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Incentivo à leitura na pandemia: mediação, delivery de livros e acolhimento
Veja práticas de mediação de leitura a distância e de entrega de livros que buscam manter (e alimentar) o vínculo das crianças com a literatura
- José Alves
Por Stephanie Kim Abe
Realizar atividades de incentivo à leitura em meio a uma pandemia não é nada fácil. Para alguns, por uma questão de planejamento curricular: há muito conteúdo a ser passado, então deixemos os livros literários para outro momento. Para outros, por uma questão de acesso: os livros estão nas escolas, e as crianças em casa. Há quem se questione da efetividade de uma mediação de leitura que seja feita através de uma tela – será que funciona?
As três experiências relatadas abaixo indicam que sim, funciona, e que é possível realizar essas atividades. Claro, com as suas devidas adaptações e muitos desafios.
Nessas condições remotas, mediação de leitura é saber segurar o celular, encontrar a melhor maneira de mostrar a imagem do livro em todos os detalhes, conversar sobre a história… então tudo isso é diferente e requer um aprendizado novo para o educador também
Maria Alice Junqueira , coordenadora de projetos do CENPEC Educação
Se os benefícios da leitura já são muito conhecidos, eles se intensificam em uma situação adversa como a que estamos vivendo, em que o distanciamento social e o fechamento das escolas impacta diretamente na aprendizagem e no desenvolvimento de alunos e alunas de todo o país.
“As pessoas vão tomando o gosto pela leitura com a prática diária. E a falta de mediação faz com que elas percam esse vínculo com o livro. Nesse período dentro de casa, as crianças só assistem televisão. Então ações como a da mediação de leitura podem ser uma forma de manter o distanciamento, sem se apartar da educação e do livro”, defende Evilasio Silva de Souza Filho, gestor da Escola Antônio Ferreira Gomes, de Cruzeiro do Sul (AC).
Desde o dia 10 de setembro, os munícipes da pequena Curral Novo do Piauí, com menos de cinco mil habitantes, podem pegar um livro emprestado da Biblioteca Municipal Professora Maria de Lourdes de Jesus Lira sem nem sair de casa. É só escolher um livro a partir da lista do acervo disponível no Grupo do Facebook PVE Curral Novo do Piauí e pedir por aplicativo de mensagem, que a obra será entregue na porta da casa. Afinal, se as pessoas não podem ir até a biblioteca, que a biblioteca vá até elas.
Quem faz esse delivery acontecer são os participantes do Grupo de Jovens Mobilizadores do Parceria pela Valorização da Educação (PVE), com apoio da Secretaria Municipal de Educação. A iniciativa faz parte das ações realizadas pela gestão educacional durante o período da pandemia.
“A biblioteca não tinha uma visitação diária muito grande, mas durante o isolamento, algumas pessoas ligaram, e percebemos que elas estavam precisando da leitura. Foi então que começamos a ação, divulgando os livros disponíveis através de vídeos que foram postados nas redes sociais”, explica Emanuela de Macedo Alves, técnica da Secretaria Municipal de Educação de Curral Novo do Piauí (PI).
Tomando todas as medidas sanitárias necessárias, o grupo se organizou para digitar o catálogo de livros disponíveis, receber os pedidos, preencher o termo de empréstimo, separar e higienizar as obras, divulgar a ação via redes sociais (Instagram e Facebook), e fazer as entregas. Cada pessoa podia pegar até três livros por um período de 10 dias.
Com os livros, eles também entregam álcool gel e um marcador de página, que vem com uma mensagem de incentivo à leitura escrita à mão no verso.
