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Recuperar as aprendizagens é urgente!
È preciso organizar o apoio pedagógico às(aos) estudantes e pensar quais formas de aceleração da aprendizagem se aplicam melhor às necessidades e condições de cada rede de ensino
- Tamara Castro
Por Stephanie Kim Abe
Clemilda Andrade é professora de filosofia do Instituto Bom Pastor, localizado em Ananindeua (PA). Em sua escola, o ano letivo de 2021 só terminou no último dia 17/2 e o ano letivo de 2022 deve começar na rede estadual no dia 8/3.
De acordo com a professora, a Secretaria Estadual de Educação do Pará não deixou espaço para o planejamento pedagógico antes da volta às aulas, mas o Instituto resolveu organizar o seu por conta própria, entre os dias 10 e 11/3.
Para a primeira semana de aula, planejaram atividades de acolhimento, com a presença de duas(dois) professoras(es) por turma e atividades lúdicas, como música, e reapresentação da escola para as(os) estudantes, já que o espaço passou por reformas no último ano. “Temos o costume na escola de fazer um trabalho mais humanizado com a(o) aluna(o)”, diz.
As avaliações diagnósticas já foram feitas desde 2021 e os resultados têm sido desanimadores:
Desde que voltamos, no ano passado, estamos percebendo não só as dores, mas o déficit de aprendizagem das(os) alunas(os). Tem estudante de 6º, 7º ano que não sabe escrever, outra(o) que não está conseguindo ler, que não está sabendo lidar com as emoções – e as(os) professoras(es) também.”
Clemilda Andrade
No Colégio Estadual Almirante Barroso, em Paribe, no Subúrbio Ferroviário de Salvador (BA), onde Jackeline Pinto Amor Divino trabalha como coordenadora pedagógica, as primeiras semanas de aula, neste mês, também foram dedicadas a recepcionar os(as) estudantes, principalmente frente ao déficit de aprendizagem que têm constatado:
Temos feito muito trabalho de acolhimento e de fortalecimento da autoestima do estudante e de sua identidade. Acreditamos que, mais do que nunca, os alunos terão que ser protagonistas do seu próprio aprendizado, do seu presente e do seu futuro. Eles precisam correr atrás.”
Jackeline Pinto Amor Divino
A escola de Jackeline também está em reformas, começando o ano letivo de 2022 com 10 das 20 salas disponíveis e tendo, portanto, que realizar um rodízio entre as turmas para acomodar todas(os) as(os) estudantes de ensino fundamental II, ensino médio e EJA na escola, como relata a professora:
Nesse esquema, os professores veem as(os) estudantes duas vezes por mês. A aprendizagem deles está sendo garantida? Não, porque com essa quantidade menor de horas na escola, muita coisa se perde: conteúdo, tempo de interação, compartilhamento de trocas socioemocionais, cognitivas etc.”
Jackeline Pinto Amor Divino
A gestão escolar do Colégio Almirante Barroso tem feito avaliação diagnóstica com as(os) estudantes, mas, ainda que seja uma pessoa esperançosa, Jackeline acredita que os resultados serão tristes:
A Secretaria Estadual de Educação aprovou todas(os) as(os) estudantes automaticamente. Então temos estudantes que, em 2019, estavam no 7º ano e agora estão indo para o 9º sem nunca ter frequentado uma aula ou feito uma atividade. O que eu posso dizer sobre esse aprendizado? Qual foi o mínimo de conteúdo que essas(es) estudantes tiveram? Eu não posso nem validar, só consigo considerar o pior possível.”
Jackeline Pinto Amor Divino
De acordo com a coordenadora pedagógica, a escola está concentrando esforços em um projeto de leitura e letramento, com o intuito de promover o estímulo à aprendizagem. “Vamosrealizar ações lúdicas, como saraus, eventos literários, rodas de conversa, para que eles desenvolvam o prazer da leitura e o aprendizado da escrita”, diz.
Como apoiar crianças em alfabetização para que avancem na aprendizagem neste momento de retorno às aulas?
