Crianças de 6 a 10 anos são as mais afetadas pela exclusão escolar na pandemia

-

Crianças de 6 a 10 anos são as mais afetadas pela exclusão escolar na pandemia

Em um ano, dobra o número de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos fora da escola. Em decorrência da pandemia, quase 1,5 milhão nessa faixa etária estavam fora da escola em 2020. Veja outros números da exclusão escolar no Brasil na pesquisa do UNICEF em parceria com o CENPEC

O número de crianças e adolescentes entre 6 a 17 anos fora da escola praticamente dobrou entre 2019 e 2020. Até 2019, apenas 2% desse grupo etário estava fora da escola (cerca de 712 mil pessoas). Com a pandemia, esse número chegou a 3,8%. Em novembro de 2020, 1,5 milhão de crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos não frequentavam a escola (remota ou presencial).

Gráfico. População de 4 a 17 anos fora da escola, Brasil, 2019. Fonte: IBGE. Pnad 2019.
Gráfico. População de 4 a 17 anos fora da escola, Brasil, 2019. Fonte: IBGE. Pnad 2019.

Somam-se a eles(as) outros(as) 3,7 milhões de estudantes nessa faixa etária que estavam matriculados na escola, mas não receberam atividades escolares.

Assim, temos 5,1 milhão de crianças e adolescentes que tiveram o seu direito à Educação negado, como revela o estudo Cenário da Exclusão Escolar no Brasil – um alerta sobre os impactos da pandemia da Covid-19 na Educação, lançado nesta quinta-feira (dia 29/04) pelo UNICEF, em parceria com o CENPEC Educação.

Romualdo Portela de Oliveira, diretor de Pesquisa e Avaliação do CENPEC, explica: 

Romualdo Portela

Com a pandemia, tivemos uma explosão desse percentual de crianças fora da escola. Além disso, o grande número de alunos que não tiveram contato com a escola, não estando de férias, é muito importantes e potencialmente preocupante, porque é um indicador forte de que os laços com a escola estão se rompendo. Se esses números se concretizarem, estaremos retrocedendo duas décadas na garantia do acesso à educação.”

Romualdo Portela de Oliveira

Em coletiva de lançamento da pesquisa, Florence Bauer, representante do UNICEF no Brasil, reflete:

O acesso à educação no Brasil vinha aumentando, com combate significativo da exclusão escolar. Com a pandemia, houve um retrocesso muito preocupante. Isso é muito grave, pois o direito à educação não está sendo garantido para mais de 5 milhões de crianças e adolescentes. Especialmente a faixa entre 6 a 10 anos nos preocupa muito, pois este é o início da escolarização e da alfabetização, e a exclusão nesse momento  pode levar toda uma geração à perda do vínculo com a escola.”

Florence Bauer

Acesse a pesquisa aqui.


Pobreza e exclusão escolar

Os impactos da pandemia na educação foram mais sentidos pelos estudantes de 6 a 10 anos, que compõem 41% das crianças e adolescentes que não tiveram atividades escolares ou estavam fora da escola no final de 2020, contra 31,2% dos(as) adolescentes entre 15 e 17 anos e 27,8% do grupo entre 11 e 14 anos. Esse dado preocupa, porque até 2019 o acesso à educação na faixa entre 6 a 14 anos (ensino fundamental) era dado como universalizado.

Para Romualdo, há dois grandes fatores que precisam ser olhados para entender como a pandemia tem afetado os(as) alunos(as): a acessibilidade e a pobreza. O problema do acesso remoto é novo e atinge a parcela da população que não tem internet ou equipamento. É preciso que o governo invista em políticas de conectividade para as escolas e de acesso à internet para estudantes e professores(as).

A pobreza e a sua relação com a exclusão escolar aparece de forma muito evidente no estudo. Em 2019, 90% das crianças e adolescentes de 4 a 17 anos que estavam fora da escola tinham renda familiar per capita menor que um salário mínimo.

Gráfico. Renda familiar per capita entre crianças e adolescentes fora da escola, Brasil, 2019 (%). Fonte: IBGE. Pnad 2019
Gráfico. Renda familiar per capita entre crianças e adolescentes fora da escola, Brasil, 2019 (%). Fonte: IBGE. Pnad 2019

A exclusão da escola tem uma correlação muito alta com as fontes de desigualdades tradicionais (de gênero, de raça, urbano e rural etc), mas o estudo mostra que o mais grave é a desigualdade econômica. Como a pandemia tem um efeito sobre a renda e o desemprego, isso pode se agravar e levar ao aumento da deserção escolar. Isso reforça a importância de programas de complementação de renda, como o Bolsa Família.”

Romualdo Portela de Oliveira

Os maiores percentuais de crianças e adolescentes fora da escola se concentram nas regiões Norte e Nordeste, dadas as condições geográficas desafiadores da região. A população rural, os meninos, os povos originários e a população negra são os mais afetados pela exclusão escolar.


Motivos para estar fora da escola

De 2016 a 2019, o percentual de crianças e adolescentes em idade escolar obrigatória caiu de 3,9% para 2,7%, devido principalmente à transição demográfica e às políticas de incorporação da população na escola. O principal gargalo estava nos anos iniciais (4 e 5 anos) e nos finais (15 a 17 anos) da escola.

De acordo com o estudo, é principalmente por opção dos pais ou responsáveis que as crianças pequenas, de 4 a 5 anos, não vão à escola (48,5%), seguida da falta de vaga na escola (19,1%) ou da distância dela à residência (13%). Para Romualdo, a falta de vagas nas creches e pré-escolas são o principal motivo para a não matrícula de crianças nessa faixa etária.

