- José Alves
“Seja do ponto de vista pedagógico, político e ou de financiamento, a educação infantil está em risco (…). É preciso unir forças e resistir de forma coletiva e organizada para garantir o direito de bebês e crianças a uma educação infantil pública, com gestão pública, digna e de qualidade”.
Com esse diagnóstico, a Frente em Defesa da Educação Infantil da Cidade de São Paulo lançou a carta aberta Implicações e inquietações sobre o PL 68, que analisa o Projeto de Lei (PL) nº 68/2017, apresentado na Câmara Municipal pelo vereador Claudio Fonseca (Cidadania).
Risco de privatizações
Segundo a ementa, o projeto faz alterações quanto “ao mínimo das jornadas de trabalho docente, destinado para horas/atividades para os profissionais de educação, docentes do quadro dos profissionais de educação do ensino municipal de S. Paulo”.
O PL 68, no entanto, aborda dois aspectos de naturezas distintas, diz a carta aberta: a ampliação da jornada docente; e a possibilidade da alteração de denominação de cargo dos professores que atualmente estão em docência nos Centros de Educação Infantil (CEIs) da cidade de São Paulo, com diferenças de jornada entre os que optarem e os não optarem pela alteração de cargo.
Consequentemente, aponta o documento, o PL 68 pode gerar incompatibilidades e sobreposições de jornadas, além de não deixar claro como se dará a acumulação de cargos, hoje permitida, por exemplo, nos CEIs e Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs) da cidade. Segundo o documento, o projeto também “cria condições ideais para a privatização total dos CEIs na cidade de São Paulo”.
Defendemos o direito da criança de 0 a 6 anos à educação e como direito social dos trabalhadores e trabalhadoras em ter seus filhos matriculados em CEIs, EMEIS e CEMEIs (no caso de SP) públicas, laicas e gratuitas, conforme arts. 7º e 208º da Constituição Federal.”
Frente em Defesa da Educação Infantil da Cidade de São Paulo
Homeschooling e Fundeb: preocupações entre União e município
Implicações e inquietações sobre o PL 68 também menciona outras preocupações relacionadas ao contexto geral da educação no País e no município de São Paulo.
O documento faz críticas à Emenda Constitucional 95/2016, que congela gastos públicos em educação e outras áreas sociais, menciona o risco de não continuidade do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e alerta para a possível aprovação das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45 e 110/2019, que propõem a Desvinculação de Receitas da União (DRU), além da “não renovação do piso do magistério e/ou a subvinculação de recursos do Fundo para o pagamento da folha de pessoal” e a “liberação indiscriminada de verbas públicas para pagamento de vouchers”.
Especificamente em São Paulo, também são criticados os Projetos de Lei nº 84/2019, do vereador Gilberto Nascimento (PSC-SP), que autoriza a educação domiciliar (homeschooling) no município; e nº 328/2017, que autoriza o funcionamento de escolas em imóveis particulares.
O CENPEC Educação é uma das instituições que assinam a carta aberta, que tem o apoio do Fórum Municipal de Educação de São Paulo. Leia o conteúdo na íntegra.
Carta Aberta
Implicações e inquietações sobre o PL 68
Frente em Defesa da Educação Infantil da Cidade de São Paulo
Nós, famílias, profissionais da educação, estudantes, movimentos sociais, universidades, sindicatos e todos que defendem uma educação infantil pública e de qualidade somos a voz de bebês e crianças, que querem o direito à infância garantido. Somos a Frente em Defesa da Educação Infantil da cidade de São Paulo e defendemos o direito da criança de 0 a 6 anos à educação e como direito social dos trabalhadores e trabalhadoras em ter seus filhos matriculados em CEIs, EMEIS e CEMEIs (no caso de SP) públicas, laicas e gratuitas, conforme arts. 7º e 208º da Constituição Federal.
