Fiquei grávida! E agora?

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Fiquei grávida! E agora?

Em nova radionovela, a história de um jovem casal surpreendido por uma gravidez indesejada serve de pano de fundo para tratar de direitos da gestante e importância da primeira infância. Conheça esta iniciativa do Unicef

Jussara é uma jovem da periferia de São Paulo, idealista, que namora Denilson já há algum tempo. Denilson trabalhava como treinador de futebol em uma escola do bairro, mas atualmente está desempregado – assim como Jussara, que era diarista. Por conta da pandemia, a jovem perdeu as faxinas e também largou a escola. De repente, ela descobre que está grávida! E agora? Será que ela conta para o namorado? Conta pra família? Será que vão apoiá-la? Como ela vai se manter? 

É nesse clima de tensão que começa a nova radionovela “Direito de ser feliz”, que estreia na segunda-feira (dia 1.3) em mais de 70 emissoras de rádio dos estados localizados no semiárido brasileiro e na Amazônia Legal, além de plataformas de streaming e canais digitais. Criado pelo Unicef, o programa tem como objetivo promover os direitos da gestante e do pleno desenvolvimento do bebê.

“Queremos conversar com essas famílias que têm crianças pequenas, especialmente até os 3 anos, mas não exclusivamente. A ideia é dar informações, baseadas em evidências científicas, da importância dos cuidados durante a gravidez e da primeira infância no desenvolvimento da criança, com repercussões não só no presente, mas para o resto da vida. Fazemos isso de forma lúdica e divertida, para facilitar a compreensão de todos desses conceitos da neurociência que embasam essas informações”, explica a dra. Cristina Albuquerque, que assina o roteiro e é chefe de Saúde e HIV/Aids do Unicef Brasil.

Clique aqui para acessar a radionovela


Conhecer direitos e ganhar autonomia

A trama se desenrola com o jovem casal decidindo sair de São Paulo e se mudar para a cidade dos pais da protagonista, localizada no interior de algum estado do semiárido nordestino.

Ao longo dessa trajetória, os(as) ouvintes vão acompanhando Jussara ao passar pelas etapas necessárias para garantir todos os cuidados ao bebê e à mãe gestante. Ela faz, por exemplo, o acompanhamento pré-natal e se cadastra no Centro de Assistência Social (Cras) pra ter direito a todos os serviços de assistência social que o governo oferece. Ela interage com agentes comunitários de saúde e médica, que dão informações sobre alimentação, amamentação, parto natural etc.

Assim, as famílias vão aprendendo juntas sobre esses direitos e sobre programas que as apoiam nessa caminhada – como o Programa Criança Feliz, do Ministério da Cidadania, que promove o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 6 anos por meio de orientações e visitação domiciliar às famílias e gestantes. 

Para Andrea Soares, pesquisadora de culturas populares e atriz que interpreta a personagem principal, além de assinar a direção artística da produção, essa clareza com relação aos direitos, que a maioria das(os) jovens não tem conhecimento, é o ponto forte da radionovela.

Andrea Soare
Foto: arquivo pessoal

A Jussara vai se colocando como protagonista da sua própria história e da do seu filho, conforme ela vai tendo informações sobre como proceder para prover o bem-estar do bebê. Ela mesma executa essa ‘cartilha’ de aprendizados, em um processo de autonomia orientada, que eu acho muito bonito. A radionovela inteira vai trazendo dados juridicamente corretos, porque trata de direitos, e não princípios morais.”

Andrea Soares

Amor, atenção e brincar são essenciais

Além dos direitos, a radionovela traz para o centro do debate a importância do cuidado carinhoso e do envolvimento da família, tanto na gravidez quanto nos primeiros anos de vida do bebê. E isso independente da situação da e da região onde essa família mora. 

“O que queremos passar pras famílias brasileiras é que pra você apoiar o seu bebê nos primeiros anos de vida, desde a gestação, você não precisa ter uma alta escolaridade, não precisa ter dinheiro. Não precisa comprar brinquedos caros, porque a criança pequena quer uma panela pra bater, um chocalho, quer cantar com a família. E porque amor, carinho, atenção são de graça”, diz Cristina.