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Na escola paraense de Clemilda, os esforços do corpo docente e da gestão têm como foco pensar e testar juntos a melhor maneira de apoiar as(os) estudantes nesse momento:
Nós temos parado para pensar de que forma trabalhar com esse déficit de aprendizagem e elaboramos um texto com algumas perguntas-chave. Dá para recuperar o que se perdeu? Como fazer para retornar àquilo que é ‘normal’ na sala de aula? Precisamos retomar um trabalho em conjunto, tanto das(os) professoras(es) quanto de conteúdo. Não passar algo da disciplina X ou Y, mas trabalhar em forma de projeto, como costumávamos fazer antes. Sentimos falta de trabalhar dessa forma, e tem muita coisa que dá para fazer juntas(os).”
Clemilda Andrade
Jackeline tem outra visão sobre a questão:
Não estamos preocupadas(os) com o conteúdo em si, porque já foram tantos anos de perdas, que, se pensarmos em todos os conteúdos que precisamos dar, não seria possível trabalhar. Mas nós vamos fazer o possível para ajudar as(os) estudantes, para que caminhem além. Estamos preparando, estudando, nos reunindo muito. Enquanto professoras(es), eu e minhas(meus) colegas ficamos muito tristes e frustradas(os), porque gostaríamos de fazer algo mais, de ter mais tempo com as(os) estudantes.”
Jackeline Pinto Amor Divino
Veja dicas de especialistas para essa volta às aulas de 2022
As experiências relatadas acima deixam evidentes a necessidade e o desafio de apoiar tanto os(as) estudantes a recuperarem a aprendizagem quanto os(as) educadores(as) e coordenadores(as) pedagógicos(as) nesse processo. Passado esse período de acolhimento, a escola e a gestão educacional devem se planejar pedagogicamente para fornecer esse apoio o mais rápido possível e da forma mais eficiente.
Como enfatiza Érica Catalani, coordenadora do programa Apoio Pedagógico Complementar pelo Cenpec:
O ensino remoto foi uma forma de mitigar perdas. Mas sabemos que ele não foi estabelecido enquanto direito, e é justamente a população que mais precisa quem acabou não tendo acesso a ele. Portanto, não temos tempo a perder. Nesse começo de ano letivo, as preocupações devem estar voltadas para a organização do momento de aprendizagem.”
Érica Catalani
Se o foco de todas(os) é o mesmo, o que diferencia é a maneira como cada rede de ensino vai organizar esse atendimento – que vai depender das condições que elas têm para isso. Há municípios que podem contratar ou realocar professoras(es). Outros, cujas escolas têm espaços disponíveis para aumentar a carga horária das crianças.
É possível realizar esse apoio na própria sala de aula, disponibilizando mais de um(a) docentes por turma; ou fazer o apoio fora da sala de aula, utilizando os fins de semana ou o período de férias. Há quem opte por rever as práticas pedagógicas, para que o(a) docente possa dedicar mais atenção aos(às) estudantes; ou até mesmo recorrer às tecnologias e aliar o trabalho presencial a atividades remotas.
Teremos que lançar mão de todas as possibilidades de atendimento para garantir a aprendizagem dessas crianças. Para isso, o município deve realizar um mapeamento das suas condições e verificar o que se adequa mais à sua realidade. Além disso, é possível adotar mais de uma estratégia. A secretaria pode escolher fazer uma formação para o corpo docente de como organizar o tempo e o conhecimento em sala de aula, ao mesmo tempo que faz um trabalho de aceleração nas férias, focado nos conteúdos que apresentaram maiores lacunas entre as(os) estudantes.”
Érica Catalani
Assim como a ideia não é largar mão e pensar que as perdas são irrecuperáveis, a aceleração da aprendizagem tampouco pode ser vista como uma solução mágica que vai recuperar em 12 meses todo o conteúdo não aprendido nos últimos dois anos.
Erica chama atenção para a urgência da crise, que tem aprofundado as diferenças de aprendizagem, mas reforça que o foco não é na “pressa”:
‘Acelerar’ tem o sentido de ‘potencializar’ as aprendizagens. Não se trata de fazer o processo acontecer rapidamente, mas sim de forma potente, efetiva. Por isso a importância de repensar as práticas pedagógicas, que coloquem as(os) estudantes como protagonistas da aprendizagem, que o saber circule de outras maneiras em sala de aula, que a aprendizagem seja colaborativa. A pressa de fato existe, mas ela não deve ser norteadora do trabalho.”
