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Métodos de alfabetização no Brasil
Marlene Alexandroff, especialista em psicopedagogia, faz retrospectiva dos métodos de alfabetização empregados no Brasil. Artigo publicado originalmente na Plataforma do Letramento em 2013
- Tamara Castro
Por Marlene Coelho Alexandroff
Ao se pensar em alfabetização surge um embate: qual é o método mais adequado? […] Como superar as dificuldades de aprender a ler e a escrever encontradas pelas crianças?
Analisando o panorama educacional do Brasil desde o final do século XIX, percebe-se que, ao se falar de leitura e escrita, logo se pensa em alfabetização. E ao se pensar em alfabetização surge um embate: qual é o método mais adequado? Foram muitas as tentativas de se encontrar o melhor, pois se acreditava que a previsão, o planejamento e a elaboração de materiais diversificados poderiam se viabilizar com mais sucesso por meio de determinado método.
Essa busca gerou muitas disputas, as quais trazem no bojo um problema que permanece: como superar as dificuldades de aprender a ler e a escrever encontradas pelas crianças, em especial aquelas que frequentam escolas das redes públicas e que vivem em situação de vulnerabilidade social, tendo pouco ou nenhum contato com a cultura letrada antes de ingressar nas escolas?
Segundo Braslavsky (1971, p. 43-45), os métodos de leitura agrupam-se em dois grandes grupos: os sintéticos, que vão da leitura dos elementos gráficos (o alfabético, o fônico, o silábico) à leitura da totalidade da palavra, e os analíticos, que partem da leitura da palavra, da frase ou do conto (historieta), para chegar ao reconhecimento de seus elementos: a sílaba ou a letra. Essa classificação considera tanto a natureza do elemento linguístico adotado como ponto de partida do processo, quanto as operações cognitivas envolvidas nessa fase inicial. Os métodos sintéticos apoiam-se na ideia de que a língua portuguesa é fonética e silábica, de modo que a dedução é a melhor maneira de dominar a leitura e que a aprendizagem da escrita se dá por meio de um processo que atente para essa característica.
Dependendo do ponto de partida, ou seja, da unidade linguística analisada, os métodos sintéticos podem classificar-se em: alfabético (ou da soletração), que parte dos nomes das letras; fônico, que parte dos sons correspondentes às letras; e silábico, que parte das sílabas.
Nos três, o processo vai da parte (unidade linguística) em direção ao todo (palavra), numa ordem crescente de dificuldade; isto é, depois de se reunirem as letras ou os sons em sílabas, ensina-se a ler palavras formadas por essas letras, sons ou sílabas, para enfim ensinar frases, que podem ser isoladas ou agrupadas.
No ensino da escrita, os métodos silábicos valorizavam o desenho correto das letras, priorizando caligrafia, ortografia, cópia, ditados e formação de frases. Acreditava-se que, de posse desse conhecimento, podia-se escrever qualquer texto.
Já de acordo com os métodos analíticos (ou globais), a análise do todo precede à análise das partes e à síntese; portanto, o ensino da leitura deve se iniciar com porções de sentido, que partem de um todo, para depois se proceder à análise de suas partes constitutivas: a palavra, a sentença ou o conto ou historieta (segundo MORTATTI, 2006, um conjunto de frases relacionadas entre si por meio de nexos lógicos).
No estado de São Paulo, houve uma primazia de cartilhas que partiam das historietas (ou contos), destacando-se Onde está o patinho?, de Cecilia Bueno dos Reis Amoroso e publicada em 1984 (observe a figura abaixo):
Assim, partia-se da historieta, passava-se pela sentença, de onde se retiravam pequenas porções de sentido, destacando-se palavras, que seriam memorizadas e estudavam-se suas famílias silábicas para a formação de novas palavras.
Diferentemente dos métodos sintéticos, que fragmentavam muito o ensino da língua, as historietas favoreciam a leitura corrente, auxiliando a antecipação de ideias, por trabalhar com porções de sentido. Os métodos analíticos apoiam-se na teoria do “sincretismo infantil”, que apresenta uma visão globalizante, reforçada pela Gestalt, a qual preconiza a totalidade dos fenômenos psíquicos e que a aprendizagem se dá por insight.