Vivemos, na atualidade, um contexto repleto de desafios que colocam em risco direitos conquistados historicamente, que certamente trarão consequências negativas para a vida de bebês, crianças, famílias e trabalhadoras(es) da educação. Na composição desta conjuntura, destaca-se a Emenda Constitucional 095/2016, conhecida como “PEC do fim do mundo” que congela por 20 anos os investimentos em diferentes áreas sociais incluindo a educação. As consequências deste congelamento para a Educação de forma geral e para Educação Infantil será avassalador. Os recursos que já eram escassos irão diminuir ano a ano. O que sobrará para a Educação Infantil? Ainda há o risco eminente da não continuidade do FUNDEB, uma vez que está instaurado no âmbito do governo federal, o debate sobre permanência ou não do Fundo. São várias propostas na contramão de um FUNDEB permanente: a extinção da garantia de repasses aos Estados e Municípios, por meio das PECs 45 e 110/19 com a Desvinculação de Receitas da União (DRU), a não renovação do piso do magistério e/ou a subvinculação de recursos do Fundo para o pagamento da folha de pessoal, associar ou diluir a rubrica da educação com a saúde, além da liberação indiscriminada de verbas públicas para pagamento de vouchers que, se consolidadas deixará a educação sem os recursos financeiros necessários. Somam-se a essas questões as reformas trabalhistas que instaura a terceirização do trabalho, incluindo o de professores, consolidando um processo de precarização e desvalorização do trabalho docente, para além da reforma da previdência que retira das (os) trabalhadoras(es) direitos e condições dignas de vida.
Seja do ponto de vista pedagógico, político e ou de financiamento, a Educação Infantil está em risco e possui suas especificidades. É preciso unir forças e resistir de forma coletiva e organizada para garantir o direito de bebês e crianças a uma Educação Infantil pública, com gestão pública, digna e de qualidade.
Em São Paulo, a Câmara Municipal de São Paulo tem dialogado, em algumas situações, com este cenário. Alguns Projetos de Lei apontam para o esfacelamento da Educação e propõem alternativas que flexibilizam a oferta deste serviço em nossa cidade. O PL 084/19, de autoria do Vereador Gilberto Nascimento, propõe a instituição do “homeschooling” sobre o ensino domiciliar, enquanto o PL 328/17, de autoria do Vereador Rinaldi Digilio (PRB), autoriza o funcionamento de escolas e CEMEIS em imóveis particulares, entre outros Projetos que deverão ser alvo de grande debate pela sociedade civil e escolar.
Inseridos nesse complexo contexto convidamos todos a refletir, mais detalhadamente, sobre proposto no PL 68/20171 (1), de autoria do Vereador Claudio Fonseca (Cidadania), pensando sobre os desdobramentos que sua implementação poderá causar no cotidiano educativo dos Centros de Educação Infantil (CEI) da cidade de São Paulo e as possíveis consequências para bebês, crianças e profissionais da educação. Antes de aprofundar as questões, é preciso esclarecer que o referido projeto aborda dois aspectos de natureza distintas: a ampliação da jornada docente e a possibilidade da alteração de denominação de cargo dos Professores que atualmente estão em docência nos CEIs da cidade. Ressaltamos que pauta referente valorização docente e a ampliação do tempo destinado a formação é consensualmente um aspecto fundamental na qualificação da educação pública municipal.
Coletivamente, sintetizamos nessa carta aberta algumas inquietações importantes sobre o PL 68/2017, que compartilhamos com a comunidade educativa, a fim de potencializar a reflexão sobre a proposta e seus desdobramos.
(1) “Dispõe sobre alterações na Lei nº 14.660, de 26 de novembro de 2007, visando atender o §4º do art. 2º da Lei Federal nº 11.738, de 16 de Julho de 2008, quanto ao mínimo das Jornadas de Trabalho Docente, destinado para Hora/atividades para os Profissionais de Educação, Docentes do Quadro dos Profissionais de Educação do Ensino Municipal de S. Paulo.
PL 68 algumas inquietações
Considerando o contido no PL 68/2017, os Centros de Educação Infantil (CEI) poderão ter professores com 3 tipos de jornada diferentes:
Para as Professoras(es) que optarem pela permanência neste cargo I- Jornada Básica de 30 horas semanais: composta por 30 horas-relógio semanais, sendo 25 horas-relógio em regência e 5 horas-relógio de atividades. |
Para as Professoras(es) que optarem pela alteração de denominação de cargo II – Jornada Docente: composta por 40 (quarenta) horas aula de trabalho semanal, sendo 25 (vinte e cinco) horas-aula em regência/complementação de jornada e 15 horas-aula atividades, correspondendo a 240 horas aula mensais III – Jornada Especial Docente: composta de 30 (trinta) horas-aula de trabalho semanal, sendo 25 (vinte e cinco) horas-aula em regência/ complementação de jornada e 5 horas-aula atividade, correspondendo a 180 horas aula mensais. |
Segundo o proponente do PL 68/2017, para atender ao proposto deverá ser instituído o terceiro turno docente no CEI e, segundo suas estimativas, o governo deverá criar mais de 4000 cargos de professores para atender os três turnos do CEI. A partir do exposto, propomos a reflexão sobre algumas questões:
1- Compatibilidade entre jornada docente e período de atendimento aos bebês e crianças: atualmente, os CEIs possuem dois turnos de professores que totalizam 10 horas de trabalho diário em regência, assim como os bebês e crianças que possuem uma jornada de 10h de permanência no CEI. No novo panorama proposto pelo PL 68/2017, a somatória dos três turnos docentes será de 12h diárias de regência. Nesse sentido, como compatibilizar as 12h de regência necessárias para contemplar os três turnos docentes com as 10h de permanência dos bebês e das crianças no CEI? Por exemplo: nos CEIs que iniciam a jornada com bebês e crianças às 7h da manhã, a saída ocorre as 17h. Como o professor do último turno (15h-19h) completará sua regência se as crianças saem as 17h?
