Com a palavra, adolescentes mobilizados em defesa de seus próprios direitos
Cinco adolescentes contam os problemas da realidade em que vivem, como os têm enfrentado e por que se mobilizam para garantir espaços de participação
Por Stephanie Kim Abe
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990) completou 30 anos no mês passado (13/07), o que trouxe o tema dos direitos de crianças e adolescentes à tona e gerou matérias, lives e produções jornalísticas em diversos canais e veículos de mídia.
O próprio CENPEC Educação produziu um especial #CENPECExplica para a ocasião, com cinco reportagens que abordam diferentes aspectos dessa importante legislação, do seu histórico de construção às perspectivas para o futuro.
Mas em meio a tantos especialistas consultados que defendem os direitos das crianças e adolescentes, faltou contemplar os próprios atores centrais desse tema. Por isso, o CENPEC Educação conversou com cinco adolescentes de diferentes estados do país para entender como eles(as) mesmos(as) percebem, reconhecem e lutam pela garantia e defesa de seus direitos.
Direitos violados em diferentes realidades
“Meu município é praticamente o polo comercial do estado de Sergipe. Somos a capital nacional do caminhão, da castanha, entre outras coisas. A perspectiva dos jovens por aqui é seguir a cultura do município, que é de que eles têm que trabalhar, ir para o comércio. Temos um alto índice de trabalho infantil e muitas vezes não temos garantido o direito a uma educação de qualidade”, diz Karla Laiane Santos Santana, adolescente de 18 anos do povoado de Rio das Pedras, zona rural do município de Itabaiana (SE).
Karla Santana milita pelos direitos das crianças e adolescentes há três anos, quando entrou para o Núcleo de Cidadania dos Adolescentes (NUCA) de Itabaiana (SE). O NUCA é um projeto instituído nos municípios do Semiárido e da Amazônia Legal que fazem parte do Selo UNICEF, e tem como objetivo ser um espaço de participação de adolescentes para conhecer e discutir políticas públicas voltadas aos seus direitos.
Além da falta de acesso à escola, Karla também relata as dificuldades que encontra nas escolas do seu município, como a falta de livros, bibliotecas e problemas de infraestrutura.
Geovanna Christiny Marques Aguiar, de 14 anos, também reconhece violações ao direito à educação em Nova Brasilândia, município onde mora no interior do Mato Grosso – como os jovens fora da escola – e outros abusos sofridos pelas crianças na região.
Muitas crianças sofrem abusos, ou mesmo dentro de casa são espancadas pelos próprios pais, e acabam ficando com lesões para o resto da vida, como transtornos emocionais e psicológicos. Mas a criança tem o direito de viver e ter uma vida segura. Nós temos o direito de ir e vir, de não sofrer com o preconceito ou racismo, de estudar
Geovanna Christiny Marques Aguiar (14 anos)
Falar para diferentes públicos
É a partir desses problemas que atingem a sua realidade que os adolescentes dos NUCAs se mobilizam.
“Nós combatemos o racismo, tentamos trazer pessoas que saíram da escola para terminar o Ensino Médio, fazemos conferências culturais, campanha para adolescentes maiores de 16 anos que ainda não têm o seu título de eleitor, entre outras ações”, descreve Geovanna Aguiar.
Em Bodó, interior do Rio Grande do Norte, foi uma situação de exploração sexual que pautou as ações de adolescentes do NUCA no primeiro semestre de 2019.
“Em maio do ano passado, nós realizamos palestras nas escolas sobre educação sexual e os direitos dos jovens e adolescentes sobre o seu corpo. Abordamos o que fazer e o que não fazer, como lidar com nudes e o vazamento de fotos – algo que estava em alta no município, porque algumas meninas tiveram algumas fotos vazadas e estavam enfrentando vários problemas escolares”, explica Jhonata Willyan de Figueiredo Santos, 17 anos, integrante do grupo há três anos.
Os adolescentes participantes dos NUCAs não agem sozinhos: há um adulto que atua como mobilizador e busca garantir o comprometimento da gestão pública com esse espaço, e costumam realizar suas ações em parceria com órgãos como o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e o Centro de Referência de Assistência Social (Cras). Nesse processo, entendem a importância desses e outros órgãos que fazem parte da rede de proteção às crianças e adolescentes.
Foi o que aconteceu nesse caso relatado por Jhonata Santos, já que as palestras que realizaram nas escolas foram feitas em parceria com esses órgãos.
No começo era até engraçado, porque são jovens, iguais a nós, e acham que o que estamos fazendo ali é mais uma palhaçada. Depois de um tempo explicando, eles veem que é um assunto sério que precisam saber lidar futuramente e que aquilo é para ajudar eles mesmos
Jhonata Willyan de Figueiredo Santos (17 anos)
Como também tiveram que conversar com crianças e adultos, Jhonata aprendeu a pensar como adaptar a sua linguagem e o trabalho para cada grupo etário e localidade em que iam. Se com jovens eles podiam ser mais diretos e pensar dinâmicas, como perguntas e respostas, que atraíssem a atenção deles ao tema, ao falar com crianças da pré-escola o grupo precisou pensar em desenhos animados ou outras formas lúdicas de abordar a questão.
