Como garantir um bom clima escolar?

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Como garantir um bom clima escolar?

Saiba mais sobre o conceito de clima escolar, quais dimensões ele engloba, como avaliá-lo e promover a participação da comunidade escolar

Por Stephanie Kim Abe

A discussão sobre violência escolar acertou em cheio escolas brasileiras de todas as regiões nos últimos meses. 

Se, por um lado, esse debate tem levantado questões importantes, como a regulamentação das redes sociais e a importância de não dar espaço para discursos de ódio, por outro, também tem feito redes de ensino e escolas pensarem para além de medidas pontuais e imediatas e olharem para as condições institucionais e as relações pessoais dentro de suas instituições de ensino. 

Até mesmo escolas que já olham de forma cuidadosa para essas questões não passaram incólume. é o caso da Escola Municipal de Educação Básica (Emeb) Profª Adolfina J. M. Diefenthäler, localizada em Novo Hamburgo (RS). A Emeb Adolfina tem uma tradição de mais de dez anos de gestão democrática e de práticas pedagógicas que buscam a convivência compartilhada e respeitosa entre todos e todas. 

Emeb rofª Adolfina Diefenthäler. Foto: Lu Freitas/PMNH (reprodução)

Todo mês, são realizadas assembleias de docentes e funcionárias(os), de familiares e estudantes, em que cada grupo da comunidade escolar discute qualquer tema que acha relevante. Anualmente, uma conferência escolar com toda a comunidade discute ações a serem priorizadas para o ano letivo seguinte. Há ainda o recreio compartilhado e o projeto Fora da Caixa, que reúne, semanalmente, estudantes de diferentes idades para realizar uma oficina prática diversa com uma(m) professora(or).

Foto: arquivo pessoal

Joice Lamb, coordenadora pedagógica, explica:

Assim, as crianças vão aprendendo e entendendo que quando estamos em interação, nós nos reconhecemos, percebemos os outros como pessoas válidas. A escola não pode ser um espaço em que as pessoas não têm contato umas com as outras de forma positiva – se não, teremos só competição e estaremos criando crianças individualistas.”

Joice Lamb


Assegurando um espaço seguro

Segundo a coordenadora Joice, mês passado circulou entre os grupos da comunidade escolar um vídeo de ameaça de ataque à escola. Isso fez com que as famílias ficassem apreensivas e a escola não fosse vista mais como um espaço seguro.  

“Famílias, docentes, estudantes ficaram assustadas(os). Temos uma pracinha perto da escola, e não podíamos levar as crianças lá, por exemplo. Mesmo que a gente não queira, isso fez a escola adoecer”, conta ela. 

Além de reforçar a segurança, a solução foi receber as crianças com brincadeiras, visita de palhaços, atividades lúdicas, cartazes com frases de amor, buscando ressignificar aquele dia da possível ameaça. 

Emeb Profª Adolfina Diefenthäler (reprodução)

Quando recebemos as crianças dessa forma, estamos passando a mensagem que a escola é um lugar seguro. Não somente porque tem um guarda na porta, mas porque as pessoas se sentem acolhidas (inclusive no seu sofrimento) e pertencentes a e responsáveis por aquele espaço.”

Joice Lamb

A coordenadora acredita que esse histórico de participação e acolhimento ajudou nesse período mais crítico de insegurança – e isso só reforça a importância de manter esse trabalho daqui em diante:

“O grosso do clima de violência passou, mas ele reverbera de outras maneiras. Por isso a importância de garantir um bom clima escolar sempre. A escola é um lugar onde vamos para compartilhar conhecimento, mas também de relações. Quando a escola tem um bom clima escolar, a gente já percebe na entrada da escola porque as pessoas se olham no rosto, se reconhecem”. 


O que é clima escolar?

Doutor em Educação e pesquisador do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas (DPE/FCC), Adriano Moro traz uma referência semelhante à de Joice Lamb quando fala do clima escolar como uma atmosfera que existe na instituição de ensino: “quando adentramos uma escola, seja ela qual for, sentimos como aquele ambiente está: se está harmonioso, convidativo, alegre, hostil“. 

Dessa forma, o conceito de clima escolar pode parecer subjetivo – e realmente é. Ele é abrangente e complexo também. Apesar de não haver uma definição única, Adriano explica:

Foto: arquivo pessoal

O clima escolar diz respeito ao conjunto de percepções ativas e expectativas que as pessoas da comunidade escolar têm quando convivem nesse espaço. Essas percepções são advindas das vivências e das experiências que o sujeito vai constituindo nesse ambiente com relação a uma série de fatores que se relacionam e estão presentes na escola: normas, objetivos, valores, relações humanas, organização e estruturas física, pedagógica e administrativa.”

Adriano Moro

Considerando esses diferentes aspectos, é natural que o clima escolar tenha uma ligação direta tanto com o enfrentamento da violência escolar como com a melhora do rendimento acadêmico. Um clima escolar ruim pode significar mais conflitos e afetar a saúde mental de estudantes, educadoras(es), gestoras(es), funcionárias(os)

O contrário também acontece. Segundo o Manual de orientação para a aplicação dos questionários que avaliam o clima escolar (coordenado por Moro junto às pesquisadoras Telma Pileggi Vinha e Alessandra de Morais):

Thapa et al. (2013) elaboraram uma criteriosa revisão de literatura, nessa área, com mais de 200 referências desde a década de 1970. Segundo os autores, o clima escolar positivo exerce forte influência sobre a motivação para aprender, atenua o impacto negativo do contexto socioeconômico sobre o sucesso acadêmico, age como um fator protetor para a aprendizagem e desenvolvimento de uma vida positiva em jovens, contribui para o desenvolvimento emocional e social dos alunos e para o bem-estar dos estudantes e professores, está diretamente relacionado ao bom desempenho acadêmico nos diferentes níveis de ensino e pode colaborar não só para o sucesso imediato do estudante, como também seu efeito parece persistir por anos.”

