- Tamara Castro
O ensino médio é hoje uma das pautas prioritárias da educação brasileira. Ofertar educação de qualidade, garantindo a ampliação do acesso a essa etapa escolar, é um grande desafio e um dever do Estado, segundo a Constituição Federal (art. 8o, inc. I, alterado pela Emenda Constitucional nº 59/09).
A meta 3 do Plano Nacional de Educação (PNE) também se volta à questão, ao estabelecer o ano de 2016 como o marco final para se universalizar o atendimento escolar a jovens de 15 a 17 anos e 2024 para ampliar a 85% taxa líquida de matrículas no ensino médio. Entretanto, a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad/IBGE) aponta que 1,1 milhão (11,8%) de jovens nessa faixa etária estão fora da escola. Entre as 14 estratégias ligadas à meta 3 do PNE, estão:
- “Institucionalizar programa nacional de renovação do ensino médio”;
- “Pactuar entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios (…) a implantação dos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento que configurarão a base nacional comum curricular do ensino médio”;
- “Garantir a fruição de bens e espaços culturais, de forma regular, bem como a ampliação da prática desportiva, integrada ao currículo escolar”; “fomentar a expansão das matrículas gratuitas de ensino médio integrado à educação profissional”, entre outras (PNE, 2014).
Novo ensino médio e ampliação do tempo escolar
A promulgação da Política Nacional de Ensino Médio – integrada pelo Programa de Fomento à Educação em Ensino Integral (EMTI – Portaria nº 1.145/16), o Novo Ensino Médio (Lei nº 13.415/17), e a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCC-EM/18) – torna urgentes as mudanças nessa etapa escolar, a fim de garantir educação de qualidade a todos e aproximar as escolas à realidade e aos interesses dos estudantes, considerando as novas demandas e complexidades da vida em sociedade e do mundo do trabalho.
Segundo o Novo Ensino Médio, instituído pela Lei nº 13.415/17, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), as escolas que atendem a essa etapa devem ampliar, até 2022, o tempo mínimo do estudante de 800 para 1 mil horas anuais.
Além disso, a lei determina uma organização curricular mais flexível, que contemple conteúdos curriculares mínimos (estabelecidos na BNCC) e possibilidade de escolha aos estudantes – itinerários formativos –, com foco nas áreas de conhecimento e na formação técnica e profissional. Orienta-se, ainda, a articulação entre áreas do conhecimento, o diálogo com os territórios, assim como a escuta e a participação dos estudantes.
Para Lilian L’ Abbate Kelian (foto), coordenadora de formação de profissionais no Consórcio Desenvolvimento Integral no Pará, parceria entre o CENPEC Educação, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Secretaria de Educação do Estado do Pará (Seduc-PA), a nova política não implica mudanças radicais nas discussões sobre o ensino médio presentes desde a década de 1990. A própria integração por e entre áreas do conhecimento, em substituição ao currículo organizado por disciplinas, já estava presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM, 1998).
No entanto, Lilian, que integra o Núcleo de Juventude do CENPEC Educação, aponta uma contradição entre um dos maiores objetivos dessa política – fomentar a participação dos jovens – e o modo como ela foi construída. Ouça.
Implementação do ensino médio integral nos estados
A meta 6 do PNE estabelece o compromisso de, no mínimo, 50% das escolas públicas de educação básica oferecerem educação em tempo integral de forma a atender, pelo menos, 25% dos(as) estudantes da educação básica até 2024.
Para apoiar a ampliação do ensino médio em tempo integral nas redes públicas dos estados e do Distrito Federal, o Programa de Fomento à Implementação de EMTI prevê a transferência de recursos às respectivas secretarias de educação que seguirem os critérios estabelecidos na Portaria nº 727/17:
Art. 6º – São consideradas elegíveis para o EMTI as escolas das SEE que atenderem aos seguintes critérios:
MEC, Portaria nº 727/17
I – mínimo de 120 (cento e vinte) matrículas no primeiro ano do ensino médio, de acordo com o Censo Escolar mais recente;
II – alta vulnerabilidade socioeconômica em relação à respectiva rede de ensino, considerando indicador socioeconômico desagregado por escola;
III – existência de pelo menos 4 (quatro) dos 6 (seis) itens de infraestrutura exigidos no Anexo III a esta Portaria, necessariamente registrados no Censo Escolar mais recente ou comprovados pelas SEE no ato da adesão;
IV – escolas de ensino médio em que mais de 50% dos alunos tenham menos de 2.100 (dois mil e cem) minutos de carga horária semanal, de acordo com o último Censo Escolar; e
V – não ser participante do Programa.”
