Itaoca (SP): gestão e docência de mãos dadas para a alfabetização

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Itaoca (SP): gestão e docência de mãos dadas para a alfabetização

Entenda como este município no Vale do Ribeira tem se organizado, junto às(os) professoras(es), para garantir o avanço das(os) estudantes em processo de alfabetização

Por Stephanie Kim Abe

Alfabetizar todas(os) as(os) estudantes do ensino fundamental até junho deste ano. Esta é a meta da Secretaria Municipal de Educação de Itaoca, pequeno município localizado no Vale do Ribeira, em São Paulo. O desafio é grande, já que, com a pandemia, muitas(os) alunas(os) não conseguiram avançar nesse processo – não só em Itaoca, mas em todo o Brasil.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua – IBGE), de 2019 a 2021 houve um aumento de 66,3% no número de crianças de 6 e 7 anos que não sabiam ler e escrever, de acordo com os seus responsáveis – um total de 2,4 milhões de crianças nessa situação em 2021.

Em Itaoca, os impactos da pandemia estão sendo sentidos principalmente nas turmas do 2º e 3º ano do fundamental, como explica a secretária municipal de educação Regina Célia Nunes da Silva Oliver:

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Foto: arquivo pessoal

Observamos que, com as atividades remotas, o acompanhamento do professor e a participação dos pais, os alunos da educação infantil não tiveram tantos prejuízos. O 1º ano do fundamental também está em um nível adequado para avançar. O nosso foco são os alunos do 2º e 3º ano, que estão um caos. Eles estavam no começo da alfabetização nos últimos dois anos e, mesmo levando atividades para casa, os pais não conseguiram dar conta desse processo. Temos muitos alunos em um nível de escrita pré-silábico ainda, e esse é o nosso foco. É o resultado da pandemia.

Regina Célia Nunes da Silva Oliver

Constatar o nível de aprendizagem da rede e traçar a meta desafiadora de alfabetizar todas(os) até o meio do ano são ações definidas baseadas em muitos dados, em um processo que tem acontecido já desde antes do retorno às aulas presenciais, em setembro de 2021.

A rede de Itaoca tem lidado com a questão por meio de um conjunto de medidas complementares e essenciais para garantir o melhor planejamento e atuação, como resume Maria Alice Junqueira, especialista em alfabetização e coordenadora de projetos do Cenpec:

Foto: acervo Cenpec

Ano passado, Itaoca elaborou, no âmbito do Projeto Letra Viva, os seus próprios instrumentos de diagnóstico para avaliar quais habilidades prioritárias da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) haviam sido consolidadas pelos estudantes, quais estavam em consolidação e quais não haviam sido consolidadas. Com isso, conseguiram ter um bom mapeamento da rede e traçar um planejamento para o trabalho de recomposição dessas aprendizagens. Este ano, elas continuam com essas ações, andando de mãos dadas com os professores para apoiá-los nas suas necessidades.

Maria Alice Junqueira

Para entender melhor como a rede tem trabalhado, explicamos abaixo algumas das principais ações tomadas pela gestão de Itaoca nessa retomada. A ideia não é trazer uma receita de bolo, afinal, cada município brasileiro tem suas particularidades e complexidades. Mas compartilhar a experiência de uma rede de ensino pequena, de cerca de 300 alunos, que tem se esforçado em fazer o melhor para as(os) suas(seus) estudantes com os recursos que têm.


Tudo começa com um bom diagnóstico

“Para avançar, você precisa saber em que nível a criança está. Não tem como preparar plano de aula ou rotina sem saber onde ela está”. Essa fala de Sandra Valente Feitosa Stallmach, professora do 2º ano da rede de Itaoca, indica a importância e a centralidade de ter uma avaliação diagnóstica para dar base ao planejamento. Itaoca leva a questão tão a sério que utilizou não só um, mas três instrumentais para realizar esse trabalho.

Para avaliar a hipótese de escrita, aplicaram a sondagem, instrumento da rede construído em parceria com o Projeto Letra Viva Alfabetiza, aplicado todos os anos em turmas desde o infantil até o 2º ano do ensino fundamental. Essas sondagens foram realizadas com as(os) estudantes até mesmo quando as aulas presenciais ainda não tinham retornado, trazendo-as(os) para a escola para serem avaliadas(os).

Em dezembro de 2021, também aplicaram uma adaptação da Prova Brasil. Para avaliar fluência leitora (ou compreensão leitora), utilizaram a Plataforma de Avaliação e Monitoramento do Ministério da Educação (MEC), elaborada pela Fundação Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd), ligada à Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

O instrumento foi aplicado para as turmas do 2º ano por meio de um aplicativo, que permite o envio dos dados das(os) estudantes e gera os resultados para a gestão. Como a plataforma não estava disponibilizada para outros anos escolares, a solução foi adaptar o instrumental para realizar o mesmo diagnóstico com a turma do 1º ano.