Tem sido uma ação muito bacana. As pessoas começaram a gostar mais da leitura e a conhecer os livros que temos disponíveis na biblioteca. Nós nos divertíamos fazendo as entregas, que ocorriam no final da tarde, quando o sol já estava mais baixo. Quando chegávamos nas casas, as crianças já estavam pulando. Também pudemos conhecer um pouco mais da cidade, andar por ruas que nunca tínhamos andado e falar com pessoas que não conhecíamos
Emanuela de Macedo Alves, técnica da Secretaria Municipal de Educação de Curral Novo do Piauí (PI)
A ação de incentivo à leitura gerou novas doações de livros para a biblioteca, e fez tanto sucesso que continua até hoje, com menor frequência de entrega – ainda que oficialmente tenha acabado em 30 de setembro. Até o dia 12 de outubro, 512 livros haviam sido emprestados.
Saiba mais sobre as ações da gestão educacional de Curral Novo do Piauí durante a pandemia
Quando a equipe da Escola Municipal Antônio Ferreira Gomes resolveu que iria começar a levar as atividades remotas nas casas dos seus cerca de 270 alunos(as) de Ensino Fundamental, Verônica Viana, voluntária e presidente do conselho da Biblioteca Comunitária Santa Rosa, sugeriu que aproveitassem a ocasião para fazer também mediação de leitura.
A ideia, que foi logo acatada, na verdade não é nenhuma novidade para os habitantes da comunidade rural de Vila Santa Rosa, na cidade de Cruzeiro do Sul (AC).
“Tudo o que a escola faz é associado à mediação de leitura. Se é preciso arrecadar alimento, fazemos uma leitura por um quilo de alimento não-perecível. Se alguém estava doente e de repouso, nós fazemos mediação na casa. Na pandemia, não seria diferente”, explica Evilasio Silva de Souza Filho, gestor da Escola Antônio Ferreira Gomes.
Essa cultura de incentivo à leitura é fruto da presença da ONG Vagalume na comunidade, há 18 anos, responsável pela criação da biblioteca comunitária e da capacitação dos(as) funcionários(as) da escola para a mediação de leitura.
Por isso, as orientações para o grupo de cerca de 20 pessoas que se voluntariaram em realizar as visitas não precisaram centrar-se na mediação em si, mas nas adaptações necessárias para realizá-la em um contexto de isolamento social.
“Nós trouxemos orientações no sentido de como abordar a família, nos preparando para uma possível resistência em nos acolher. Então explicamos a importância de usar a máscara, de levar seu próprio álcool gel, de manter o distanciamento. Ao chegar, não ir invadindo a casa, mas convidando-os para um ambiente aberto, perguntando como estão etc. Poucas casas têm quintal por aqui, então acabávamos fazendo a mediação embaixo de uma árvore, na casa de farinha, em algum espaço aberto do terreno”, diz Evilasio, que também é multiplicador e representante local da Expedição Vagalume.
O objetivo inicial dessa ação, que era garantir que os alunos realizassem as atividades remotas, tem sido alcançado. De acordo com Evilasio, as primeiras duas atividades remotas, que era de responsabilidade dos familiares irem buscar na escola, foram realizadas por apenas 40% dos alunos – já as que foram entregues nas casas, por quase 100%.
Mas as visitas, que têm acontecido uma vez por mês de agosto em cerca de 400 casas, têm um olhar mais abrangente. Os(as) voluntários(as) não só realizam a mediação, como também dão orientações e materiais referentes à Covid-19, e conversam com os moradores para saber se estão precisando de alguma coisa, se foram infectados, como têm se alimentado etc.
As informações coletadas são discutidas nas reuniões pedagógicas que realizam semanalmente, e repassadas para órgãos e áreas responsáveis, como Saúde ou Assistência Social.
Como a equipe tem mapeado quantas crianças e adultos há em cada moradia, os(as) voluntários(as), que atuam em dupla e levam cinco livros, podem escolher com mais precisão quais obras irão contar. Essa abordagem tem mantido o vínculo das crianças com a escola e com a leitura.
