Por que é fundamental acompanhar as discussões do novo PNE
Entenda os obstáculos e os interesses envoltos no processo de construção e tramitação de um novo Plano Nacional de Educação, que deve acontecer a partir da Conae 2024
Por Stephanie Kim Abe
Para a educação brasileira, o ano de 2024 começa com uma das discussões mais importantes já em janeiro: o Plano Nacional de Educação (PNE). Entre os dias 28 e 30 deste mês, acontece em Brasília (DF) a Conferência Nacional de Educação (Conae 2024), que deve resultar em um documento base para um novo PNE.
O tema central da conferência é: Plano Nacional de Educação 2024-2034: Política de Estado para garantir a educação como um direito humano com justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável.
Antes dessa etapa nacional, foram realizadas conferências municipais, estaduais e distrital de educação entre outubro e novembro. Nelas, as(os) delegadas(os) participantes puderam trazer propostas e discutir o documento referência formulado pelo Fórum Nacional de Educação (FNE).
Apesar do pouco tempo de preparação, houve boa participação nas etapas municipais e estaduais, como explica Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e coordenador do FNE:
Estávamos preocupados com o prazo, porque o tempo foi curto, mas a mobilização dos nossos fóruns estaduais foi bem positiva. Tivemos um engajamento muito forte, com uma participação grande e efetiva. Ao todo, contabilizamos cerca de mil emendas para cada um dos sete eixos temáticos do documento de referência. E a equipe de sistematização está fazendo um esforço muito forte para contemplar o máximo possível todas essas emendas”.
Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e coordenador do FNE
Na etapa nacional, não são mais aceitas propostas novas, apenas discutidas e avaliadas aquelas vindas das etapas municipais, estaduais e distrital.
“A expectativa é muito grande de mais uma vez conseguir sair com um documento base robusto, bom e forte, que apresente propostas de políticas educacionais para os próximos 10 anos e que com certeza contribuirá para que o Ministério da Educação possa se pautar para elaborar o projeto de lei do PNE 2024-2034”, completa Heleno.
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Desafios da tramitação
O PNE é um documento de política de estado que norteia as políticas educacionais por um período de 10 anos.
O atual PNE tem 20 metas que buscavam avançar na oferta, no acesso e na qualidade da educação brasileira, tanto da educação básica quanto no ensino superior. Infelizmente, a maioria das metas não foram e não deverão ser cumpridas até o final da sua vigência, em junho de 2024.
De acordo com a Lei 13.005/14, que estabeleceu o atual Plano, o novo deveria começar a tramitar no Congresso Nacional ainda em 2023, o que não ocorreu.
Para Romualdo Portela, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec:
As metas atuais, a medida que não foram cumpridas, são um ponto de partida. Elas devem ser atualizadas, já que algumas avançaram um pouco, outras precisam de ajuste, outras não andaram nada. Mas, de toda maneira, a sorte do plano não se joga aí. O que importa é ter condições para que essas metas do PNE sejam cumpridas – e isso significa financiamento e gestão”.
Romualdo Portela, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec:
Romualdo explica que são esses dois fatores os mais importantes e que devem ter centralidade no cenário de tramitação do novo PNE. “Se você não tiver previsão de recursos e mecanismos de gestão necessários para que as coisas funcionem, ou seja, garantam a cooperação federativa que o PNE pressupõe, não haverá plano”, pontua.
O atual PNE serve como exemplo. Diversos fatores contribuíram para que o financiamento que se previa para a sua execução não se concretizasse. “Na época, a expectativa era que o pré-sal geraria recursos novos que iriam majoritariamente para a educação e saúde. Mas isso não aconteceu, porque tivemos problema no preço internacional, privatização etc”, explica Romualdo.
No quesito gestão, o diretor lembra a necessidade de avançar na regulamentação do Sistema Nacional de Educação (SNE).
Heleno Araújo aponta ainda as medidas de austeridade que ocorreram a partir de 2016, com o impeachment da presidente Dilma Rousseff:
O atual PNE não foi implementado porque houve um golpe. Tivemos ainda a Emenda Constitucional 95, que instituiu o Teto de Gastos, e, em 2017, a Portaria 577 do Ministério da Educação que desmantelou o FNE, órgão guardião do PNE com participação popular”.
Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e coordenador do FNE
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Pressão social é fundamental
Uma vez produzido o documento base da Conae 2024, ele é enviado para o Ministério da Educação, já que é o MEC quem deve escrever o projeto de lei do novo PNE e enviá-lo ao Congresso.
Segundo o coordenador do FNE, há celeridade no MEC para realizar esse trabalho:
Acredito que eles querem enviar o projeto até o mês de março. É de fundamental importância aprovar o novo PNE até junho deste ano para que, no segundo semestre, possamos projetar na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei de Orçamento Anual (LOA) os recursos necessários para implementar o Plano, que entraria em vigor em 2025″.
Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e coordenador do FNE
Romualdo é mais receoso, ao passo que retoma o processo de tramitação do atual Plano. “O primeiro PNE tinha vigência de 2001 a 2010, portanto a expectativa era que em 2011 tivéssemos um Plano novo. Mas a tramitação foi tão complicada que ele só foi aprovado em 2014”, diz.
Outra dificuldade que ambos os especialistas visualizam é com relação ao Congresso Nacional, mais conservador que à época da aprovação do atual PNE.
“Já estamos enfrentando, nessa Conae, algumas agendas da direita conservadora, como a questão da escola cívico-militar, da educação domiciliar, e do patrulhamento com relação à ‘ideologia de gênero’. Por isso, o governo precisa elaborar um PL do novo PNE consistente, que tenha força e apoio popular, para que o Congresso entenda que precisa respeitar o que foi decidido pela comunidade escolar, por aqueles que realmente executam a política educacional”, explica Heleno.
A exemplo do que ocorreu com os movimentos de discussão do Novo Ensino Médio (NEM), Romualdo acredita que não haverá muita iniciativa do MEC:
Se dependesse do MEC, nada teria mudado. Mas a sociedade civil, os estudantes, a comunidade escolar fizeram barulho, apelaram para o presidente Lula, e foi então que o MEC teve que recuar e abrir a consulta pública sobre o NEM. A mesma coisa deve acontecer em relação ao PNE: o governo só vai ceder ao FNE se houver pressão, seja junto ao presidente, seja à bancada de parlamentares”.
Romualdo Portela, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec:
Justamente por isso, Romualdo reitera o papel fundamental da sociedade civil organizada em estar atenta a esse processo de construção e tramitação do novo PNE.
É nosso dever pressionar mesmo o governo a se movimentar e trabalhar politicamente para garantir o direito de todas e todos à educação, e a melhoria da aprendizagem com foco no combate às desigualdades educacionais. Somente dessa forma o MEC será arrastado para posições que ele não tem de fato – e, ainda assim, ele chegará apenas no meio do caminho. Será um conflito permanente, mas que precisamos estar a postos”, diz Romualdo.
Romualdo Portela, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec
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