Como conta Mareli Dantas de Paula Volner, coordenadora pedagógica da rede:

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Foto: arquivo pessoal

Utilizamos as mesmas palavras das disponibilizadas pela plataforma. Contabilizamos o tempo por conta própria, usando o celular: quando dava um minuto, a gente parava a leitura. Nós íamos anotando se a criança estava lendo soletrando, silabando ou fluentemente. Deixávamos que a criança que estava lendo o texto ou as palavras fluentemente terminasse de ler tudo, porque havia questionamentos após, sobre a leitura.

Mareli Dantas de Paula Volner

Já com as turmas novas de 4º e 5º ano, que vieram da rede estadual, foram feitos diagnósticos de produção textual e escrita.

As diferentes avaliações diagnósticas têm sido aplicadas com periodicidade, para garantir dados que permitam aferir o progresso das(os) estudantes.

“Com esses diagnósticos, fomos criando uma planilha. Assim, no começo do ano letivo de 2022, já tínhamos sistematizados todos os dados sobre quantas crianças tinham sido avaliadas, quantas leem fluentemente, quantas estão em processo de silabação, quantas conhecem o alfabeto ou parte dele etc. Foi então que traçamos a nossa meta”, explica a coordenadora Mareli.


Construir estratégias pedagógicas diversificadas é o melhor remédio

Com esse diagnóstico em mãos, foi simples definir as prioridades da rede: trabalhar para que a(o) aluna(o) avance no processo de alfabetização.

Considerando que as turmas estão compostas por estudantes em diferentes níveis, a(o) docente prepara rotinas diferenciadas. Isso significa pensar atividades diversificadas, que contemplem o que precisa ser trabalhado em cada fase do processo de alfabetização.

“Tem momentos que os alunos se juntam, e tem momentos que eles são separados em grupos produtivos. Às vezes, eles trabalham em duplas, com um aluno um pouco mais avançado junto a outro menos. O professor tem o cuidado de olhar para toda a sua turma, mas com um direcionamento para as necessidades de cada grupo. Por isso são duas, ou até mais, rotinas”, explica Mareli.

Foto: arquivo pessoal

A professora Sandra já tem visto diferença na sua turma de 2º ano ao trabalhar com as rotinas diferenciadas e defende a importância desse olhar:

A partir do momento que você traz diversidade para a sala de aula, não tem o que as crianças não aprendam. Porque você não usa um instrumento apenas, você usa vários. Você trabalha de forma variada, de acordo com os níveis de cada criança, para que elas possam aproveitar melhor.

Sandra Valente Feitosa Stallmach

Ao mesmo tempo que olham para as(os) estudantes que estão mais defasadas(os), a equipe também busca garantir atividades desafiadoras para aquelas(es) que já apresentam o nível esperado de aprendizado para o seu ano escolar. A ideia é não deixar nenhum(a) aluno(a) para trás.

Conheça jogos e oficinas para apoiar no processo de alfabetização, como o Jogo da alfabetização, a Conquista da Palavra e o Ataque das Letras Zumbis

“Não queremos dar um conteúdo de 1º ou 2º ano, se o meu aluno não está alfabetizado e não tem condições de ir pra frente. Por isso estamos focando na base, em onde ele está com problema. Estamos em um momento de retomada das habilidades, para saber até que ponto esse aluno pode estar avançando”, diz a secretária Regina.


Não perca a última live #CenpecTiradeLetra: hoje, 14/3, às 18h!

Durante o último mês, o Cenpec tem promovido lives semanais com Maria Alice Junqueira, especialista em alfabetização e coordenadora de projetos do Cenpec, em que ela responde questões sobre a temática enviada por educadoras(es) de todo o país.

Elas fazem parte da campanha #CenpecTiradeLetra, que busca apoiar a comunidade escolar nesse momento tão desafiador, compartilhando conhecimentos e experiências com educadoras(es) e gestoras(es) para o avanço das crianças em leitura e escrita.

A campanha tem como base materiais já produzidos e disponibilizados pelo Cenpec, como as vídeodicas da série Tirando de Letra. Divulgadas no Portal Cenpec e no canal do YouTube do Cenpec, 16 produções de um minuto de duração cada trazem dicas simples e diretas a educadoras(es) e familiares sobre diferentes aspectos da alfabetização e do letramento.

Esses vídeos serão foco da última live da campanha, que acontece hoje (dia 15/03), às 18h. Diferentemente das anteriores, ela será transmitida pelo canal do YouTube do Cenpec. Ative o lembrete no vídeo abaixo e não perca!

Saiba mais sobre a campanha #CenpecTiradeLetra


Reorganizando a estrutura para focar no problema

Além das rotinas diferenciadas em sala de aula, as(os) estudantes da rede de Itaoca ainda contam com o apoio e as oficinas do programa de período integral para recompor as aprendizagens.