A trama não ignora as deficiências estruturais que existem no território de muitas famílias vulneráveis brasileiras, principalmente as residentes em regiões do semiárido e da Amazônia legal. Tanto que a protagonista Jussara acab buscando soluções fáceis para problemas da comunidade, como a questão da coleta de lixo, do combate à dengue e da adequação da praça local. Com isso, ela desperta a consciência da influência que o território tem sobre o crescimento da criança, e da importância de cuidar desse espaço. 

Cristina explica:

Cristina Albuquerque
Foto: arquivo pessoal

Isso não é uma utopia. É possível sim que as famílias, mesmo em vulnerabilidade social, deem condições pra que essa criança desenvolva o seu potencial desde a gestação. Conversar com a criança, brincar, ficar atento à sua linguagem corporal quando ela ainda não fala, e entender o que a criança está querendo comunicar (ou seja, ser responsivo), são ações simples que fazem uma diferença enorme. É o que chamamos de aprendizagem precoce, que acontece nos dois primeiros anos de vida. Afinal, a criança não aprende só na creche, ela é moldada e estimulada pelo meio ambiente.”

Cristina Albuquerque

Cuidados com a produção

A pandemia permeia toda a radionovela – tanto no enredo quanto na produção. Ao longo dos 15 episódios de 7 minutos cada, são dadas orientações também em relação ao uso de máscara, ao distanciamento social etc., conforme o jovem casal vai se familiarizando com a gravidez. 

“Quem conhece a realidade brasileira, como eu, sabe que, principalmente na Amazônia, não chega sinal de celular ou internet. E o que é que chega? Rádio comercial, rádio comunitária, até carro de som. Foi pensando nessas famílias que escolhemos pela radionovela”, explica dra. Cristina. 

Nos bastidores, a pandemia influenciou na forma como a radionovela foi gravada. Os atores e as atrizes não estiveram juntos para contracenar e gravar suas falas, o que exigiu um trabalho refinado tanto do elenco quanto do editor do programa, o compositor e pesquisador de culturas populares Leandro Medina. 

Leandro Medina
Foto: arquivo pessoal

Quando as novelas começaram, lá com os povos do Oriente Médio, o principal ingrediente que os contadores de histórias colocavam no seu trabalho era algo suspenso no ar, que só se resolveria no dia seguinte. ‘Se você quiser saber o que vai acontecer com essa personagem, volte aqui amanhã, para o próximo capítulo’, diziam eles. Nós usamos esses artifícios para montar a radionovela, trazendo esse brilho pra produção, que ficou bem interessante.”

Leandro Medina

Para garantir que os personagens e os lugares estivessem bem representados, foram selecionados atores e atrizes de São Paulo e de Pernambuco, e houve captação de sons e ritmos tanto na periferia da capital paulista quanto no sertão pernambucano. O desenho musical foi importante não só para garantir o engajamento do público ouvinte, mas também para dar mais ludicidade às falas de dados técnicos. 

“O grande lance da radionovela é que ela nutre as pessoas de formação sobre os seus direitos através do sensível. Em vez de ser um programa jornalístico chato, que ninguém teria paciência pra escutar, nós fomos pelo sensível, atingimos os ouvintes pela arte”, reflete Andrea.

Todas as informações preciosas que foram passadas (de convivência, de experiência de vida, com a mãe da Jussara e com as outras peronsagens) foram valiosas, porque assim como a Jussara existem outras milhões de Jussaras espalhadas, com o mesmo enredo. Infelizmente, duvidamos de que elas tenham tido algum tipo de apoio ou orientação importante, que as ajudaram na decisão sobre o que fazer. Sabemos que há muito desconforto para uma adolescente de 21 anos que tem os seus planos interrompidos por algo imprevisível, e acreditamos que essa desorientação pode ser evitada.”

Leandro Medina. 

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