“O manual é ambíguo, fala em
educação integral, mas não se aproxima dessa proposta. É uma concepção de educação mais autoritária,
que tenta introjetar as normas pelo constrangimento, e não pelo convencimento,
pelo diálogo”.
A avaliação é do diretor de Pesquisa e Avaliação do CENPEC Educação, Romualdo Portela de Oliveira, sobre o Manual das Escolas Cívico-Militares, que rege como devem funcionar as mais de 50 instituições que foram contempladas pelo Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM).
Educação integral e os
equívocos da militarização
Divulgado neste mês de fevereiro pelo Ministério da Educação (MEC), o documento – que, segundo apuração, já foi enviado a algumas escolas – informa, entre seus objetivos, a promoção da autonomia, do desenvolvimento integral e o respeito às diferenças.
No entanto, “esse discurso não encontra respaldo no que o restante do manual propõe”, diz a reportagem assinada por Ingrid Matuoka para o Centro de Referências em Educação Integral na última quinta-feira (13).
O texto traz as avaliações de Romualdo Portela de Oliveira; Cleuza Repulho, ex-presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e atualmente conselheira do CENPEC Educação; e Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Segundo a reportagem, o manual, em mais de 300 páginas, estipula regras como pontos numéricos para os estudantes receberem elogios e repreensões, com prêmios e castigos, regras para cortes de cabelo e uniforme, pouco espaço para a participação estudantil e a polêmica possibilidade de o Ministério da Defesa ou as forças de segurança estaduais ou municipais serem acionados pela direção em casos de “conflitos escolares”.
Para Telma Vinha, no modelo
de escolas cívico-militares, não há “espaço para tomar decisões, colocar
conflitos e chegar em soluções cooperativas e argumentar. É uma escola que
forma para a obediência à autoridade, e não para as leis e princípios”. Já
Cleuza Repulho aponta como preocupante que a educação seja posta sob
responsabilidade militar.
Essas questões precisam ser resolvidas por educadores. Polícia e exército têm outras funções, e não têm o preparo para isso.”
Cleuza Repulho
Romualdo Portela de Oliveira também alerta que a promoção das escolas cívico-militares se tem fundamentado em dois pilares falaciosos, como o discurso da maior segurança, que acaba sendo imposta coercitivamente, e um falso paralelo com as escolas militares mais reputadas, que, no entanto, tendem a reforçar desigualdades.
Essas são escolas [militares] que fazem seleção no ingresso, e ficam só com os melhores alunos, que em geral tem um nível socioeconômico mais alto. Além disso, elas têm uma infraestrutura exemplar, muito investimento, e profissionais bem remunerados, coisa que as escolas públicas comuns não têm.”
Romualdo Portela de Oliveira
Confira a reportagem completa
Baixe o Manual das Escolas Cívico-Militares e anexos com dados da proposta do programa (drive do Fiquem Sabendo)
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Combate às desigualdades
A reportagem do Centro de Referências em Educação Integral ecoa parte do artigo publicado na última quarta-feira (12) por Maria Alice Setubal, fundadora e membro do Conselho de Administração do CENPEC Educação, no jornal Folha de S. Paulo.
No artigo intitulado “Que agenda queremos para construir nossas políticas?”, Maria Alice chama a atenção para o fato de que é preciso que a sociedade forme cidadãos participativos e que as políticas públicas priorizem um olhar para o bem comum.
Centrado na discussão sobre as desigualdades, o artigo cita o recente relatório da Oxfam Internacional e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que, junto às questões ambientais, foram debatidos recentemente no Fórum Econômico Mundial, em Davos.
“O alinhamento entre fatores
econômicos e a importância do investimento em pessoas também são pontos de
destaque e apontam (…) para um movimento global na direção do bem-estar”,
escreve a socióloga, que é também presidente do conselho da Fundação Tide
Setubal e do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife).
Fatores como emprego e renda devem estar articulados com um trabalho equilibrado, com saúde, educação, engajamento cívico, coesão social, meio ambiente, segurança pessoal e bem-estar subjetivo (…).
Desigualdades econômicas estão diretamente relacionadas com desigualdades de oportunidades – no caso brasileiro, com a falta de acesso à educação e à saúde de qualidade, a falta de segurança e o uso da violência policial atingindo prioritariamente jovens pobres e negros.”
Maria Alice Setubal
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Fotos: Reprodução.