“Com Fundeb mais redistributivo, haveria menos desigualdades”
#CENPECexplica: Fundeb na prática Em entrevista ao Portal CENPEC Educação, Caio Callegari apresenta uma proposta de Fundeb mais equitativa e amplia o debate sobre financiamento da educação básica
Por João Marinho
Responsável por redistribuir 45% de todo o financiamento da educação básica e 63% dos recursos vinculados à educação, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) expira em 31 de dezembro de 2020 – e tem sido um dos protagonistas do debate sobre investimento no Congresso Nacional.
Pelo menos três Propostas de Emenda à Constituição (PECs) abordam o tema, e uma das principais discussões é como desenhar, para o próximo Fundo, um modelo que promova a equidade e aprofunde a redução das desigualdades que o dispositivo atual alcançou, mas que ainda permanecem expressivas.
Na segunda parte da entrevista com Caio Callegari (foto), coordenador de projetos do Todos pela Educação e especialista em financiamento, o Portal CENPEC Educação aborda a proposta defendida pelo movimento – denominada “Fundeb Equidade” pelo próprio Todos – e de que forma ela impactaria a redistribuição dos recursos.
Aproveite também para conferir a primeira parte da entrevista, que esclarece como funciona o Fundeb atual. Alguns conceitos serão úteis.
Redistribuição nos estados
CENPEC Educação: Discutimos que, apesar de todo o efeito redistributivo, o Fundeb não elimina as desigualdades de investimento na educação, que permanecem bastante expressivas. De que forma isso poderia ser melhorado, agora que se discute um novo Fundeb?
Caio Callegari: Todo mundo tem uma perspectiva diferente do que poderia ser o financiamento da educação no Brasil… Aqui, no Todos pela Educação, entramos mais fortemente na discussão sobre o Fundeb em 2017 – e temos defendido que ele tem um mérito, um êxito, que é reduzir desigualdades.
O Fundeb pode não estar reduzindo as desigualdades como deveria, pode não utilizar todo o seu potencial redistributivo – mas reduz. Dessa forma, nossa posição é que se mudarmos seu formato para tentar atacar outras demandas educacionais que não sejam essa questão da equidade, corremos o risco de dar um passo atrás na luta por essa equidade.
Defendemos que, no final das contas, devemos aprofundar o potencial redistributivo do Fundeb, e não usar o Fundo como uma “bala de prata da educação brasileira”, atacando uma série de outros problemas educacionais que podem acabar por desvirtuar o desenho da política.
CENPEC Educação: E, segundo o Todos, como seria possível melhorar essa redistribuição?
Caio Callegari: Nós reunimos um comitê de especialistas uma vez por mês durante um ano e meio para discutir possibilidades para o Fundeb, além de termos contratado estudos econômicos e educacionais e conversado com organizações parceiras.
Depois desse processo, chegamos a uma proposta que parte do valor aluno/ano total (VAAT) e da concepção de que, se parte expressiva das desigualdades decorre dos investimentos fora do Fundeb atual, é preciso atacar mais fortemente aí.
A proposta tem três pilares: (1) fazer com que a redistribuição dentro de cada estado e no Distrito Federal passe a considerar também os recursos fora do Fundeb; (2) propiciar que a complementação da União seja feita diretamente nos municípios mais pobres, e não nos estados mais pobres; e (3) aumentar essa complementação.
CENPEC Educação: Como a redistribuição interna poderia ser melhorada em cada estado?
Caio Callegari: Bom, haveria duas formas de fazer isso. A primeira seria colocar dentro da “cesta Fundeb” todos os recursos vinculados à educação, e não apenas parte deles, como é hoje. O problema disso é que ainda não há, no Brasil, um controle robusto da arrecadação do IPTU, ISS e ITBI, que são os impostos municipais fora da cesta.
Como há municípios que não conseguem controlar o fluxo desses impostos ao longo do ano, por terem condições de gestão e arrecadação precárias, se você os colocasse dentro do Fundeb, criaria um caos operacional que poderia inviabilizar o próprio Fundeb, já que os municípios precisariam enviar os recursos desses impostos para a cesta e, depois, recebê-los de volta, redistribuídos.
O melhor jeito de evitar esse caos é verificar, no fechamento de cada ano, quanto cada município arrecadou de recursos vinculados dentro e fora da ‘cesta Fundeb’, de tal maneira que seja possível construir o valor aluno/ano total (VAAT): quanto o município tem para investir por cada aluno em um ano, considerados tanto os recursos que vêm do Fundeb quanto os recursos vinculados fora da cesta.”
Caio Callegari
A partir desse VAAT, é possível construir um fator redistributivo, por meio de uma fórmula que considere o quanto cada município tem fora do Fundeb para investir em educação.
Essa seria uma lógica de equalização fiscal que tornaria o Fundeb mais redistributivo dentro de cada estado – mas, além desse fator de equalização fiscal, temos defendido a incorporação de um fator socioeconômico.
Nessa lógica de fator socioeconômico, as matrículas de crianças e jovens de famílias beneficiárias do Bolsa Família ou beneficiárias de outros programas sociais incluídos no Cadastro Único teriam, também, um peso adicional.
Dessa forma, municípios que têm alunos mais pobres, mesmo que tenham uma arrecadação relativamente alta, passariam a receber mais recursos porque têm de atender a alunos mais pobres, visando a uma virada educacional.
O fator socioeconômico também seria um estímulo para que os municípios fizessem busca ativa de suas crianças mais pobres, além de investimentos maiores nas suas escolas em territórios mais vulneráveis, a fim de evitar a evasão.
