Compartilhando práticas de educação antirracista na escola

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Compartilhando práticas de educação antirracista na escola

Saiba como foi o 1° Seminário: Práticas de Educação Antirracista na Escola, promovido pela Comunidade Cenpec com instituições escolares paulistanas

Por Stephanie Kim Abe

Felizmente, é cada vez maior o número de relatos de práticas que acontecem em escolas Brasil afora voltadas a uma educação antirracista. Às vezes, são iniciativas de docentes; outras, são ideias que partem da coordenação pedagógica. Há também aquelas que surgem do protagonismo de estudantes, e outras que são discutidas em conjunto com a comunidade escolar. 

É fato que, apesar dos 20 anos de promulgação da Lei 10.639/03 – que estabelece o ensino da cultura e história afrobrasileira e africana no currículo de todas as escolas de educação básica do país –, há muito o que se avançar quando o assunto é promover uma educação de fato antirracista. 

Uma forma de apoiar esse processo é incentivar a formação de uma rede de escolas que queiram compartilhar saberes e experiências sobre o tema.

É isso que o Cenpec almeja ao propor e realizar o 1° Seminário: Práticas de Educação Antirracista na Escola. O evento, on-line, ocorreu na última quarta-feira (dia 28 de junho), como iniciativa da Comunidade Cenpec. Ele faz parte da frente de trabalho Educação para as Relações Étnico-Raciais, que busca discutir com escolas as leis 10.639 e 11.645 e promover ações afirmativas. A Comunidade é composta por educadoras(es) que trabalharam ou trabalham em projetos e mantêm vínculos com o Cenpec e atuam voluntariamente em ações formativas e diferentes frentes de trabalho.

Saiba mais sobre as formações da frente Educação para as Relações Étnico-Raciais

Colaborativo, formativo e propositivo, o seminário contou com a apresentação das práticas de seis instituições escolares de São Paulo que desenvolveram parcerias com a Comunidade Cenpec nos últimos anos: Centro de Educação Infantil (CEI) Jardim do Sonho, CEI Vila Feliz, CEI Marinho de Assis, CEI Campo Belo, CEI Bem Me Quer e Escola Estadual Alberto Torres. 

Os cinco CEIs participaram de um projeto de sensibilização e formação da Comunidade Cenpec que ocorreu ao longo de 2020 e 2021, enquanto a EE Alberto Torres foi assessorada pela Comunidade em 2022. 

Foto: arquivo pessoal

Na apresentação do seminário, Washington Góes, técnico de programas e projetos do Cenpec e membro da Comunidade Cenpec, explicou os desejos do grupo com relação a essa iniciativa:

Que as rodas de conversa resultem também em ideias que possam ser aprofundadas e transformadas em propostas de outras atividades com outros desenhos, outras proposições que contribuam com a incidência em políticas públicas de educação.”


Práticas antirracistas na educação infantil

As experiências apresentadas durante o seminário foram realizadas entre 2022 e 2023 e são fruto da formação e assessoria realizados com a Comunidade Cenpec. 

No caso dos CEIs, as práticas se ancoram no currículo da cidade Educação antirracista: orientações pedagógicas: povos afro-brasileiros da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

Os relatos, em geral, destacaram o trabalho com a autoestima e a identidade das crianças, e o respeito por todas as etnias e culturas. As professoras, diretoras e coordenadoras(es) pedagógicas(os) apresentaram o planejamento, a metodologia, os objetivos, a execução e a avaliação que realizaram de suas respectivas práticas

Acervo do projeto Ninhal Literário

No CEI Vila Feliz, o Ninhal Literário ocorre quinzenalmente, às sextas-feiras, e trabalha com livros que contam histórias de migrantes, indígenas e afrodescendentes. “Elas têm um dos melhores acervos de educação infantil que eu já vi em escolas”, pontuou Góes. 

Na apresentação desse projeto, a professora Noeli Almeida disse:

Tudo isso que estamos trazendo, trabalhando é para aguçar os conhecimentos das crianças, elevar a autoestima das crianças e mostrar que somos únicos e que cada um tem o seu perfil, e merece o seu respeito. Nós devemos respeitar e ser respeitados.”

O projeto Indígenas sim, índios não! do CEI Marinho de Assis envolveu um trabalho de formação com as professoras sobre a cultura e a história dos povos indígenas. 

Jessica da Silva Pão Costa, coordenadora pedagógica da CEI, destacou:

Nós fomos construindo juntas esse conhecimento para primeiro se apropriar dessa cultura indígena e depois passar às crianças através da contação de histórias, da culinária etc.”