Nessa concepção, a língua portuguesa é fonética e a escrita é diferente da fala, o que exige uma graduação sistemática para a aprendizagem da escrita, partindo-se de sílabas mais simples para as mais complexas. A Gestalt também preconiza que a identificação dos principais elementos de composição da imagem se dá de modo totalizante, o que facilita a compreensão do significado, contribuindo assim para o registro ortográfico adequado pela formação de imagem cinestésica das palavras. Por exemplo: a palavra gato forma uma imagem que facilita a sua memorização, diferente da palavra barriga:
Por isso, se valorizava muito a leitura de palavras significativas que iam sendo memorizadas ao longo do trabalho.
a leitura não é ponto de partida, é uma consequência, no processo de aprendizagem. Isto é, parte-se de uma situação concreta que faz parte do cotidiano da criança, elabora- se uma frase cujo conteúdo seja representativo e de vocabulário familiar. A frase é expressa oralmente, e, em seguida, escrita. Depois vem o reconhecimento e, finalmente, a leitura.
MACIEL, 2010, p. 5.
Para o ensino da escrita, os métodos analíticos também valorizavam o desenho correto das letras, trabalhando a escrita cursiva desde o início da alfabetização e priorizando a caligrafia, a ortografia e o treino da escrita. Acreditava-se também que, de posse desse conhecimento, podia-se escrever qualquer texto. Mas, diferentemente dos métodos sintéticos, nos analíticos os alunos eram estimulados a ler porções de sentido, o que favorecia a produção textual, mesmo usando um vocabulário mais controlado e fechado.
No entanto, ao se observar a realidade brasileira mais de perto, percebe-se que houve uma parcela significativa de escolas e de professores que usaram cartilhas mesclando princípios metodológicos pertinentes aos dois grupos: trata-se do método analítico-sintético (ou eclético). Partindo da frase para chegar à palavra e à família silábica, toma por empréstimo alguns elementos do método analítico, sem, no entanto, abandonar as características básicas do sintético: a operação B + A= BA. Esse método usa a imagem para reforçar a letra a ser aprendida, juntando a questão da formação da imagem cinestésica, presente no método analítico.
O melhor exemplo desse método é a cartilha Caminho suave, que teve sua primeira edição em 1948 e ainda hoje é referência para muitos. Nela, a autora Branca Alves de Lima juntou princípios do método sintético com o analítico que estava surgindo na época em que escreveu a sua cartilha.
Ela denominou o seu método de “alfabetização pela imagem”, reforçando assim, o princípio da imagem cinestésica. A letra “a” está inserida no corpo de uma abelha, a letra “b”, na barriga de um bebê, o “f” fica instalado no corpo de uma faca, a letra “o”, dentro de um ovo e assim por diante, associando desenhos às letras iniciais das palavras-chave para facilitar sua memorização, para depois trazer a família silábica e a formação de novas palavras.
Havia sempre uma frase que introduzia a palavra e a família silábica. A formação das palavras partia sempre da família estudada, apresentando vocabulário pobre e muito controlado, pois trabalhava as famílias simples (consoante e vogal) e depois as famílias complexas (ch, nh, tr etc.).
A partir da década de 1980, essas ideias e metodologias passaram a ser questionadas, em função da crescente demanda de crianças com problemas de fracasso na alfabetização. Surge o construtivismo, baseado nas pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita, desenvolvidas por Emília Ferreiro e Ana Teberosky, que deslocam as discussões dos métodos de ensino para o processo de aprendizagem da criança. Não se trata mais de se pensar num novo método, mas de uma “revolução conceitual”, relacionada ao desenvolvimento cognitivo da criança, que redimensionou a graduação das dificuldades, “desmetodizou” o processo de alfabetização e questionou o uso de cartilhas.
Se as pesquisas da psicogênese trouxeram grande avanço para o entendimento de como se dá a aprendizagem da língua escrita pela criança, a aplicação pedagógica de suas conclusões científicas é alvo de críticas. Há que destacar que a busca da uma didática construtivista trouxe também muitos desacertos, pois, ao identificar e considerar o estágio de desenvolvimento cognitivo em que está a criança, o seu nível de evolução de escrita, as operações lógicas nelas envolvidas, muitos se perderam no intuito de propor atividades que realmente desafiassem as crianças, independentemente do seu nível de evolução.
Confunde-se o respeito à construção do conhecimento pelo aluno com o não planejamento do processo de ensino-aprendizagem, deixando-o à deriva do desenvolvimento da criança, pois pressupunha-se que esta chegaria sozinha a conclusões sobre a escrita e suas funções a partir do uso que faz dela. Nesse caso, o papel do professor seria apenas o de criar situações para que a criança fosse motivada a usar a escrita.