Solange Feitoza Reis, pesquisadora do CENPEC, complementa:

Para as crianças de 6 a 10 anos a questão principal é vaga na escola (33%), seguida de problemas de saúde permanente. Aqui chama-se atenção para dois aspectos: a necessidade de ampliar oferta e identificar melhor o que seria problema de saúde permanente, percentual que na faixa etária seguinte, 11 a 14 anos, aumenta para 21%, acrescidos de outros dois componentes: falta de interesse e gravidez. Chama atenção gravidez nesta faixa etária.

Solange Feitoza Reis

Já nos anos finais, a falta de interesse, a gravidez na adolescência e a necessidade de trabalhar levam a população de 15 a 17 anos a sair da escola.

Nada disso é novo e o debate do ensino médio tem discutido esses pontos. De um lado, esses adolescentes começam a trabalhar e vão apresentando desempenho irregular, até sair da escola. Do outro, a questão da escola que pouco conversa com o adolescente de hoje em dia, não atrai. E, no caso das meninas, a questão da gravidez também precisa ser discutida.”

Romualdo Portela de Oliveira

De acordo com o estudo, mais de 4 mil das meninas entre 6 a 10 anos e mais de 71 mil entre 15 e 17 anos não frequentavam a escola em 2019 por motivo de gravidez. 

Conheça a radionovela que trata sobre gravidez indesejada


Medidas urgentes 

Ao final do documento, são listadas cinco ações que podem ser tomadas por prefeitos e secretários para enfrentar com urgência o aprofundamento da exclusão escolar no Brasil, entre elas a organização de campanhas públicas na comunidade para a matrícula, a garantia do acesso à internet e a realização da busca ativa de crianças e adolescentes que estão fora da escola. O Unicef conta com a Busca Ativa Escolar, uma estratégia intersetorial, para apoiar os estados e municípios nessa empreitada.

Saiba mais sobre o curso Busca Ativa Escolar na Prática (municípios e estados).

É essencial agir agora para reverter a exclusão, indo atrás de cada criança e cada adolescente que está com seu direito à educação negado, e tomando todas as medidas para que possam permanecer na escola, aprendendo.”

Florence Bauer

Ítalo Dutra, chefe de Educação do UNICEF no Brasil, durante a coletiva de lançamento, comenta:

Na estratégia de Busca Ativa Escolar, que a gente está desenvolvendo em parceria com a Undime, o desinteresse pela escola tem aparecido com uma frequência bastante alta entre os motivos alegados pelos estudantes para o abandono escolar, só superado por migração interna das famílias em busca de renda em contexto de crise econômica.
Muitas vezes esse desinteresse esconde outros motivos, relacionados a questões internas da escola, racismo e outras formas de discriminação, além de motivos externos que permitem ou não os estudantes frequentarem a escola.
A falta de interesse reflete em parte as formas que a escola oferece aos meninos e às meninas e precisa ser melhor investigada, pois pode esconder outras causas com que a gente precisa lidar quando se fala em exclusão escolar.”

Considerando o efeito desastroso da pandemia na educação, Romualdo acredita que:

Para estancar a sangria que a pandemia está criando no sistema educativo, é preciso ter política de renda cidadã, para diminuir a evasão; preparação da escola para incorporar os que estão vindo de fora e para não deixar sair os que estão nessa iminência; fortalecimento do vínculo e da equiparação das escolas com acesso e bom equipamentos para estudantes e professores. Essas medidas precisam ser feitas agora, e vão continuar a ser colocadas em prática, porque as iniciativas não vão trazer todo mundo de volta de uma vez.”

Romualdo Portela de Oliveira

Exclusão na escola

O estudo Cenário da Exclusão escolar no Brasil dá sequência à pesquisa Enfrentamento da cultura do fracasso escolar, lançada em fevereiro deste ano pelo UNICEF, em parceria com o CENPEC Educação. A pesquisa traz dados sobre o abandono, a defasagem série-idade e a repetência, e integra a estratégia Trajetórias de Sucesso Escolar do UNICEF. “O primeiro fala sobre exclusão na escola, e este que lançamos hoje da exclusão da escola”, explica Solange Feitoza Reis.  

Leia mais sobre o estudo aqui.

Num momento em que se discute o reconhecimento da educação básica e do ensino superior, em formato presencial, como serviços e atividades essenciais (PL 5.595/2020), ressaltamos o nosso posicionamento, expresso nas palavras de Anna Helena Altenfelder:

A educação é um direito social, não um serviço ou atividade. É um direito público e subjetivo, garantido constitucionalmente.”

Anna Helena Altenfelder

Nesse sentido, a abertura das escolas é necessária e urgente, mas não em quaisquer condições e a qualquer custo. Com os altos índices de adoecimento e mortes por causa da pandemia, e diante do colapso do sistema de saúde em várias localidades do país, essa reabertura só deve acontecer com garantia de segurança sanitária a professores, estudantes, suas famílias e demais profissionais da educação. Para isso, reafirmamos a importância da articulação de políticas intersetoriais entre as áreas da saúde, da educação e da assistência social, com foco no desenvolvimento integral de nossas crianças, adolescentes, jovens e adultos.

Em termos pedagógicos, certamente, será necessário implementar mudanças no ensino e aprendizagem, e nas práticas avaliativas. A escola deve se repensar agora, para cumprir sua função de promover o direito a aprendizagem a todos(as). Evidentemente isso não vai se dar sem apoio efetivo das políticas públicas, não é a escola largada a sua própria sorte, mas sem dúvida, há uma parte que cabe só a ela.”

Solange Feitoza

Confira a Carta aberta de educadores, pesquisadores e estudantes à sociedade brasileira.


Na mídia


Veja também