2- Composição da jornada docente no cotidiano: considerando as três diferentes jornadas que poderão coexistir no CEI, poderá existir a sobreposição de regência, uma vez que os agrupamentos de crianças poderão ter professores com 5 horas de regência e outros com 4 horas de regência, o que gerará sobreposição. Um exemplo: em uma sala onde o professor do primeiro turno não faz a opção pela alteração trabalhando em regência das 7h às 12h, mas o do segundo turno faz a opção pela alteração e assim trabalhará das 11h às 15h, ou seja, das 11h às 12h haverá dois professores regentes na mesma sala. Como será institucionalizada essa sobreposição? Outra questão: caso o professor do turno do meio não optar pela alteração e, portanto, continuar com sua jornada de regência de 5 horas-relógio, qual será o seu horário de trabalho? Ele também irá se sobrepor aos demais? Como prever e organizar essas diferentes cargas horárias na jornada do CEI, sem comprometer o acúmulo docente?
3- Remuneração docente: atualmente, é possível o acúmulo de cargos entre CEI (J30) e EMEI/EMEF com JEIF. Sabe-se que, embora com cargas horárias diferentes, ambas as jornadas equivalem em termos de remuneração. Contudo para os que optarem pela alteração será possível acumular duas JEIFs? Em caso negativo, isso significa que, para os professores que acumulam, a opção pela alteração da denominação do cargo acarretará uma perda salarial?
4- Composição dos grupos de formação docente: considerando a possibilidade de coexistência de três tipos diferentes de jornadas distribuídas em três turnos de trabalho, o CEI poderá ter cinco grupos diferentes de formação a fim de atender os docentes com carga horária distintas. Por exemplo:
- I Grupo: início às 9h30 para atender os professores que optaram pela alteração e iniciam regência as 11h
- II Grupo: início 11h para atender aos professores que que optaram pela alteração e finalizam a regência as 11h
- III Grupo: início às 12h para atender aos professores que não optaram pela alteração
- IV- Grupo: início às 13h30 para atender os professores que optaram pela alteração e iniciam regência as 15h V- Grupo: início às 17h para atender aos professores que não optaram pela alteração
A quantidade e a organização dos horários dos diferentes grupos que se sobrepõem podem afetar diretamente a qualidade da formação docente, apresentando significativos desafios para a ação da coordenação pedagógica, que, para além da ação formativa docente, desempenha diferentes ações no cotidiano educativo.
Enfim, apresentamos apenas algumas questões que traduzem as inquietações que nascem a partir da leitura do PL 68/2017. Para além destes questionamentos, registramos o potencial risco que sua aprovação pode acarretar para a continuidade da rede direta de atendimento a primeira infância, uma vez que cria condições ideais para a privatização total dos CEIs na cidade de São Paulo.
Com essas considerações e questões, desejamos que esta carta possa provocar e nos convocar a dialogar sobre o PL 68/2017 nos diferentes coletivos que formam a comunidade educativa, contribuindo para a análise crítica dele, em diálogo com a realidade em que estamos inseridos.
Bebês, crianças e profissionais de educação não podem ter retirado nenhum de seus direitos. Compromissados com a qualidade da educação infantil pública propomos a ampliação do diálogo sobre o PL 68 e todas as proposituras que possam colocar em risco a garantia dos bebês, crianças, familiares e profissionais da educação!
Vamos juntos pensar, propor, resistir e lutar de forma coletiva, diária e permanente!
Não podemos aceitar nenhum direito a menos!