Segundo o MEC, atualmente o Programa atende 230 mil estudantes em 1.024 escolas de tempo integral, em todos os estados e no Distrito Federal. Além da ampliação de escolas e matrículas em tempo integral, essa política reconhece a necessidade de ações conjuntas entre os entes federados em suas novas organizações curriculares para o novo ensino médio.
Com o objetivo de compartilhar experiências de implementação, aconteceu no dia 27/11, em São Paulo (SP), o seminário “Perspectiva e fortalecimento da política de ensino médio integral nos estados”. Também foram apresentados planos de expansão da política e evidências de resultados tanto em melhoria da aprendizagem quanto em indicadores de desigualdade social.
Promovido pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), em parceria com os Institutos Natura, Sonho Grande e de Corresponsabilidade pela Educação, o seminário contou com a participação dos governadores Camilo Santana (CE), Paulo Câmara (PE) e Waldez Góes (AM), além de secretários de Educação estaduais, municipais e educadores.
A abertura foi feita por David Saad, diretor-presidente do Instituto Natura, e Priscila Cruz, presidente executiva do Todos pela Educação. “Para o ensino médio em tempo integral obter sucesso é preciso que a escola aproveite o tempo em favor de uma educação de qualidade e promova uma formação relevante para a vida dos alunos”, afirma Cruz. Já David Saad defende que “para garantir o sucesso do programa de educação em tempo integral, é preciso oferecer conteúdo de qualidade para que possa engajar alunos, professores e comunidade”.
Frederico Costa Amancio (foto), secretário de Educação e Esportes do Estado de Pernambuco e vice-presidente do Conselho Nacional de Secretarias de Educação (Consed), que também participou da abertura do encontro, defende o ensino médio em período integral. Para ele, esse debate deve estar associado a uma política de Estado – “e essa política não está ligada a um governo específico. Dessa forma, vamos conseguir impactar a educação como um todo”, pontua.
Em Pernambuco, a educação integral tornou-se política pública em 2008. O modelo adotado no estado baseia-se no conceito de educação interdimensional, que “compreende ações educativas sistemáticas voltadas para as quatro dimensões do ser humano: racionalidade, afetividade, corporeidade e espiritualidade”, segundo o Balanço da Educação 2018, da Secretaria Estadual de Educação.
Entre as 1.059 escolas da rede estadual, 412 são integrais, sendo 368 Escolas de Referência em Ensino Médio (Erem) e 44 Escolas Técnicas Estaduais (ETE). Atualmente, o percentual de matrículas em escolas de tempo integral é de 57%, antecipando e superando a meta 6 do PNE. Para 2020, a estimativa é que esse percentual suba para 62%. A meta do estado é chegar a 70% em 2022.
No Ceará, atualmente, uma em cada três escolas de ensino médio funciona em tempo integral e pelo menos 90 mil estudantes cursam atualmente esse sistema. Segundo o governador Camilo Santana, “essa é uma grande ação que o estado tem feito para melhorar a qualidade da educação, proteger nossa juventude e também gerar oportunidades de emprego aos nossos jovens”.
De acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), hoje, 82 das 100 melhores escolas do País estão no Ceará. Santana destaca a importância da parceria entre o estado e os municípios para o sucesso desse trabalho: “Esses índices que o Ceará atingiu mostram que, com pactuação, planejamento e investimento, é possível alcançar ótimos resultados. Não tenho dúvida de que a educação é o melhor caminho para termos um Ceará e um país cada vez mais desenvolvidos, com menos violência e menos desigualdade”.
Educação integral = escola em tempo integral?
Essa é uma das questões mais recorrentes na discussão. A ampliação do tempo na escola, por si só, não basta, afirma Lilian Kelian: “A educação integral não é apenas mais tempo na escola, mas outra qualidade de escola. Há diversos aspectos envolvidos: o projeto político pedagógico, a participação juvenil na construção e escolha dos currículos, o combate às desigualdades múltiplas são questões centrais”.