Ao longo do projeto, as crianças tiveram contato com o milho e a mandioca in natura, conheceram a história do escritor Daniel Munduruku, participaram de contação de histórias e receberam a visita de indígenas Kariri no Dia da Família. 

Dia da Família no projeto Indígenas sim, índios não!

Aqui nós identificamos que quando não se trata desse assunto nas escolas, não é porque não quer. É porque muitos professores, gestores têm essa dificuldade. Como falar de algo que eu também não conheci, não tive contato quando estudante, quando estava na escola? Porque ouvimos uma história contada por um povo, e agora estamos nessa desconstrução para poder aprender de fato essa cultura, essa diversidade e o que ela nos representa“, disse a professora Jessica da Silva Pão Costa.

A professora Jessica explicou que a avaliação, por meio do caderno de registros, permitiu perceber como o projeto também envolveu as famílias:

Projeto Mersene

Já o CEI Campo Belo centrou o Projeto Mersene em torno da história do livro A menina que abraça o vento, de Fernanda Paraguassu. A personagem Mersene é uma refugiada congolesa e que se tornou uma boneca. Toda sexta-feira, uma criança é sorteada para levar a Mersene o seu kit para casa, para cuidar dela, fazer registros desse cuidado e ler a história com a família.

Vemos se a família conheceu a história da personagem e se entenderam a importância da educação antirracista.” 

Projeto Resgate das brincadeiras africanas e oficina da boneca abayomi

No CEI Bem me Quer, o projeto Resgate das brincadeiras africanas e oficina da boneca abayomi buscou dar visibilidade a vivências antirracistas com as crianças e bebês e envolver também os familiares. 

Assim como o projeto Era uma vez África da CEI Jardim dos Sonhos, que realizou leituras e mural para trabalhar o reconhecimento da identidade e a construção de uma percepção positiva das diferenças étnico-raciais.

Na avaliação desse projeto, as autoras pontuaram:

No momento da leitura, as professoras notavam que as crianças ficavam apontando para o cabelo, para o cabelo do amigo, para o tom de pele. Então eles começaram a perceber e a respeitar isso; saber que um tem um tom de pele mais clara, outro mais escura, e eles percebiam isso no momento da apresentação da leitura.”

Projeto Era uma vez África da CEI Jardim dos Sonhos


Prática antirracista no ensino médio

A Escola Estadual Alberto Torres apresentou como começou e ocorreu a eletiva CRE – Coletivo Resistindo e Existindo, uma iniciativa que partiu das(os) próprias(os) estudantes e foi tocada por elas(es). 

Foto: arquivo pessoal

A professora da eletiva Rosimeire Aparecida de Sousa explicou:

O objetivo desse coletivo é exatamente trabalhar, consolidar uma lei que, na verdade, já está aqui com a gente há muito tempo, e que não estamos vendo ser efetivamente mais bem trabalhada como gostaríamos – que é conhecer a história indigena e africana nas escolas públicas.”

Professora Rosimeire Aparecida de Sousa, da EE Alberto Torres

Essa experiência resultou, inclusive, na produção de um documentário pelo Cenpec:

Documentário sobre o CRE

Maria Amabile Mansutti, consultora e membro da Comunidade Cenpec, comentou que o seminário possibilitou dar visibilidade a experiências mais estruturadas e perenes:

Foto: arquivo Cenpec

Dos bebês até aos adolescentes, temos como fazer uma educação antirracista. E uma verdadeira educação antirracista que não é só trabalhar a questão racial em eventos pontuais, como muitas vezes ainda acontece nas escolas. Todas as experiências aqui estão preocupadas em trabalhar isso a partir do papel da escola, que é formar para as relações sociais, formar nas questões do que se deve aprender dentro da escola, que pega o currículo, e a aprendizagem das crianças.”

Saiba mais sobre a iniciativa na live que ocorreu com o grupo de estudantes do Coletivo CRE

Foto: arquivo pessoal

Marisneia Magalhães, presidente do Instituto Projetando o Futuro, agradeceu a oportunidade de participar do evento e conhecer os projetos de todas e todos:

Juntar as crianças, bebês e os resultados com os adolescentes mostram que precisamos preparar os pequenos para serem esses adolescentes conscientes no futuro. Quero muito dar continuidade porque ver nos noticiários as violências causadas internamente no corpo, no emocional das crianças, dos bebês e dos adolescentes não pode continuar. Nós faremos uma sociedade melhor pelo menos com aqueles que passarem por nossas unidades.”


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