Assinam este documento, compondo a Frente em Defesa da Educação Infantil da Cidade de São Paulo (aberta a novas adesões):
- Ação Educativa
- Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED
- Campanha Nacional pelo Direito à Educação
- Central dos Trabalhadores do Brasil – CTB
- Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária – CENPEC
- Comitê SP da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
- Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal – CONFETAM/CUT
- Conselho de Representantes de Conselhos de Escola – CRECE Central
- Conselho Regional de Fonoaudiologia – 2ª Região/SP
- Federação dos Trabalhadores da Administração do Serviço Público Municipal do Estado de São Paulo – FETAM
- Fórum Municipal de Educação da cidade de São Paulo – FME
- Fórum Municipal de Educação Infantil de São Paulo – FEMEISP
- Fórum Paulista de Educação Infantil – FPEI
- Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Diferenciação Sócio Cultural – GEPEDISC – Linhas Culturas Infantis
- Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Escola Pública, Infâncias e Formação de Educadores – GEPEPINFOR – UNIFESP
- Instituto de Educação e Direitos Humanos Paulo Freire
- Instituto Paulo Freire – IPF
- Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil – MIEIB
- Setorial de Educação do PT da Capital
- Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo – SINESP
- Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias no Município de São Paulo – SINDSEP
- Sindicato dos Trabalhadores nas Unidades de Educação Infantil da Rede Direta e Autárquica do Município de São Paulo – SEDIN
- União de Mulheres do Município de São Paulo
- Antônio Donato – Vereador/CMSP
- Carlos Zarattini – Deputado Federal/SP
- Cida Perez – Ex-Secretária de Educação da cidade de São Paulo
- Claudia Pimenta – Fundação Carlos Chagas
- Lisete Arelaro – Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Fund9 e PNAIC” – FEUsp
- Sonia Larrubia Valverde – Ex Diretora da Divisão de Educação Infantil (SME/COPEDDIEI)
- Toninho Vespoli – Vereador/CMSP
- Fórum de Educação Infantil Amazonense
- Fórum Municipal de Educação de Campinas – Fórum de Educação Infantil de Vinhedo (SP)
- Fórum de Educação Infantil do Maranhão
- Fórum de Educação Infantil do Tocantins
- Fórum Regional de Educação Infantil da região Central do Estado – FREICENTRAL
- Grupo de Pesquisa e Estudos Freirianos – UNIFESP – Guarulhos
- Grupo de Pesquisa “Infância, Juventude e Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso – Rondonópolis
- Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Infância – NEPEI/UFSM
- Promotoras Legais Populares – PLP/Pimentas – Guarulhos
- Adilson De Angelo – Professor Coordenador do Laboratório de Educação e Infância – Laborei – UDESC – Universidade Estadual de Santa Catarina
- Ana Lucia Goulart de Faria – Colaboradora Aposentada FE/UNICAMP
- Angela Coutinho – UFPR (GT07-EI/ANPED)
- Antonio Donizeti Leal – CEDES (Fórum Municipal de Educação de Campinas)
- Bianca Correia – Profª. USP Ribeirão Preto – Celia Serrão – EFLCH – UNIFESP – Campus Guarulhos
- Fabiana Canavieira – Profª. da Universidade Federal do Maranhão
- Fernanda Leal – UFCG (GT07-EI/ANPED)
- Fernanda Nunes – UNIRIO
- Gizele Souza – UFPR
- Helena Freitas – Profª. Aposentada UNICAMP
- Jacyene Melo de Oliveira Araújo – UFRN (GT07-EI/ANPED)
- Ligia Aquino – UERJ (GT07-EI/ANPED)
- Livia Fraga – UFMG (GT07-EI/ANPED)
- Maria Luiza Rodrigues Flores – UFRGS (GT07-EI/ANPED)
- Patricia Corsino – UFRJ (GT07-EI/ANPED)
- Raquel Salgado – Grupo de Pesquisa “Infância, Juventude e Cultura/UFMT (GT07- EI/ANPED)
- Renata Gloria Cunha – Cursinho da Gloria
- Silvia Cruz – UFRN (GT07-EI/ANPED)
- Sueli Salva – Universidade Federal de Santa Maria – UFSM/RS (GT07-EI/ANPED)
- Vanderlete Silva – Profª. da Universidade do Estado do Amazonas
- Vanessa Neves – Universidade Federal de Minas Gerais (GT07-EI/ANPED)
- Vania Araújo – Coordenadora do Grupo de Pesquisa Infância, Educação, Sociedade e Cultura – UFES
- Viviane Drumond – Profª. da Universidade Federal de Tocantins
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