Vinha, Morais e Moro (coord), 2017, p. 8.

Mas, para Adriano, o aprimoramento do rendimento escolar não deve ser o foco de um trabalho para a melhoria do clima escolar, mas sim uma consequência. 

“Precisamos tomar cuidado para que o diagnóstico do clima escolar não se torne utilitarista, com vista apenas na melhoria do rendimento. A melhoria do clima escolar é um fenômeno por si só, pois ela trata do bem-estar da instituição. A ideia é fazer do ambiente escolar um lugar melhor para estudar, trabalhar, conviver, viver. Precisamos olhar para o clima escolar positivo nessa perspectiva abrangente que valoriza todas as potencialidades que a escola pode desenvolver em toda a comunidade escolar”, diz. 


Questionários para a avaliação do clima escolar

Adriano é um dos autores do Manual de orientação para a aplicação dos questionários que avaliam o clima escolar, que foi construído com base na experiência de pesquisa do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Moral (GEPEM) da Unesp/Unicamp, do qual faz parte. 

“Quando começamos com essa experiência, no início de 2014, não havia um instrumento de diagnóstico do clima escolar validado teorica e estatisticamente para oferecer às escolas brasileiras. Aprofundamos os estudos olhando para os instrumentos e as pesquisas que já existiam no exterior, como do National School Climate Center (NSCC) dos Estados Unidos, e tomamos o cuidado de adaptar e olhar para o contexto das escolas do Brasil”, explica Adriano. 

Os questionários criados e testados são direcionados a professoras(es), estudantes e gestoras(es), e possuem oito dimensões, conforme a matriz de referência abaixo:

O Manual ainda traz explicações sobre como interpretar e analisar as respostas e os achados do diagnóstico. 

Exemplo de pergunta do questionário destinado para as(os) estudantes a partir do 7o ano (Fonte: Manual de orientação para a aplicação dos questionários que avaliam o clima escolar)


Cuidados para avaliação do clima escolar

Uma gestão democrática é essencial para que o diagnóstico do clima escolar seja bem-sucedido. Como o clima escolar é composto pelas percepções de cada pessoa envolvida no ambiente escolar, essa avaliação deve ser aberta e contemplar a visão de todas e todos.

É preciso ter como princípio que esse é um trabalho colaborativo, participativo, democrático. Só assim será possível conhecer e compartilhar os resultados de um diagnóstico tão sensível quanto o de clima escolar.” 

Adriano Moro

O pesquisador chama atenção à necessidade de que esse processo ocorra por adesão, sem imposição. “Esses questionários são os disparadores reflexivos para que a escola como um todo contemple as diferentes percepções e identifique questões que, muitas vezes, já estavam aparecendo há tempos e precisam ser tratadas“, diz. 

Uma vez aplicado o instrumento, a análise dos resultados deve ser realizada com cuidado, primeiro por gestoras(es) e corpo docente, depois compartilhada e discutida com toda a comunidade escolar.

Percepções divergentes sobre uma mesma questão podem ser um sinal de alerta. Por exemplo, por que meus alunos sentem que há muitas situações de conflito nas turmas, mas os professores não? Refletir sobre essas convergências e divergências identificadas é extremamente importante”, explica Adriano.

Ela também deve olhar para o perfil das pessoas respondentes, de forma a levar em consideração a diversidade e as possíveis desigualdades que podem estar se refletindo na percepção de diferentes grupos dentro do ambiente escolar. 

Olhamos primeiro a escola como um todo, e depois as diferentes populações que compõem essa comunidade escolar. Será que as crianças com deficiência se sentem tão pertencentes à escola como as crianças sem deficiência? As professoras negras se sentem tão respeitadas, pela gestão ou os estudantes, quanto as professoras brancas? Um olhar cuidadoso vai nos mostrar se o clima escolar está sendo equitativo ou aprofundando desigualdades.

Adriano Moro

A devolutiva e o plano de ações também devem abranger a comunidade escolar, de forma que todas pessoas possam contribuir para a elaboração de soluções a serem implementadas em médio e longo prazo. 

Vale lembrar que o diagnóstico do clima escolar não deve ser utilizado para pensar uma maneira de comparar escolas. “Cada escola tem um clima, e não existe uma média do clima escolar”, alerta o pesquisador. 


Para saber mais

  • Livro A avaliação do clima escolar no brasil: construção, testagem e validação de questionários avaliativos, de Adriano Moro. Curitiba: Appris, 2020.
  • Artigo Os desafios causados pela excepcionalidade da Covid-19 e o clima escolar, de Telma Vinha e Adriano Moro, encontrado no e-book Educação, escola e pandemia. Pimenta Cultural. 2021.
  • Ebook Manual de orientação para a aplicação dos questionários que avaliam o clima escolar, coordenado por Telma Pileggi Vinha (FE – UNICAMP),  Alessandra de Morais (FFC/UNESP/Marília) e Adriano Moro (FE – UNICAMP e Fundação Carlos Chagas). 2017.


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