Os problemas da gestão da educação em debate e novo livro
Evento contou com gestores que fizeram parte da Educação brasileira. Baixe o PDF gratuitamente
Por João Marinho
Quais os desafios diários para um gestor que atua na educação? Como lidar com recursos muitas vezes escassos e com órgãos e redes que têm um extenso número de profissionais e servidores? É melhor continuar uma política pública já existente ou propor um novo rumo, mesmo que com grandes rupturas?
Razões e desafios do gestor da educação: dez entrevistas sobre a prática educacionalé um livro que traz algumas dessas reflexões e outras mais, dando voz e vez ao gestor público. Confira o vídeo do lançamento da publicação, ocorrido em São Paulo (SP) na última quarta-feira (5).
Reflexões teóricas e práticas
“Gestores, em geral, ocupam uma posição importante nas disputas políticas. Raramente decisões corriqueiras relacionadas à matrícula ou ao transporte escolar, por exemplo, são banais. Sejam quais forem, elas sempre têm impacto e, em alguns casos, podem afetar a vida e a formação de milhões de alunos”, diz Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do CENPEC. “O CENPEC espera (…) contribuir para a formação de gestores educacionais, visibilizando reflexões teóricas daqueles que enfrentaram e enfrentam, na prática, os desafios e dilemas cotidianos para a melhoria da qualidade da educação no Brasil”.
Razões e desafios do gestor da educação é estruturado em 10 capítulos, cada qual trazendo a entrevista de um gestor que fez parte da história recente da Educação nacional. As entrevistas foram concedidas à revista Cadernos CENPEC ou realizadas especialmente para o livro, entre 2011 e 2017. Maurício Holanda Maia, Rita Coelho, Joaquim Bento Feijão, André de Figueiredo Lázaro, Binho Marques, Frederico da Costa Amâncio, José Henrique Paim Fernandes, Macaé Evaristo, Maria Helena Guimarães Castro e Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva são os personagens que compõem a obra de cerca de 200 páginas.
O lançamento do livro contou com a presença de cerca de 80 pessoas e foi feito em um debate com duas mesas, realizado das 9h às 12h30 (horário de Brasília) no auditório Paschoal Geraldo da Silveira Isoldi, na Biblioteca Alceu Amoroso Lima, em Pinheiros. A abertura coube a Mônica Gardelli Franco, diretora-executiva do CENPEC.
Realizada das 9h30 às 11h, a mesa “Gestão das diferenças na Educação” teve mediação de Anna Helena Altenfelder e participação de André de Figueiredo Lázaro, da Fundação Santillana; Frederico da Costa Amâncio, secretário de Educação de Pernambuco; e Joaquim Bento Feijão, assessor especial de gestão escolar da Secretaria de Educação de Marília/SP.
Os debatedores iniciaram a participação relatando suas trajetórias e experiências na educação, com destaque para as políticas educacionais empregadas em Marília/SP e a implementação da educação integral em Pernambuco, inclusive para o Ensino Médio. Dessa forma, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio, aprovada na véspera (04/12) pelo Conselho Nacional de Educação, foi naturalmente inserida no debate. “Com a aprovação da Base, o Ensino Médio vai mudar totalmente, e isso exigirá investimento”, comentou Frederico Amâncio, destacando a necessidade de adequar a formação dos professores e de todas as redes ao principal conceito trazido pelo documento: a flexibilidade.
A obrigatoriedade única do ensino de matemática e língua portuguesa nos três anos do Ensino Médio, no entanto, provocou uma avaliação crítica em relação ao conteúdo da Base. “É claro que o Ensino Médio tem de ser mudado, mas tenho profundas preocupações com a Base em um contexto de congelamento de gastos e quando se colocam apenas português e matemática como obrigatórios”, avaliou André Lázaro, para quem os pontos negativos e positivos do documento não são simétricos – e a Base, se não abordada em uma perspectiva adequada, pode até mesmo aprofundar as desigualdades sociais no Brasil e o acesso ao conhecimento por parte dos jovens.
Outro assunto trazido à tona foi o projeto de lei inspirado nas propostas do movimento Escola sem Partido, que provocou falas em favor da liberdade de cátedra dos professores, garantida constitucionalmente. “Os professores já estão sendo ameaçados (…). É preciso dizer que a liberdade é um direito das instituições. Não é justo que os professores, que já enfrentam condições de trabalho bastante difíceis, baixos salários etc. ainda tenham de lidar com a ameaça de pessoas gravando suas aulas com celulares”, comentou Lázaro, no que foi aplaudido pela plateia.
Diálogos, rupturas e continuidades
Iniciada às 11h15, a mesa “Mudança e continuidade nas gestões educacionais” teve a participação de Binho Marques, ex-governador do Acre e ex-secretário do Ministério da Educação; e José Henrique Paim Fernandes, professor da Fundação Getúlio Vargas e ex-ministro da Educação, com mediação de Luciano Monteiro, diretor de Relações Institucionais da Fundação Santillana.
O Escola sem Partido foi novamente um dos temas levantados pela plateia, em um contexto político-social de desafios ao diálogo. “O quadro de hoje é muito difícil. É um quadro de irracionalidade (…), e me preocupa alunos reprimindo professores. Quando atuei no Acre, tive momentos tensos, com falas muito duras, mas todos os debatedores se baseavam em uma firme racionalidade: mostrávamos os dados, discutíamos em cima deles. Hoje, é difícil responder como acontece o diálogo neste contexto em que vivemos”, avaliou Binho Marques.
José Henrique Paim alertou para o risco de retrocessos na Educação se não houver clareza, por exemplo, da importância de políticas como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), previsto em lei para acabar em 2020, cuja manutenção permanente tem sido discutida no Legislativo. Para o ex-ministro, é preciso que o poder público concentre-se em uma política que valorize o ensino-aprendizagem: “É preciso construir uma política de cadeias de responsabilidades, com uma gestão voltada à aprendizagem e que não deixe nenhum aluno para trás”.
As boas práticas de gestão – como o foco no desenvolvimento integral do aluno e na valorização dos professores – devem ser o parâmetro na hora de tomar decisões sobre temas como currículo, uso dos recursos e parcerias com organizações da sociedade civil (OSCs). “Nem sempre a continuidade é importante (…). Algumas vezes, é preciso haver rupturas”, comentou Binho Marques, sobre políticas educacionais desconectadas da realidade das escolas.
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