Nesse sentido, a Secretaria reorganizou a estrutura que já tinha de modo a concentrar todos os esforços no mesmo objetivo de alfabetizar todas(os) estudantes até o meio do ano. No apoio, as(os) estudantes trabalham com a(o) docente em sala de aula, em atividades de alfabetização. E as(os) oficineiras(os) também planejam suas atividades em parceria com o(a) professor(a):

“As oficinas têm o seu próprio planejamento, mas elas têm que trabalhar dentro daquilo que o professor de sala de aula precisa. Então, em informática, trabalhamos com jogos ou atividades virtuais de alfabetização. Em música, a mesma coisa. As únicas oficinas que não são voltadas para essa meta são as de argila, que é focada no corpo, e natação”, explica Regina.

Quando retomaram as aulas presenciais, em setembro de 2021, já passaram a trabalhar nesse esquema. Mas não viram muitos avanços, por causa do retorno gradual. “Era um volta, não-volta; sala que pega Covid e tem que dispensar a turma; escalonamento das classes etc. O trabalho não chegou naquilo que queríamos, não deu pra ver o efeito, porque os alunos continuaram pré-silábicos”, lembra a secretária.

Por isso, resolveram manter a programação, mas melhorar alguns pontos – por exemplo, o planejamento, que passou de mensal para semanal.

“A secretaria fez uma estratégia de mudar a forma de acompanhamento dos planos de aula, que antes eram feitos mensalmente. Ela sentiu a necessidade de se planejar semanalmente para conseguir ir avaliando mais de pertinho o progresso dos alunos e recalculando a intervenção do professor junto a eles. A equipe está bem coladinha ao professor, o que permite a correção de rota muito mais rápido”, relata Maria Alice.

Com novas avaliações diagnósticas previstas para o final de março, a Secretaria espera poder avaliar se houve avanços nesse formato e, caso necessário, reorganizar o modelo de trabalho para garantir o progresso das(os) estudantes.

Como pensar formas de aceleração da aprendizagem? Veja dicas


Ou se faz tudo com as(os) professoras(es), ou não se faz nada

Trabalhar em parceria com a equipe docente e a partir das suas necessidades é central para a Secretaria Municipal de Educação de Itaoca. Toda segunda-feira é realizada formação com as(os) professoras(es) do 1º e do 2º ano, e no resto da semana com docentes dos outros anos escolares. A equipe pedagógica revisa com atenção os planos de aula de cada educador(a) e traz subsídios para as atividades propostas:

“As formações estão sendo direcionadas para as necessidades do professor. Temos trazido as sequências didáticas, porque é uma modalidade que dá continuidade ao trabalho, o professor não se perde no meio do caminho. Observamos o plano de aula e damos a devolutiva, além de procurar conteúdos que levam à leitura, à escrita ou à alguma atividade direcionada para avançar o aluno. Também fazemos a construção do material junto com eles. E temos professores novos na rede, o que faz esse acompanhamento ainda mais necessário, porque o processo de alfabetização não é fácil. Queremos que eles levem para sala de aula tudo aquilo que acontece nas formações”, reforça a coordenadora Mareli.

Para a secretária Regina, as formações também são um momento de reflexão sobre a prática pedagógica:

Não é apenas o material que precisa mudar, mas a metodologia do professor. Por isso, estamos focando as formações para que ele possa estudar, olhar o que faz e pensar como pode melhorar para seguir ajudando o aluno no seu caminho.

Regina Célia Nunes da Silva Oliver

Regina chama atenção para a importância de trocar experiências e dialogar tanto com a sua própria rede, quanto com outras. Recentemente, ela relata ter feito uma visita à cidade de Sobral, com dois professores e um diretor, buscando aprender com a experiência desse município do Ceará. “Nosso planejamento semanal surgiu dessa visita, porque lá eles trabalham com planejamento mensal e semanal há 20 anos”, diz.

A professora Sandra se mostra otimista com relação ao resultado do trabalho que elas têm feito. Na sua turma de 19 estudantes ela já trabalha o gênero textual bilhete e carta com cerca de sete delas(es) – ou seja, estão avançadas(os). Com o restante da sala, que está em níveis de leitura silábico com valor, ela também vê progresso.

A gente não para: fazemos o diagnóstico, aplicamos, sistematizamos resultados, analisamos e preparamos o material. Depois reaplicamos os instrumentos e vamos decidindo novos encaminhamentos conforme as coisas vão dando certo. Estamos realmente pensando em como podemos ajudá-los a sair de onde estavam alguns anos atrás. O apoio da secretaria tem sido fundamental, não nos deixando na mão em nenhum momento. Estamos esperançosos de que as coisas vão dar certo. Eu estou feliz com o progresso das crianças, e sei que vai melhorar ainda mais.

Sandra Valente Feitosa Stallmach

“É muito gostoso quando algum professor nos conta com alegria e emoção que tal aluno já está lendo. Para nós, está sendo muito gratificante todo esse esforço”, diz Mareli.


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