Educação integral: inclusão e luta contra as desigualdades
Confira como foram as mesas sobre sociedade contemporânea e direito à educação no 5º Seminário Internacional de Educação Integral
Por João Marinho
Idealizado pela Fundação SM Brasil, o 5º Seminário Internacional de Educação Integral (SIEI) aconteceu entre os dias 24 e 25 de setembro em São Paulo (SP).
Realizado em parceria com o CENPEC Educação, Canal Futura, Centro de Referências em Educação Integral, CIEDS, Instituto Alana, Instituto Rodrigo Mendes, Instituto Tomie Ohtake e Sesc, o seminário contou com debates, performances poéticas e com uma conferência magna do filósofo e educador Bernardo Toro que aconteceram no primeiro dia, no Teatro Antunes Filho, no Sesc Vila Mariana.
O SIEI é uma tentativa de fazer algo diferente, de trazer vozes novas (…), para mostrar que a educação não é algo que se resolve com ‘fila’ ou ‘disciplina’.
É um espaço para mostrarmos que estamos trabalhando e resistindo a uma política antiga, que lembra o século XIX.
É um espaço para mostrarmos que não estamos trocando a pedagogia pela disciplina – e para ressaltar a importância de haver recursos para a educação.”
Mais de 600 pessoas compareceram ao evento no Sesc, que foi aberto pela apresentadora Mariana Cetra, do CENPEC Educação, e trouxe como atração especial uma série de performances de jovens surdos e ouvintes do Slam do Corpo, que apresentaram poemas bilíngues em português e língua brasileira de sinais (Libras).
Catharine Moreira, Mariana Ayelen, Érika Mota, Thalita Passos e os poetas convidados Lucas Afonso e Luiza Romão recitaram versos com conteúdo crítico sobre colonização, racismo, vulnerabilidades e desigualdades sociais, machismo e opressão contra as mulheres no Brasil – e em protesto contra políticas públicas atuais de educação, especialmente contra o corte de verbas.
A xenofobia e a discriminação contra LGBTs* e surdos também foram destaques, e o público presente aprendeu palavras e frases em Libras e a bater palmas na língua de sinais. Além disso, o poeta Lucas Afonso anunciou seu livro, A última folha do caderno, lançado em agosto deste ano.
Contra as desigualdades, uma escola inclusiva
Intitulada “Desafios da sociedade contemporânea e o papel da educação”, a primeira mesa de debates contou com presenças da poeta, atriz e cantora Elisa Lucinda e da jornalista Flávia Vieira, com mediação do professor e mestre em Gestão da Diversidade Humana, Rodrigo Hübner Mendes.
Rodrigo Mendes abriu a mesa ressaltando a importância da educação pública e integral para a redução das desigualdades – e provocou Elisa e Flávia a contarem como se deu a formação de cada uma.
Elisa Lucinda pediu licença e iniciou sua participação cantando a música Promessa de violeiro (1961), de Raul Torres e Florêncio. Ouça a música na voz de Mônica Salmaso.
“Para mim, tudo é aula – e a melhor maneira de começar uma aula é cantando”, disse Elisa Lucinda, que contou que sua formação teve a arte como base. Carlos Drummond de Andrade, Mario Quintana, Manuel Bandeira e outros autores participaram dessa formação, por meio da qual a cantora e escritora afirma ter aprendido “a vida com o olhar dos poetas” – e com apoio de seus pais.
Para Lucinda, que também já foi professora, essa experiência demonstra o poder da educação informal, ao mesmo tempo que remete para a necessidade de que a educação formal converse com a vida.
Parece que o ensino não conversa com a vida (…), e o saber é associado à vida, a uma irreverência.”
Elisa Lucinda
Flávia Vieira, por sua vez, destacou a representatividade da mesa, que trouxe ao debate duas mulheres negras, mas de diferentes formações e origens, ressaltando a diversidade presente na população brasileira: “Há uma grande variedade na comunidade negra. Não é uma massa homogênea (…). É relevante [para mim] ter sido filha única de uma mulher sem marido”, disse Vieira.
A partir daí, a jornalista retomou o tema da desigualdade social no País: “O que o Brasil vendeu como imagem não confere com a realidade”. A diversidade de gênero e de raça/etnia, por exemplo, não é refletida em lugares de poder, como em jornais e no Congresso Nacional, mas houve conquistas – e para Flávia Vieira, é preciso que a juventude se ocupe de não permitir retrocessos.
Algumas conquistas não poderão ser revistas. A juventude que já experimentou o Ensino Médio não vai voltar para trás, (…) e há coisas na atualidade que foram avanços. É preciso que a juventude fique forte e viva e ocupe os espaços.”
Flávia Vieira
Além disso, para Flávia Vieira, propor uma escola mais inclusiva e menos discriminatória vai além de valorizar conteúdos, embora esse seja um eixo necessário, “mas existem outros, construídos a partir da heterogeneidade de professores, diretores, gestores (…), da diversidade na composição dos alunos. Quantos professores negros os alunos tiveram?”, questionou.
Tirar a população negra do confinamento da merendeira e do porteiro e contemplá-la nas escolas também é fundamental. Vale para raça, mas vale também para religião, classe social, origem demográfica.”
Flávia Vieira
Concordando com a jornalista, Elisa Lucinda apontou como risco de retrocessos a redução no investimento na educação e restrições à liberdade pedagógica, o que diminui o espaço para discutir as diversidades e diferentes culturas na formação de crianças, adolescentes e jovens.