Érica Catalani
Para que essa aceleração ocorra em toda sua potência, é preciso uma adaptação curricular, alinhada ao diagnóstico dos conhecimentos que as(os) estudantes já construíram. É a chamada “priorização curricular”, que também tem diversas naturezas:
Se tenho crianças de 7 anos que ainda não aprenderam a ler e a escrever, como vimos nas últimas pesquisas, posso priorizar o trabalho de alfabetização e letramento inicial, deixando para focar no sistema da escrita. Em outro caso, com uma turma de 3º ano, posso priorizar as habilidades que elas precisavam ter aprendido no 2º ano e que são fundamentais para que aprendam conteúdos da sua série atual. É um olhar retrospectivo e cumulativo. Para alguns, essa priorização talvez não seja tão profunda, para outros sim. Vai depender da lacuna de aprendizagem diagnosticada.”
Érica Catalani
Para a especialista, independentemente da priorização curricular realizada e da modalidade de aceleração da aprendizagem escolhida, as redes de ensino devem realizar formação com as(os) educadoras(es) para a adoção de uma pedagogia diferenciada. “Não poderemos tratar as(os) estudantes da mesma maneira, porque, se antes já precisávamos lidar com a diversidade, hoje as necessidades dos(as) estudantes estão ainda mais diversas. Não tem como dar a mesma aula para todo mundo”, defende.
Leia mais sobre o continuum curricular e as suas possibilidades de flexibilização
A avaliação diagnóstica e o acompanhamento da aprendizagem estão na base de todo esse planejamento pedagógico. É a partir do diagnóstico que os(as) educadoras(es) poderão pensar quais conteúdos o(a) estudante não aprendeu e, portanto, deverão ser priorizados, à luz do que estava previsto para o seu ano na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
É um ciclo: fazemos um diagnóstico periodicamente, para acompanhar o crescimento do aluno, o progresso da sua aprendizagem. Então, é realizado o planejamento, a ação pedagógica e, novamente, uma avaliação. O professor, nesse ciclo, precisa ter consciência plena do que está ensinando, de como a criança está aprendendo e de como vai fazer para que ela avance. Assim, ele consegue estipular metas.”
Érica Catalani
Ter um bom instrumento de avaliação diagnóstica é essencial para esse processo. Uma ferramenta que pode ajudar os(as) educadores(as) e gestores(as) nesse sentido é a Plataforma Avaliações Diagnósticas e Formativas, lançada em outubro de 2021 pelo Ministério da Educação (MEC), em parceria com o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF).
A plataforma disponibiliza cadernos dos testes das avaliações formativas de ensino fundamental, devolutivas pedagógicas, recursos formativos e outras ferramentas para apoiar gestoras(es) e professoras(es) no acompanhamento personalizado das aprendizagens de suas (seus) alunas(os).
Para Erica, dados todos esses desafios, o papel das(os) gestoras(es) se torna ainda mais fundamental. “’Gestor(a)’ numa perspectiva mais ampla do que de um(a) diretor(a), ou gestor(a) da secretaria – é no sentido de quem planeja”, explica.
Afinal, é essa pessoa quem precisa estar a par de ferramentas, estratégias e ações que vão melhor se adequar ao apoio que tanto professoras(es) como estudantes precisam nesse momento de crise. Mais do que isso, esse olhar de quem pensa no futuro e nas diferentes possibilidades e soluções é fundamental para garantir que os(as) estudantes possam avançar:
Nunca foi tão essencial o papel da gestão educativa, porque a realidade que vivemos é mais desafiadora. Estamos diante de tempos e pessoas diferentes, que pedem que a escola proporcione diferentes caminhos e percursos formativos para as(os) estudantes. Gerenciar essa diversidade nunca foi tão urgente e necessário. Podemos tirar lições disso e fazer uma escola que se ajuste às(os) estudantes, e não o contrário. Só assim vamos conseguir superar as desigualdades educacionais que hoje vemos agravadas.”
Érica Catalani
Saiba mais sobre as ações de apoio às redes de ensino na pandemia que o Cenpec realizou em 2021
Como atuar para recuperar as aprendizagens de forma equitativa para todas(os) as(os) estudantes? Essa é a pergunta convite do 2º Seminário Melhoria da Educação, promovido pelo Itaú Social.
O evento reunirá gestoras(es) de redes de ensino e especialistas para discutir os passos necessários para uma efetiva recuperação das aprendizagens sem perder de vista a importância do acesso e permanência com equidade para todas as crianças.
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