Vamos constatar que temos fracassado em alfabetizar e letrar nossas crianças?”
Magda Soares
Por Suzana Camargo
Essa é a preocupação expressa pela professora Magda Soares, referência em alfabetização e letramento no Brasil, quando perguntada sobre a eficácia de estudos como PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study) e demais avaliações externas que se propõem medir desempenho educacional.
A partir de 2020 o PIRLS passará a avaliar a capacidade de leitura e entendimento de textos de alunos da 4ª série do Ensino Fundamental de escolas públicas e privadas brasileiras.
Leia
a seguir, entrevista da professora
titular emérita da Faculdade de Educação da UFMG, pesquisadora do Centro de Alfabetização,
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Educação.
CENPEC – As
avaliações externas ajudam o docente a ter um real entendimento sobre o
desempenho dos alunos?
Magda – Um pouco, talvez. Mas, sobretudo,
permitem ao docente ter uma noção do que uma instituição externa à escola
espera que seja o desempenho de seus alunos. A experiência brasileira com
avaliações externas até agora, têm tido um efeito mais negativo que positivo
sobre os docentes, porque os resultados têm estado sempre bem abaixo do que é
avaliado, e orientações e medidas pedagógicas para que os educadores adquiram
condições para melhorar o desempenho de seus alunos não acompanham a
constatação dos baixos resultados. Além disso, as avaliações afetam a
autoestima de docentes, gestores, as escolas enquanto instituições de
aprendizado, e ao mesmo tempo, não lhes apresenta caminhos para a superação das
deficiências do ensino que ministram.D
CENPEC – Então, considera
a aplicação desse tipo de levantamento, inadequado?
Magda – Avaliações externas em um país com
tantas diversidades como o Brasil verificam com uma única “régua” situações
muito diferentes, condições bastante diversificadas, contextos culturais
diferenciados. Embora exames externos a que são submetidas todas as escolas
estejam fundamentados no princípio corretíssimo de verificar se está havendo
igualdade de aprendizagem para todos, têm denunciado que esse princípio não
está sendo atendido e, sobretudo, que não está sendo atendido o princípio da
equidade, que tem de completar o da igualdade. Há de se reconhecer que esse
ponto extremamente negativo não é responsabilidade dos exames externos, que
apenas constatam a desigualdade e a ausência de equidade, já que a
responsabilidade é de outros problemas que não têm sido seriamente atacados:
formação de professores, condições de trabalho de professores, infraestrutura
das escolas públicas, entre outros.
CENPEC – Existem pontos
positivos nas avaliações?
Magda – Penso que o ponto positivo é apontar
para docentes e gestores o que se espera seja alcançado no que se refere ao
desempenho dos alunos o que, de certa forma, colabora para dar uma diretriz ao
ensino. A expectativa é que a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) faça esse
papel, se realmente e adequadamente for implantada.
CENPEC – O que se pode
esperar quanto aos resultados que virão do PIRLS?
O PIRLS vai mais uma vez provavelmente evidenciar a posição negativa do Brasil em relação à grande parte dos outros 50 países em que o exame é aplicado, de novo mostrando para nós – e para o mundo! – a baixa qualidade da educação brasileira. A avaliação do PIRLS em leitura focaliza a compreensão de textos e habilidades de interpretação, supondo o pleno domínio do sistema alfabético pelas crianças, o que não acontece. Os resultados das avaliações externas nacionais permitem prever que alunos do 4º ano, que serão avaliados, não têm condições de leitura e interpretação de textos no nível dos que têm sido usados no PIRLS, uma percentagem significativa de nossas crianças, nos resultados da ANA, não estão alfabetizadas, ou estão apenas semialfabetizadas no 3º ano.
CENPEC – Ou seja, não
haverá avanços com mais essa avaliação?
Magda – Minha opinião é que aderindo a mais uma avaliação estamos procurando o que já sabemos, e deixando de enfrentar imediatamente e com vigor o que precisa ser feito na educação básica, particularmente na área da leitura, para que adquiramos condições de comparabilidade com outros países ou, nos casos dos exames nacionais, comparabilidade entre os resultados de nossas escolas e nossos alunos. Vamos mais uma vez constatar que temos fracassado em alfabetizar e ‘letrar’ nossas crianças? Parece-me inútil e até cruel para com os professores que, ‘mal formados’ e mal remunerados, tentam fazer o melhor, e se veem repetidamente responsabilizados pelo baixo desempenho de seus alunos.