Paralelamente, com a divulgação das ideias de psicólogo russo Lev Vygotsky
(1896-1934), surge a corrente sociointeracionista, preconizando que o processo de apropriação da escrita se dá primeiro nas interações sociais, para depois ser internalizado pelo aprendiz. Nessa concepção, toda a aprendizagem é feita, de início, socialmente, e vai aos poucos se tornando uma construção individual.
Com essa corrente, vieram também os estudos sobre letramento, diferenciando-o da alfabetização, que, nessa perspectiva, são processos simultâneos, porém distintos, cada um com suas especificidades, mas complementares, inseparáveis e ambos indispensáveis.
No atual estado da arte, após as contribuições e os questionamentos do construtivismo e do socioconstrutivismo, vivenciamos um momento de busca de equilíbrio, pois o desafio que se coloca hoje para os professores é o de conciliar a alfabetização e o letramento, de modo a assegurar aos alunos a apropriação do sistema alfabético-ortográfico e a plena condição de uso da língua nas práticas sociais de leitura e escrita.
Há consenso em grande parte dos estudiosos que uma prática pedagógica centrada apenas no estudo das correspondências fonográficas não garante uma alfabetização de qualidade, pois as práticas de leitura e de escrita são praticamente inexistentes nas famílias de considerável parcela das crianças que frequentam as escolas públicas de nosso país.
Se por um lado, as práticas sociais de leitura e escrita devem ser enfocadas pedagogicamente para que o acesso ao mundo da escrita em todas as dimensões seja real e mais democrático, por outro devemos, segundo Rego, “considerar que também é um fato incontestável que só a partir da descoberta do princípio alfabético e das convenções ortográficas formamos em leitor e escritor autônomo” (REGO, 2006).
Concluímos defendendo, com Magda Soares, a necessidade de se buscar uma metodologia que dê um suporte à prática do professor, possibilitando uma sistematização de seu trabalho e a materialização desses dois pontos fundamentais, acompanhando e orientando a aprendizagem da criança: alfabetizar letrando ou letrar alfabetizando pela integração e pela articulação das várias facetas da aprendizagem inicial da língua escrita é sem dúvida o caminho para superação dos problemas que vimos enfrentando nesta etapa da escolarização. Descaminhos serão tentativas de voltar a privilegiar esta ou aquela faceta como se fez no passado, como se faz hoje, sempre resultando no reiterado fracasso da escola brasileira em dar às crianças acesso efetivo ao mundo da escrita.
BRASLAVSKY, B. P. Problemas e métodos no ensino da leitura. São Paulo: Melhoramentos/Ed. da USP, 1971.
FRANCO, A.; ALVES, A. C. S. e ANDRADE, R. C. Construtivismo: uma ajuda ao professor. 4. ed. Belo Horizonte, MG. : Lê, 1997.
MACIEL, F. I. P. Alfabetização e métodos ou métodos de alfabetização. Revista Educação. Guia da Alfabetização 2. São Paulo: Segmento, 2010.
MORTATTI, M. R. L. História dos métodos de Alfabetização no Brasil. Brasília: Ministério da Educação (MEC), 2006. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/alf_mortattihisttextalfbbr.pdf. Acesso em: 21 ago. 2019.
PELINSON, J. “Qual é o seu método?”. Jornal Letra A. Belo Horizonte, mar./abr. 2013, ano 9, n. 33. REGO, L. L. B. Alfabetização e Letramento: refletindo sobre as atuais controvérsias. MEC, 2006. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/alf_moarisconcpmetodalf.pdf . Acesso em: 21 ago. 2019.
SOARES, M. “Alfabetização e letramento: caminhos e descaminhos”. Revista Pátio. Porto Alegre: Grupo A, n. 29, p. 19-22, 2004.
VAL, M. G. C. “O que é ser alfabetizado e letrado?” In: CARVALHO, M. A. F.; MENDONÇA, R. H. (Org.). Práticas de leitura e escrita. Brasília: Ministério da Educação (MEC), 2006.
Especialista em psicopedagogia com mestrado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Foi coordenadora do programa de correção do fluxo escolar no CENPEC. Atualmente, é professora do Instituto Sedes Sapientiae. Tem experiência na área de educação, com ênfase em métodos e técnicas de ensino e psicopedagogia, atuando principalmente nos seguintes temas: alfabetização e letramento, fracasso escolar, leitura e escrita, gêneros textuais, construção de autoria, teorias psicogenéticas e psicopedagogia institucional.
Das primeiras letras aos multiletramentos (especial multimídia)
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