Durante o evento em São Paulo, a secretária de Educação de Goiás, Fátima Gavioli (foto), conta como foi a experiência no estado: “Quando implementamos o ensino médio em tempo integral em uma de nossas escolas, que tinha 700 estudantes, 500 deles migraram para a escola regular pouco tempo depois. Isso aconteceu porque nós só aumentamos o tempo, sem atenção à metodologia, então os alunos ficaram presos mais tempo com o que não gostavam”.
No modelo cearense, apresentado pelo governador Camilo Santana, “o aluno passa o dia na escola. No primeiro período ele faz a grade curricular normal. No segundo ele tem a oportunidade de realizar cursos profissionalizantes, informática, atividades esportivas e artísticas”.
Para Lilian, uma discussão que divide opiniões neste momento é se devemos seguir um único modelo de educação integral ou se é mais interessante reconhecer e destacar a multiplicidade de caminhos e possibilidades em torno da questão.
Outra disputa que emerge no cenário tem relação com os indicadores de qualidade das políticas de educação integral. Sobre isso, Lilian Kelian questiona: “O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é suficiente para isso ou é necessário observar outros aspectos além das habilidades e competências relacionadas a cada área do conhecimento? E quais seriam esses aspectos: habilidades socioemocionais, sociabilidade, capacidade de criar e desenvolver soluções para desafios coletivos?”.
A importância do engajamento juvenil, defendida por todos os envolvidos no debate da educação integral, é outro ponto a ser debatido e compreendido mais a fundo: “Há muitas e diferentes formas de engajamento: de um lado, o protagonismo juvenil, a escolha de matérias ‘eletivas’ e a ‘pesquisa de satisfação’; de outro. a formação integral e cidadã e a participação dos estudantes”, explica Kelian.
Saiba mais
Educação Já!
Documento do Todos Pela Educação traz dados sobre o Programa de Fomento ao Ensino Médio em Tempo Integral. Acesse.
Boletim Educação&Equidade n. 4, ago. 2017: Desigualdades no ensino médio
Segundo avaliações externas, as maiores proficiências em língua portuguesa e matemática no ensino médio são de estudantes de escolas com período superior a sete horas. Porém, embora o número de vagas e matrículas no ensino médio de período integral tenha aumentado nos últimos anos, a maioria das vagas ainda é no ensino médio de tempo parcial. Além disso, alunos de classes mais pobres geralmente optam pelo ensino noturno regular ou pela Educação de Jovens e Adultos (EJA), modalidades que apresentam resultados de aprendizagem inferiores às do período integral e do diurno parcial.
O risco de agravamento das desigualdades nessa etapa escolar é a principal conclusão da pesquisa “Políticas para o ensino médio: o caso de quatro estados”. A escolha dos quatro estados – Ceará, Pernambuco, Goiás e São Paulo – se deu em razão de se destacarem na evolução do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) entre 2005 e 2013. Confira.
Boletim Educação&Equidade n. 6, set. 2017: Jovens, ensino médio e crenças no futuro
Quais são as expectativas, os desafios e a relação que os jovens estabelecem com a escola e a aprendizagem? Esta publicação discute os resultados apontados pelos questionários preenchidos por alunos de 24 escolas públicas estaduais de 17 municípios dos estados do Ceará, Pernambuco, Goiás e São Paulo. A investigação faz parte da pesquisa “Políticas para o ensino médio: o caso de quatro estados”, realizada pelo CENPEC Educação em 2015 e 2016. Acesse.
Itinerário para as juventudes – parte 1 e parte 2
Fruto de três anos (2015 a 2017) de parceria entre o Programa Jovens Urbanos (CENPEC) e a Secretaria de Educação de Minas Gerais, a publicação é composta por materiais escritos e audiovisuais que sistematizam experiências e conhecimentos sobre juventudes, educação integral e temas relacionados.
O material tem por foco a formação de gestores públicos e profissionais de instituições que compõem o Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Os jovens também são contemplados por meio de planos de escuta para reconhecer anseios, proposições e projetos estudantis como elementos de integração curricular.
Acesse o Itinerário para as juventudes: parte 1 e parte 2.
Com a palavra, as juventudes
Quais são as práticas de letramento entre os jovens? E qual o papel dos educadores e da escola nesse cenário? Acesse o especial.
Juventude, expressão e participação
Reportagem reflete sobre questões em torno do tema juventude(s) e sobre a participação de jovens na sociedade. Confira.
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