Educação na pandemia: como contribuir para a alfabetização?

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Educação na pandemia: como contribuir para a alfabetização?

Maria Alice Junqueira, coordenadora do Projeto Letra Viva, indica algumas possibilidades para escolas e famílias.

Maria Alice Junqueira, psicóloga, especialista em alfabetização e letramento e coordenadora do projeto Letra Viva-Alfabetiza, participou de uma live na página do CENPEC Educação no Facebook, na última terça (5), para dar dicas de como os familiares podem contribuir para a alfabetização de seus filhos nesse período de isolamento social. No artigo abaixo, ela apresenta novamente as principais dicas e materiais sugeridos.

Artigo: Como escolas e famílias podem contribuir para a alfabetização?

Por Maria Alice Junqueira

Maria Alice Junqueira, coordenadora do projeto Letra Viva-Alfabetiza.

O momento é de grandes desafios. A aguda crise de saúde pública causada pela pandemia do novo coronavírus tem gerado ou acirrado outras crises: econômica, social, humanitária. Na educação infelizmente não é diferente. A Covid-19 tem desvelado e aprofundado as desigualdades educacionais e de condições de aprendizagem e desenvolvimento de nossas crianças, adolescentes e jovens.

Para aqueles em idade de alfabetização, a situação é ainda mais delicada, pois a etapa exige um trabalho bastante intensivo de estímulo, acompanhamento, avaliação e mediação para o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita. É um trabalho de especialista: a professora ou professor. Mas, neste momento de isolamento social, em que gestores educacionais e educadores têm se desdobrado para garantir alguma forma de acesso à educação, precisaremos obrigatoriamente do apoio dos familiares.

A prioridade imediata dos governos e da população é clara: saúde, alimentação, acesso a água, moradia, renda. Sem condições para a manutenção da vida, não há condições para educar. Mas sem educação, no médio prazo, tampouco há condições para a manutenção da vida. Por isso deixo aqui algumas sugestões de como pais, mães e responsáveis também podem contribuir para a alfabetização de seus filhos.

Pra começo de conversa

1. Converse e escute as crianças

Em primeiro lugar, é importante entender como as crianças, sujeitos em condição especial de desenvolvimento, estão vivenciando este período. Vale lembrar que elas também perderam bastante: o convívio na escola com os amigos e com a professora – com quem constroem vínculos fortes –, o acesso a espaços mais amplos para correr e brincar, a oportunidade de estar num espaço de socialização e de aprendizagem.

Algumas crianças têm presenciado momentos especialmente tensos em casa, vendo os pais preocupados com a sobrevivência e com a saúde, sentindo o distanciamento dos avós e, em alguns casos, até mesmo vivenciando a morte ou adoecimento de familiares pela Covid-19. Diante disso tudo, é importante explicar o que está acontecendo e, sobretudo, ouvir os sentimentos das crianças, buscando passar a eles a segurança de que precisam.

2. Organize uma rotina

Crianças são sujeitos muito concretos na sua relação com o mundo. Por isso, é fundamental ajudá-las a se organizar na nova rotina. Ter hora para acordar, almoçar, jantar, tomar banho, ajudar em pequenas tarefas domésticas, brincar e fazer as tarefas; tudo isso passa segurança para as crianças. Se possível, é importante ter também um recanto em casa tranquilo para estudar, sem a TV ligada e interferências externas.

A recomendação vale também para as mães, pais e responsáveis. Sabemos que é difícil garantir o sustento da família, cuidar da casa e de familiares e ainda estudar com os filhos, mas neste momento não temos outra alternativa. Na faixa etária em que o processo de alfabetização se dá, as crianças precisam de ajuda presencial de um adulto para se organizar e para ler as comandas das atividades.

3. Aproveite o convívio

Sabemos que isso está longe de ser a realidade de todos, mas, para aqueles que podem ficar isolados em casa, a pandemia é uma oportunidade de aproximação com os filhos. E vivenciar e participar do aprendizado da escrita e da leitura é descobrir uma nova faceta de seu desenvolvimento: os olhos que brilham a cada nova descoberta, o raciocínio afiado e as observações inusitadas. Se puder, aproveite ao máximo. É um privilégio ser testemunha do processo de alfabetização de uma criança!