Pessoalmente, eu procurei livros que as pessoas pudessem rir ou que tivesse uma lição no final. Eu li o ‘Maria-vai-com-as-outras’, por exemplo, para mostrar que não é porque um sai de casa, que o outro tem que sair; ou que um não acredita em uma notícia, que os outros também vão segui-lo. Mas a ideia principal era que a mediação fosse um acolhimento, uma forma de manter o vínculo com a leitura e a escola, e pudesse distrair as pessoas e mostrar que estávamos presentes e preocupados com elas
Evilasio Silva de Souza Filho, gestor da Escola Antônio Ferreira Gomes e representante local da Expedição Vagalume
Duas vezes por semana, desde julho, Patrícia Auerbach faz uma chamada de vídeo por WhatsApp para Sophia e Monalisa, duas meninas do 1º ano do Ensino Fundamental, que no começo do ano estudavam na Escola Estadual Prof. Pedro Moreira Matos, no Jardim Lapenna, em São Paulo (SP). Esses encontros virtuais fazem parte do projeto Letra Móvel, uma ação da iniciativa Comunidade CENPEC Educação em parceria com a Fundação Tide Setubal.
Durante esse encontro virtual, que dura cerca de 50 minutos, a formadora Patrícia propõe diferentes atividades e brincadeiras com o intuito de potencializar a aprendizagem do letramento. Uma das mais recorrentes é a mediação de leitura – e para que ela pudesse ocorrer da melhor forma, foi preciso realizar algumas adaptações.
Primeiro, eu tive que encontrar livros que tivessem uma narrativa fragmentada, porque como a conexão não era boa, a ligação caía a cada três minutos. Assim, eu não perdia o fio da meada. Outra questão foram as imagens: percebemos que fundo branco funciona melhor no celular, e as ilustrações precisavam ser fáceis de serem percebidas pequenas, sem muito detalhes
Patrícia Auerbach, escritora, ilustradora de livros infantis e formadora do projeto
Ela também teve que estabelecer o ritual da hora da leitura com as crianças, que não estavam acostumadas com essa experiência. Apesar dos percalços, a formadora tem visto progresso no desenvolvimento das crianças, que já conseguem apresentar os livros, entender e construir a história, e começar a pensar sobre o tema da obra após a sua leitura.
“Como elas não tinham livros em casa, nós mandamos alguns para elas, mas ainda assim era complicado, porque as mães tinham receio de que elas estragassem os livros. Foi um trabalho de formiguinha, construindo esse hábito juntas. Hoje em dia, elas têm orgulho de segurar o livro para que eu o leia, e acompanham a história virando a página no momento certo”, diz Patrícia Auerbach.
Com a pandemia, os pais perderam o emprego, e uma criança se mudou para a Bahia, e a outra para o Piauí. Mas os encontros virtuais com Patrícia se mantêm, e agora têm sido feitos até simultaneamente. As meninas Sophia e Monalisa participam e interagem juntas – uma das vantagens da tecnologia.
Videodicas para trabalhar a leitura com as crianças em casa
Algumas escolas resolveram enviar livros para os(as) estudantes, como aconteceu nos municípios participantes do Projeto Letra Viva Alfabetiza, na região do Vale do Ribeira. Com isso, elas buscaram incentivar a mediação de leitura feita pelos familiares para as crianças.
As formadoras do Projeto deram dicas para os(as) professores(as) para que eles(as) pudessem ajudar as famílias nessa tarefa. As dicas, voltadas principalmente para as crianças em processo de alfabetização, foram sintetizadas em vídeos, que compõem a série Letra Viva Alfabetiza na Pandemia.
Os vídeos mostram maneiras de potencializar os ensinamentos presentes na mediação, de abordar a obra com as crianças e de conversar com elas sobre as suas inquietações. Confira:
• Videodicas: Primeiros passos para a leitura em casa
• Videodicas: Afeto, aprendizagem e muito mais na leitura em família
• Videodicas: Brincadeiras e diversão para ajudar na alfabetização
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