Com o fator redistributivo de equalização fiscal e com o fator socioeconômico, seria possível, via Fundeb, fazer uma indução de equidade também dentro de cada rede de ensino, e não somente entre as redes de ensino em sua totalidade.
Com um novo Fundeb que redistribuísse melhor os recursos dentro de cada estado, as desigualdades continuariam existindo, mas seriam bem menos expressivas.”
Caio Callegari
Dinheiro direto no município
CENPEC Educação: E por que seria necessário também que a União passasse fazer a complementação diretamente nos municípios, em vez dos estados, como é hoje?
Caio Callegari: Mesmo quando se faz uma redistribuição intraestadual mais forte em cada estado, isso não corrige tanto a lógica que gera as desigualdades, porque os estados também são muito diferentes, muito desiguais.
Dessa forma, mantendo a lógica atual de complementação da União, que é feita estado a estado a partir do mais pobre, continuaria havendo uma desigualdade de lógica nacional.
Isso porque, no sistema atual, o dinheiro da complementação da União que chega aos estados mais pobres é distribuído de forma igual entre os municípios de cada estado que recebe complementação.
O sistema faz com que, dentro de um estado como o Maranhão, por exemplo, o dinheiro da União chegue por igual a São Luís, que é a capital e tem mais recursos; e a Buriti, que tem menos.
A mesma coisa acontece em Pernambuco: o valor aluno/ano complementado pela União é distribuído igual para Recife, que é uma capital muito rica; e para Primavera, um município bem mais pobre, localizado no sertão do estado.
CENPEC Educação: A complementação da União é, então, pouco eficiente para reduzir as desigualdades entre os municípios dos estados que a recebem…
Caio Callegari: Ela é pouco eficiente na medida em que não há uma distribuição adequada dos recursos para apoiar justamente os municípios mais pobres do Brasil.
Um cálculo da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados, por exemplo, mostrou que cerca de 30% da complementação da União vai para municípios que não precisariam.
Claro, se colocarmos em uma perspectiva internacional, os municípios precisariam de recursos para chegar à média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas, dentro da perspectiva nacional, alguns municípios não precisam tanto quanto outros, mais pobres.”
Caio Callegari
É essa lógica que o Todos pela Educação entende que deveria mudar, e isso aconteceria se a complementação da União deixasse de ser feita para os estados mais pobres e passasse a ser feita diretamente para os municípios mais pobres, independentemente do estado onde estão – e isso considerando o valor aluno/ano total de cada município, calculado a partir da soma dos recursos dentro e fora do Fundeb, e não apenas o valor aluno/ano do Fundeb.
CENPEC Educação: O Brasil tem 5.570 municípios. Não seria desafiador fazer essa complementação em um número tão grande?
Caio Callegari: Sim, isso traz uma dimensão de complexidade para a operação do Fundeb. É uma complexidade desafiadora, mas necessária se queremos reduzir a desigualdade que existe fora do Fundeb, pois apenas a redistribuição intraestadual mais equitativa não é suficiente para elevar tanto o valor aluno/ano (VAA) dos municípios mais pobres.
Claro que, por ser mais complexo, esse novo modelo de complementação precisaria, sim, de alguns anos para ser operacional. Haveria um tempo de transição relativamente longo para afinar os mecanismos.
Agora, o grande ponto dessa proposta é que o indicador de valor aluno/ano total (VAAT) precisa ter consistência, confiança – e essa é uma crítica que, por exemplo, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação faz à proposta, pois o VAAT ainda não está bem construído.
No entanto, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) tem trabalhado nisso e informou que esse cálculo do VAAT estaria pronto já em 2021, que seria exatamente o primeiro ano de operação do novo Fundeb.
União: percentuais maiores
CENPEC Educação: Com todos esses ajustes, ainda seria necessário aumentar a complementação da União?
Caio Callegari: Seria, e essa é talvez a maior polêmica que há no debate sobre o Fundeb. A complementação praticada hoje, de 10% da soma dos 27 fundos – um por estado e mais o do Distrito Federal – atinge cerca de R$ 14 bilhões, mas esse valor é insuficiente para que, por exemplo, alcancemos um patamar de qualidade de investimento por aluno minimamente atrelado a uma qualidade expressa no Plano Nacional de Educação (PNE).
Esse aumento tem de ser feito sem que se tirem recursos da própria educação, esvaziando, por exemplo, outros programas do Ministério da Educação (MEC). Ainda não conseguimos “cravar” um percentual – essa discussão precisaria ser feita pelo governo federal e pelo Congresso – mas, no curto prazo, precisaria ser, pelo menos, de 15%.
Chegamos a esse número fazendo alguns cálculos sobre a relação entre nível de investimento e qualidade do ensino. Há pesquisas que têm mostrado que a relação entre investimento e qualidade não é tão forte quanto o componente de eficiência do gasto, mas também que existe um patamar mínimo de investimento, antes do qual mais dinheiro reverte em mais qualidade e depois do qual essa relação fica mais fraca.
Estudamos isso para o caso brasileiro analisando o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) dos anos iniciais do Ensino Fundamental – um bom índice, pois essa etapa fica quase sempre sob responsabilidade dos municípios, e assim chegamos a um valor mínimo de aluno/ano de R$ 4,3 mil, que, para ser obtido, precisaria desse aumento mínimo da complementação da União.
Propostas em andamento
Na terceira e última parte da série de entrevistas com Caio Callegari, veja de que forma as propostas em discussão no Congresso Nacional estão abordando o novo Fundeb. Até lá.
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