4. Você não é professor/a … e tudo bem

Não se pode esperar que familiares substituam os professores, que são profissionais formados para ensinar. Além disso, uma parte importante do processo de alfabetização se dá na interação com os colegas e por meio da mediação docente. Haverá perdas, é claro, mas o que as crianças não aprenderem agora, poderão aprender na volta à escola. com os colegas e por meio da mediação docente. Haverá perdas, é claro, mas o que as crianças não aprenderem agora, poderão aprender na volta à escola.

Nada justifica massacrar as crianças com conteúdos descontextualizados e que não dialogam com suas reais necessidades e potencialidades. Por isso, a importância das escolas já irem se preparando para acolher os estudantes na volta às aulas, fazer um bom diagnóstico e planejar um novo jeito de trabalhar, que dê conta de recuperar o que for necessário.

Aqui vai também um recado importante para professores: os familiares possivelmente estarão dando o melhor de si, mas nem todos têm familiaridade com as dinâmicas escolares, então é importante que qualquer atividade proposta seja ajustada à realidade do público atendido pela escola. Novamente, o diálogo é o melhor caminho. Nesse sentido, o professor pode ir sugerindo atividades e orientando as famílias por mensagens e vídeos curtos gravados e enviados pelo WhatsApp, por exemplo.

Assista abaixo à live com Maria Alice Junqueira:

Sugestões de atividades

Considerando os pilares para um bom processo de alfabetização, gostaria de sugerir quatro grupos de atividades que não podem faltar nas propostas das escolas e que os familiares também podem estimular, a partir de brincadeiras e atividades lúdicas.

Brincadeiras com o alfabeto e com os sons das letras

Conhecer as letras do alfabeto é bastante importante. Para isso, professores e familiares podem propor brincadeiras com as letras do nome do aluno, de seus familiares e colegas de turma. E não é preciso material específico para isso. Na hora do almoço, é possível escrever as letras iniciais desses nomes com feijões ou palitos de fósforo, por exemplo. Depois, é possível fazer o mesmo com a última letra do nome e, mais adiante, com as sílabas iniciais e finais.

Existem livros e materiais que exploram o alfabeto. Os “bichionários”, por exemplo, nada mais são do que ilustrações de animais para a letra com que começa seu nome. Esse tipo de material pode ser enviado pelas escolas ou feitos em casa pelos familiares, já com a ajuda da criança. Outro material que vale a pena providenciar são letras móveis, que podem até mesmo ser escritas pelos próprios pais ou responsáveis. A ideia é utilizá-las em propostas de escrita, tais como, escrever os nomes dos familiares, de animais cujos nomes iniciam pela mesma sílaba das do nome da criança e ir seguindo, variando a cada semana. Por exemplo, trabalhando nomes de frutas que iniciam com a mesma sílaba do nome da mãe, depois do pai, do avô, dos colegas de sala etc.

Vale, ainda, ir formando um baú (feito com uma caixinha), no qual se guardam palavras significativas, como por exemplo:  nome das bonecas, dos brinquedos preferidos, dos livros mais queridos, das comidas de que mais gosta e assim por diante. De vez em quando pode-se brincar com essas palavras e compará-las para ver que letras têm em comum, qual é a mais comprida e a mais curta e assim por diante.

Brincadeiras com as sílabas e seus sons

Rimas, cantigas, trovinhas, parlendas, cordéis e outras composições populares são uma forma bastante acessível de explorar sons e sílabas das palavras, pois elas jogam com a repetição e as rimas. Para algumas famílias e em algumas regiões do país elas são especialmente importantes, pois fazem parte da cultura oral. Professores podem orientar as mães, pais e responsáveis a recitá-las com a criança durante o banho, na hora almoço, ou enquanto fazem alguma outra atividade. É possível ainda estimulá-las a criar, oralmente, suas próprias rimas e versos.