“Apesar dos esforços, temos uma história do País ainda mal-contada. Tiram nossa identidade, a identidade da nossa história: nossos saberes ancestrais foram solenemente destronados, e a escola ‘comprou’ isso”, declarou a escritora.
Temos de acionar nossos saberes, parar de ter medo de mostrar nossa história. O Brasil tem de descobrir o Brasil. Quem não sabe de onde veio não sabe aonde vai.”
Elisa Lucinda
O SIEI, para mim
“Essa partilha de conhecimentos aqui, no SIEI, foi um momento grandioso, de muito aprendizado para mim – e a educação integral é, em si mesma, um eterno aprendizado.”
Cátia Soares, professora de Resende (RJ)
Avanços e retrocessos na garantia da educação integral
Trabalhar diferentes conhecimentos, articular saberes e estabelecer parcerias com outros atores no território para além dos muros da escola são pressupostos da educação integral – e foram discutidos na mesa “O direito à educação no Brasil e as perspectivas para a educação integral”, que contou com a participação de José Henrique Paim Fernandes, Macaé Evaristo, Maria Thereza Marcílio e Rosana Rodrigues Heringer. A mediação foi da presidente do Conselho de Administração do CENPEC Educação, Anna Helena Altenfelder.
A realização deste seminário é bastante importante porque nós vivemos anos de avanços em relação à educação integral, consolidados em diferentes marcos legais, na produção do conhecimento e nas práticas, mas atualmente vivemos um retrocesso em relação ao financiamento, além de uma paralisação de políticas públicas.
Então, fomentar o debate sobre a educação integral e constatar que existem experiências bastante significativas e pessoas comprometidas com uma educação pública de qualidade para todos é fundamental nesse momento – e amplia o olhar, em que cultura, território e diversidade trazem perspectivas importantes para pensar a educação hoje em dia.
O CENPEC Educação sente um orgulho muito grande de estar junto a parceiros que têm os mesmos princípios e compromissos com a educação.”
Anna Helena Altenfelder
Anna Helena abriu a mesa destacando os avanços vividos pela educação integral nas últimas décadas, com políticas públicas como as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica e o Programa Mais Educação – mas, fazendo eco à fala de Elisa Lucinda na primeira mesa, alertou sobre retrocessos recentes, como os já citados cortes no financiamento da educação pública.
Essa avaliação se refletiu nas falas dos convidados, a começar por Macaé Evaristo, para quem o direito a ser humano pleno, como defende a educação integral, está em risco devido a experiências autoritárias recentes no País.
Evaristo retomou o tema do avanço de políticas inclusivas no País, inclusive para áreas além da educação – como o Bolsa Família e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) –, mas alertou para a privação cultural trazida pelas desigualdades sociais.
De acordo com a ex-secretária de Educação de Minas Gerais, a pobreza manifesta-se também por essas privações culturais – e é necessário prover uma pedagogia emancipatória, como propunha Paulo Freire.
Pensar o direito à educação integral é pensar nessa pedagogia (…), do saber de si mesmo.”
Macaé Evaristo
Garantia de direitos: uma chamada à resistência
Para Maria Thereza
Marcílio, a emancipação requer o combate às desigualdades que existem nos
territórios, bem como uma leitura política da educação enquanto espaço de
disputa de poder e de interesses diferentes.
A educação é sempre um espaço de disputa e nós, educadores, estamos nesse espaço. [Portanto], é preciso que o educador seja um excelente leitor de mundo. A competência técnica é fundamental, mas não se resolvem os problemas de educação se não houver uma boa leitura política.”
Maria Thereza Marcílio
Marcílio também chamou a atenção para a necessidade de defender a escola pública como um bem – e de observar o contexto histórico ao tecer críticas à sua qualidade, uma vez que, há apenas três décadas, a educação passou a ser vista como um direito de todos no Brasil, país marcado por uma história de desigualdades, violenta e escravagista. “Falar de educação integral é falar de resistência”, disse a mestra em Educação e coordenadora do projeto Global Leaders for Americas, da World Forum Foundation.
A doutora em sociologia Rosana Rodrigues Heringer retomou o tema das desigualdades sociais para rediscutir o racismo sistêmico presente no Brasil. “A desigualdade de oportunidades tem um recorte racial no Brasil”, disse a especialista.
A igualdade racial tem de ser um projeto para este País.”
Encerrando a mesa, que posteriormente contou com perguntas do público, José Henrique Paim Fernandes, ex-ministro da Educação, fez sua fala baseada na importância das políticas públicas e da atuação de municípios, estados e do governo federal na garantia do direito à educação.
Para Paim, o regime de colaboração previsto no PNE e uma gestão pública voltada para a melhoria da aprendizagem são elementos fundamentais para a garantia desse direito e para o acesso à educação integral.
O ex-ministro também fez referência ao Fundeb como fundamental para a educação pública no Brasil, além de propor que gestores estimulem uma “cultura do acompanhamento”, não no sentido de simplesmente “cobrar” resultados de aprendizagem, mas de fazer ajustes e investir para garantir a melhoria desses resultados ao longo do tempo.
O SIEI, para mim
“Vim ao SIEI para ter acesso ao que os outros estados estão fazendo e pensar em outras formas de ampliar e melhorar a educação integral na minha escola.”
Nancy Cristina Masson, professora de São Paulo (SP)
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