Olhar dos adolescentes, para os adolescentes
Não é preciso fazer parte do NUCA para entender a importância de ter espaços de participação de crianças e adolescentes. Os Grêmios Estudantis nas escolas, por exemplo, têm um papel importante na garantia da representação e escuta desses atores.
“Às vezes a direção traz eventos, ou mesmo explicações de um assunto, de uma forma muito rasa. Eles falam o que querem falar, mas não se preocupam tanto sobre como os alunos vão entender aquilo. Sendo formado por estudantes, o Grêmio entende melhor como nós gostaríamos de aprender, e daí mostramos para a direção a maneira mais fácil de fazer isso acontecer”, explica Gabriela Catharina Santana Nogales de Azevedo, vice-presidente do Grêmio do Centro de Ensino Médio Urso Branco (CEMUB), em Brasília (DF).
A aluna do 2º ano do Ensino Médio conta que o Grêmio na sua escola é um espaço de escuta e de apoio principalmente das minorias, como os alunos negros, homossexuais e com deficiência. Daí as ações centrarem em temas como diversidade, respeito e visibilidade, por meio de eventos como saraus poéticos e semana de apresentações culturais.
Não falamos muito sobre o ECA, porque também não temos muito entendimento. Mas precisamos sim nos aprofundar um pouco mais nisso. Conversamos muito sobre direito das pessoas, sobre a questão do racismo e homofobia, aprendemos porque uma fala machuca algumas pessoas ou então porque precisamos tratar um aluno de forma diferente para que ele se sinta acolhido pela escola. Acho que essas são coisas que levamos não só para a escola, mas para a sociedade inteira
Gabriela Catharina Santana Nogales de Azevedo (18 anos)
É preciso que adultos reconheçam suas vozes
Gabriela de Azevedo destaca a importância do trabalho em grupo e de aprender a lidar com as diferentes pessoas que fazem parte dele. Ainda que tenham o apoio da direção escolar, há entre os empecilhos para a realização do trabalho do Grêmio a dificuldade de reconhecimento tanto dos próprios alunos como de alguns professores.
A adolescente Karla Santana também tem essa preocupação, junto com a falta de participação de crianças e adolescentes.
Muita gente já chegou para minha mãe e questionou: ‘por que a sua filha está nesse meio? Para que ela está em busca de direitos, se não vai tê-los mesmo? Isso é perda de tempo, manda ela procurar outra coisa para fazer que ela ganha mais’. Então eu não sou reconhecida no meu município, e essa falta de reconhecimento acaba desmotivando a participação e mobilização de jovens como eu, infelizmente
Karla Laiane Santos Santana (18 anos)
Diferentes, fazendo a diferença
Derik João da Silva começou a fazer teatro aos 10 anos, quando passou a participar das oficinas do Giral, uma organização da sociedade civil que atua na formação integral de crianças, adolescentes e jovens na região da bacia do rio Goitá, no interior de Pernambuco. Agora com 14 anos, o adolescente morador de Glória do Goitá (PE) diz que aprendeu muito com a experiência.
Acho que direito é o respeito com você e outras pessoas, é o cuidado com as crianças. No projeto aprendi a ter mais responsabilidade e dedicação também. Por isso acho importante e bacana participar. Porque muda muita coisa na sua vida, como oportunidade, ensino. Eu tive mais oportunidades
Derik João da Silva (14 anos)
Jhonata Santos, adolescente de Bodó, também se interessa por arte – tanto que participa do grupo de dança de quadrilha estilizada Explosão Jovem, que existe há 15 anos. Mas ele também gosta natureza, e por isso é integrante do grupo de escoteiros.
Gosto de ser proativo, de fazer minha parte, de estar ciente do que está acontecendo ao meu redor, do que e por que as pessoas estão gostando, para ver se eu também gosto. Também curto bastante interagir e estar com diferentes grupos, ver diferentes ideias de como viver, e também de repassar isso tudo
Jhonata Willyan de Figueiredo Santos (17 anos)
Karla Santana se interessa pela leitura. Ela alia essa paixão ao ativismo fazendo parte do Movimento Cultural Maria Pereira (MOCMAP) da Academia Itabaianense de Letras, que busca levar cultura e literatura às escolas municipais e estaduais do município.
Ainda que com interesses e trajetórias diferentes, os cinco adolescentes têm gosto pela participação e entendem a importância de fazer com que a sua voz seja ouvida e de poder influenciar os amigos e outras pessoas sobre temas que lhe são caros.
“Meu foco é mesmo os direitos das crianças e adolescentes e acho que, se todos nós nos unirmos um pouquinho, podemos fazer a diferença”, diz Karla.
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