Algumas brincadeiras de pular corda, muito comuns nas diferentes regiões do país, são muito interessantes, pois levam a criança a brincar com rimas e a recitar o alfabeto.

Por exemplo, enquanto se pula corda, vai-se cantando:
Suco gelado
Cabelo arrepiado
Qual é a letra
Do seu namorado
A B C D E F G….
A letra que estava sendo cantada no momento em que a criança erra o pulo corresponde à letra inicial do nome de seu futuro “namorado” e ela deve dizer um nome que inicia por aquela letra.”


Leitura de livros infantis

Outra atividade que não pode faltar é a leitura diária, ou uma contação de histórias e causos orais, para os que não dispõem de livros de literatura infantil em casa ou não são alfabetizados. Isso pode acontecer na hora de dormir, por exemplo. Trata-se de algo muito importante para familiarizar a criança com o universo letrado.

No momento da leitura, pode-se ir apontando com o dedo onde se está lendo, para que a criança possa ir percebendo que tudo que é lido está escrito. Outra sugestão ainda é parar a leitura, de quando em quando, para identificar algumas palavras recorrentes na história para que a criança possa identificar como se escreve, com que sílaba inicia e termina, por exemplo. Vale sempre conversar sobre a história, sobre o que a criança entendeu, de que partes mais gostou etc. O adulto também pode ir conversando sobre as suas impressões sobre a história e as ilustrações.

Dicas de livros

  1. Alfabeto Escalafobético, de Cláudio Fragata e Raquel Matsushita – Editora Jujuba.
  2. Bichionário, de Nílson José Machado – Editora Braga.
  3. Histórias de A a Z, de Cristina Von Callis.
  4. Meu primeiro bichionário, de Marco Hailer – Editora Carochinha.
  5. Armazém do folclore, de Ricardo Azevedo – Editora Carochinha.
  6. Não confunda, de Eva Furnari – Editora Moderna.
  7. Uma letra puxa a outra, de José Paulo Paes e Kiko Farkas – Companhia das Letrinhas.
  8. Você troca?, de Eva Furnari. Editora Moderna.
  9. Misturichos, de Beatriz Carvalho e Renta Bueno – Editora Martins Fontes.
  10. Você me chamou de feio, sou feio mas sou dengoso, de Ricardo Azevedo – Editora Moderna.
  11. História para todos os dias, de Natha Caputo e Sara Cone Bryant – Companhia das Letrinhas.
  12. Os contos de Grimm, de Tatiana Belinky – Editora Paulus.
  13. O grúfalo, de Júlia Donaldson – Editora Brinque-Book.
  14. O caso do bolinho, de Tatiana Belinky – Editora Moderna.
  15. Já sei ler, de Patricia Auerbach – Editora Brinque-Book.
  16. Duas dúzias de coisinhas à-toa que deixam a gente feliz, de Otavio Roth – Editora Ática.
  17. Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles – Editora Global.
Envolver as crianças em pequenos eventos de letramento

Incentivar as crianças a participar de pequenos eventos de leitura e escrita também pode ser um bom caminho. Os familiares podem, por exemplo, envolvê-las na hora de escrever uma lista de compras (pensando na letra ou sílaba inicial de determinado produto, por exemplo), mandar uma mensagem no WhatsApp para um familiar que está distante, entre outros atos da vida cotidiana da família.

Confira outras dicas de jogos e materiais de alfabetização e letramento

As atividades sugeridas acima não irão alfabetizar a criança. Afinal, essa é uma tarefa da escola. Mas certamente irão contribuir para o processo, pois convidarão a criança a continuar pensando sobre a língua e a linguagem, fazendo descobertas sobre as relações entre os sons e as letras e a construir um acervo de textos e de experiências que a ajudarão na volta à escola. Cabe aos educadores encorajar as famílias a se aproximarem dos filhos e a ousar descobrir os seus próprios conhecimentos e formas de ajudar as crianças a avançar em seu aprendizado.


Arte: Karine Oliveira