cada território, buscando conseguir acolher todos eles – ainda que essa seja uma missão muito difícil, dada a diversidade no Brasil e no mundo.
Depois, olhamos os temas dos anos anteriores da Semana Mundial do Brincar, para conferir se a narrativa faz sentido e se conseguimos sistematizar os conhecimentos que vamos acumulando ano a ano.
Quando a pandemia irrompeu no Brasil ano passado, em março, estávamos já no processo de produção da Semana Mundial do Brincar 2020 e, portanto, decidimos manter o tema, apenas incorporar a mensagem do brincar em casa. Até pensamos em cancelar a edição, mas é justamente em momentos de crises que as crianças têm os seus direitos mais negligenciados. E a criança nunca para de brincar.
Este ano, quisemos aprofundar a questão do brincar em casa, visto que, com toda a evolução que tivemos dos efeitos da pandemia para crianças e famílias, percebemos ser muito importante continuar olhando para essa convivência dentro de casa e também essa questão da cultura das infâncias – que é essa teia de saberes lúdicos que são passados nas manifestações culturais.
Daí surgiu o tema “casinhas das infâncias”, que na verdade se desdobra em vários outros. Primeiro, a casa sempre foi um espaço de brincar, mesmo quando não estávamos em situação de isolamento social. Todos os espaços onde a criança habita permitem essa espontaneidade lúdica o tempo todo. A diferença é que agora temos que ter esse olhar para a maneira linda como o brincar ressignifica a casa, os seus objetos e espaços.
A casa é uma fortaleza do ser humano, um espaço de acolhimento, de pertencimento, de proteção, de se refazer. O brincar é a fortaleza da criança, assim como a do ser humano é a casa. Ela é também um espaço de direito – e por isso o tema traz também o debate sobre o direito à moradia decente.
O brincar de casinha aparece nas crianças que não têm casa e reflete a necessidade de expressar essa proteção e acolhimento que acontecem em situações domésticas, que nem sempre estão dentro de casa. Por isso é preciso ter esse olhar para essa atividade que é tão simbólica e importante para as crianças.
Portal Cenpec Educação: Quais as ameaças à infância e ao brincar a pandemia trouxe?
Letícia Zero: Vejo três pontos complicados para o brincar das crianças durante esse período pandêmico.
Primeiro, as dificuldades que os adultos estão enfrentando para manter a sua relação com as crianças no brincar. Cuidadores, no geral – que, infelizmente nem sempre são adultos -, estão vivendo questões de ordem práticas complexas. Alguns adultos estão sem trabalho e precisam lidar com as preocupações sérias que decorrem dessa situação (como garantir comida, pagamento de aluguel, etc). Outros, em situação de home office, têm trabalhado mais do que antigamente. Muitas vezes eles até acham que conseguem acompanhar a criança e trabalhar, mas a rotina é tão forte que acabam não conseguindo criar novas dinâmicas para garantir que o brincar aconteça. Muitas famílias têm narrado que estão esgotando as atividades, não sabem mais o que oferecer para as crianças.
Segundo, a pandemia trouxe impactos na socialização das crianças, já que elas foram privadas do convívio com outras crianças. O brincar é um elemento que favorece o desenvolvimento social e afetivo da criança também. Se elas não estão podendo socializar com outras pessoas de sua idade, temos uma perda de aprendizado relacionado a negociações e a valores. As relações ficam prejudicadas.
Terceiro, temos a diminuição da convivência em outros espaços. Embora os espaços abertos não apresentem tantos riscos de transmissão, elas estão mais restringidas, sem poder ir à praça ou o parque, sair de casa etc. Elas perdem o convívio com o natureza e com espaços que oferecem outras possibilidades e investigações de mundo, e que favorecem a criatividade e a espontaneidade do brincar.
Portal Cenpec Educação: Neste momento, em que muitas crianças estão em ensino remoto, qual é o papel da escola e do(a) professor(a) no estímulo à brincadeira? Como fazer isso?
Letícia Zero: É muito importante entender a tecnologia como aliada. Por muito tempo tivemos um pé atrás com relação à tecnologia na infância, principalmente na primeira infância, já que esse contato intenso pode ser prejudicial para as crianças pequenas. Mas estamos vivendo um momento sui generis, que não dá para falar não às telas. Elas estão presente nas relações em que estamos vivendo no momento.
Dito isso, precisamos sempre ter em mente que a tecnologia deve ser usada como mediadora da brincadeira, mas não como elemento final. O brincar deve realmente acontecer não na relação com a tela, mas no concreto. E deve ser estimulado não apenas para as crianças até 6 anos, mas também nas atividades pedagógicas para crianças do ensino fundamental. As crianças mais velhas podem e devem brincar, porque esse também é um direito das crianças da segunda infância.
Um professor que planeja uma atividade de construção de um brinquedo, por exemplo, pode realizar uma primeira parte da proposta em conjunto com os alunos, em frente às telas, explicando o que fazer, e depois propor uma brincadeira com o objeto construído que ocorra sem a necessidade de estarem conectados, em outros ambientes da casa, por exemplo. Ele pode pedir para que os familiares registrem e enviem essas imagens para o educador, que então parte desse material para planejar as próximas atividades.
Essa relação professor(a)-família-aluno(a) é outro aspecto que as escolas precisam prestar atenção. Alguns(mas) professores(as) têm narrado o desafio de realizar as suas práticas sob o olhar constante das famílias nas aulas on-line. É como se a mãe, o pai estivessem dentro da sala de aula, criticando, observando e escrutinizando todos os mínimos detalhes da relação professor(a)-aluno(a) pela tecnologia.
É preciso aproveitar esse olhar mais atento dos familiares a favor da escola. No caso, envolvê-los como parceiros das propostas de brincadeiras. O diálogo do(a) professor(a) pode ser direto com os(as) cuidadores(as) em alguns momentos, no sentido de ensinar para eles(as) as brincadeiras e atividades que podem fazer com as crianças em casa. Por exemplo, ensinar uma família a contar uma história que ela pode depois contar às crianças e sugerir uma brincadeira a partir dessa leitura.
Não acho que seja ignorar a relação direta professor(a)-aluno(a), que é muito importante e também precisa ser fortalecida neste momento, mas de estimular uma relação mais próxima com as famílias, para que sejam aliadas do trabalho realizado pela escola.
Casinhas das Infâncias: acolhimento, o brincar e o imaginário
Como parte da Semana Mundial do Brincar, o SescSP realiza conversa com os educadores Maria Shu, Soraia Chung Saura e Gandhy Piorski. O evento on-line acontece 22/5, sábado, às 16h, no YouTube do SescSP.
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